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Membros do Tea Party escutam palestra de Joseph Farah em sua Convenção Nacional, em 2010, em Nashville. (Foto: Melina Mara/Washington Post)
Membros do Tea Party escutam palestra de Joseph Farah em sua Convenção Nacional, em 2010, em Nashville. (Foto: Melina Mara/Washington Post)| Foto: The Washington Post

No auge do “movimento negacionista”, leitores ávidos por conspirações corriam para um website chamado WorldNetDaily atrás da mais recente teoria bizarra (e ainda assim viral) sobre o Presidente Barack Obama não ter nascido nos Estados Unidos.

O fundador do site, Joseph Farah — ex-dono de jornal com um bigode preto grosso e um quê de clandestinidade na forma de se exibir — se vangloriava de, em 2010, estar prestes a faturar US$10 milhões por ano. Seu site de notícias, conhecido pela sigla WND e com sede no norte da Virgínia, estava em alta por alimentar rumores sobre Obama.

Mas Farah — um pioneiro da Internet que já tinha sido acusado pela administração Clinton de fazer parte de uma conspiração midiática de direita e que era conhecido por andar com uma arma na cintura pelo escritório — tinha aspirações maiores. Anos antes ele tinha lançado uma das primeiras iniciativas de notícias em larga escala; agora ele queria ser um ator de filmes cristãos e se envolver na publicação de livros, promovendo títulos de conservadores famosos como a antifeminista Phyllis Schlafly e o futuro presidente do Comitê de Inteligência da Câmara, o republicano da Califórnia Devin Nunes.

Ele estava criando um império.

Dez anos mais tarde, esse império está sendo sugado por um tornado de contas não pagas, funcionários no olho da rua, contabilidade caótica, faturamento em queda e cada vez menos leitores, de acordo com entrevistas com mais de 25 ex-funcionários, acionistas, pessoas que conheciam a empresa por dentro e escritores ligados às fracassadas iniciativas editoriais da empresa, bem como com análises de centenas de documentos internos, incluindo e-mails e relatórios financeiros obtidos pelo Washington Post.

Apesar de Farah dizer em colunas no WND e em e-mails para os fãs que ele recebe centenas de milhares de dólares em doações — incluindo contribuições dedutíveis do Imposto de Renda — alguns ex-funcionários e empregados terceirizados foram demitidos ou tiveram seus contratos cancelados sem receber o que lhes foi prometido. Muitos autores que assinaram contrato com o braço editorial do site, entre eles o ex-senador republicano Tom Coburn, de Oklahoma, reclamam de supostamente não terem recebido os direitos autorais que lhes são devidos.

Coburn contou numa entrevista que teve uma conversa “bastante sincera e incômoda” com Farah no ano passado sobre direitos autorais devidos relacionados ao seu livro “Smashing the D.C. Monopoly” [Destruindo o monopólio de Washingon, DC, em tradução livre, sem edição no Brasil], de 2017.

“Eu o acusei de ser desonesto”, disse Coburn. “Ele não cumpre os compromissos que assume. Ele não tem palavra”.

Outros autores, inicialmente atraídos pela imagem que Farah fazia de si mesmo com um cristão evangélico devoto, disseram ter pago à divisão de impressão sob demanda do WND milhares de dólares para que seus livros fossem lançados, mas não receberam os direitos autorais que lhes foram prometidos nem outros materiais, como as versões em áudio das obras. As reclamações, pedidos de relatórios financeiros simples e súplicas foram ignorados, de acordo com e-mails e entrevistas com mais de uma dúzia de autores.

Numa conversa por telefone feita na semana passada, a esposa de Farah, Elizabeth — cofundadora do site, juntamente com o marido — se recusou a discutir as acusações, mas disse que “no que diz respeito à legitimidade das reclamações, a raiva dos ex-funcionários não me impressiona”.

“É um disse-me-disse”, afirmou Elizabeth Farah.

Menos de duas horas depois de ela falar com o Washington Post, o WND publicou uma história sugerindo que Joseph Farah recentemente sofrera um derrame sério que até então era mantido em segredo.

Antes uma instituição de nicho com seguidores devotados e dezenas de empregados, o WND passou por uma transformação drástica. O site abandonou a sede luxuosa em Chantilly, na Virgínia, e agora funciona remotamente graças a um grupinho disperso pelo país. Farah escreveu numa coluna no WND publicada em janeiro que a maioria da equipe tinha sido demitida.

“Estamos com dificuldade para sobreviver”, escreveu ele.

Durante meses, Farah pôs a culpa pelos problemas do site numa suposta facção de poderosas empresas de tecnologia que ele acredita estar bloqueando o tráfego para o WND e outros sites conservadores. Ele recentemente escreveu que sua empresa perdeu 80% do faturamento desde 2017 e deixou de publicar novos livros e de fazer filmes.

“Nunca houve nada mais poderoso do que as forças conjuntas do Google, Facebook, YouTube, Twitter, Amazon e Apple — ao menos não desde a Torre de Babel”, escreveu Farah numa coluna no começo do ano. “Estou falando de uma conspiração de verdade — e não tem nada a ver com a Rússia”.

Mas entrevistas e documentos mostram uma empresa que funcionava sempre à beira de uma crise, que sempre atrasava os pagamentos para os funcionários e fornecedores e que vivia em disputas por conta de gastos questionáveis por parte de seus fundadores e acusações de que eles estavam ocultando informações do conselho administrativo, usando dinheiro da empresa para sustentar um estilo de vida luxuoso nos subúrbios de Washington.

“Para onde foram os milhares de dólares arrecadados de leitores e outros doadores do WND em 2018?”, perguntou Felicia Dionisio, antiga repórter e editora do WND que administrava a divisão editorial antes de ser demitida no ano passado. “Não foram para o pagamento de direitos autorais, não foram para os muitos funcionários leais que acabaram demitidos, não foram para salários pagos em dia e não foram para aqueles que sofreram com os cortes no WND como um todo”.

Parem as máquinas!

Na era pré-Internet, Joseph Farah era um homem de jornal, tendo trabalhado como editor-executivo do Los Angeles Herald Examiner, um importante diário que concorria com o Los Angeles Times antes de fechar, em 1989.

Depois, como editor do periódico conservador Sacramento Union, ele irritou alguns funcionários ao assumir um posicionamento explicitamente antiaborto. Ele ganhou as manchetes ao defender uma decisão do jornal de proibir anúncios de filmes não recomendados para menores.

“Filmes contraindicados para menores não são nada além de filmes proibidos para menores com um nome mais bonitinho”, disse Farah à United Press International em 1990.

Farah trabalhou para o Union durante menos de dois anos. Desligado da função de editor, ele teve uma recaída. Farah escrevia colunas agressivas — uma locomotiva diante da qual os colegas ficavam pasmos por causa da velocidade com que ele era capaz de compor sua prosa.

Farah, agora com pouco mais de 60 anos, ficou conhecido por promover a teoria de que o conselheiro da Casa Branca Vincent Foster talvez tivesse sido vítima de assassinato, não de suicídio. Ele fundou uma organização sem fins lucrativos chamada Western Journalism Center e depois uma empresa, o WorldNetDaily.

A nova empreitada de Farah parecia a alguns investidores uma potencial fonte de dinheiro na arena virtual. Numa época em que empresas jornalísticas tradicionais enfrentavam dificuldades para compreender a força da internet, Farah estava à frente de quase todo mundo, trilhando um caminho ocupado por poucos além de Matt Drudge.

Farah e sua esposa trilharam um rumo incomum para alcançar o sucesso no mundo virtual. Eles alugaram um sítio de cem hectares numa região no sul do Oregon conhecida como “a propriedade imaginária de Jefferson”, de acordo com o livro “Stop the Presses!” [Parem as máquinas!, sem edição no Brasil], de Farah. Eles convidaram os funcionários para morarem na fazenda com eles e passaram a chamar a propriedade, com as cabanas convertidas em escritórios, de “complexo”. Os Farah viviam do outro lado da estrada rural, numa cabana de madeira.

Farah era a cara do site. Em 2000, ele foi o primeiro a contar que Jane Fonda tinha se convertido ao cristianismo. Desde então ele descreve Fonda como “uma traidora maluca” por causa de seu ativismo contra a Guerra do Vietnã. Em seu livro ele escreveu que trabalhou como guarda-costas de Fonda durante uma campanha pacifista em 1972; naquela época ele também protestava contra a Guerra do Vietnã.

Alguns anos depois da mudança para Oregon, os Farah decidiram se mudar para a região de Washington, D.C. era um lugar que ele costumava chamar de “as entranhas da besta”.

Os furos de Farah e os ataques de Clinton ao site atraíram investidores que compartilhavam de sua filosofia. Mas seus gastos e os gastos de sua esposa fizeram soar alarmes para algumas pessoas próximas que consideravam o casal irresponsável e indisciplinado, de acordo com entrevistas e documentos internos obtidos pelo Post.

À medida que o aniversário de dez anos de empresa se aproximava, os Farah planejavam uma comemoração extravagante. Eles assinaram um contrato com o hotel Washington Hilton em 2006, mas tiveram de pagar uma taxa alta de cancelamento e outros custos por não conseguirem gerar interesse o bastante para o evento, de acordo com um memorando. Os executivos recorreram a um doador rico para pagar as despesas.

“Precisávamos de mais de US$200 mil para pagar o fiasco do decimo aniversário no Hilton”, dizia o memorando.

Em 2008, Farah comprou uma editora, a World Ahead Press, rebatizada como WND Books. Nos anos seguintes, ele também abriu uma produtora de filmes completa, com estúdios cheios de equipamentos de última geração em Chantilly, e organizou um festival de cinema.

“Eles atiravam para todos os lados”, disse um acionista e ex-membro do conselho, sob a condição de manter o anonimato para falar dos problemas internos da empresa. “O controle de gastos não era o ideal”.

Uma mudança na estrutura societária da empresa tirou dos acionistas minoritários boa parte do seu poder, que mais tarde foi concentrado nas mãos dos Farah, de acordo com um documento interno. Alguns reclamavam que Farah tinha de ser mais transparente sobre o quanto ele e sua família estavam recebendo, de acordo com e-mails e entrevistas.

Os acionistas diziam que queriam que Farah se concentrasse em seu principal negócio, o website, que estava atraindo mais de quatro milhões de visitantes únicos por mês. A eleição de Obama deu a Farah a desculpa perfeita: em 2009, o site mergulhou na teoria da certidão de nascimento do presidente, publicando centenas de artigos que diziam que a certidão de nascimento de Obama era questionável. O PolitiFact chamou o WND de "maquinista da conspiração da certidão de nascimento”.

Na época, Farah atraiu nomes conhecidos para escreverem para o site, entre eles Jerome Corsi, que escreveu um livro questionando a elegibilidade de Obama e testemunha-chave do conselho especial de investigação sobre a interferência russa na eleição de 2016; e o líder evangélico James Dobson. A filha dele, Alyssa Farah, hoje assessora de imprensa do vice-presidente Mike Pence, escreveu para o WND entre 2013 e 2014.

Farah cultivava uma imagem furtiva. Em 2010, ele se recusou a dar uma entrevista em seu escritório para o Los Angeles Times, concordando apenas em se sentar numa loja do Starbucks na Virgínia, desde que o nome da cidade não fosse mencionado.

Dentro da empresa, os problemas se acumulavam. Um alto executivo expressou preocupação quanto aos gastos de Elizabeth Farah com o cartão de crédito da empresa, mencionando gastos que ela fizera em lojas de vinhos, roupas, cosméticos e uma empresa que fornece materiais para o ensino em casa, de acordo com um memorando obtido pelo Post que menciona todos os gastos.

“O que essas coisas têm a ver com o trabalho?”, pergunta o memorando de abril de 2012. “Esse tipo de gasto faz mal à imagem da empresa, sobretudo porque a empresa está de cabeça para baixo em termos de faturamento e compromissos assumidos”.

“Alerta vermelho”, diz o memorando.

Na primavera de 2015, Floyd Brown, um empreendedor da Internet que fazia parte do conselho do WND, viajou para o Missouri para conhecer o armazém que distribuía os livros e outros itens vendidos pela loja virtual do WND, que ainda vende vários produtos, entre eles equipamentos para pessoas que se preparam para o Apocalipse, como sistemas de filtragem de água e “máscaras russas antigás”.

Ele encontrou pallets cheios de produtos não vendidos.

“O estoque é uma pedra em volta do seu pescoço”, escreveu Brown num e-mail para um alto executivo do WND. “Você precisa produzir mais relatórios para que o conselho saiba como aquela divisão tem se saído”.

Assim que Joseph Farah ficou sabendo da viagem, ele enviou um e-mail para o executivo da empresa que a organizou, acusando-o de “uma imperdoável traição”.

“Não há nada de materialmente novo sobre as finanças da empresa para justificar um alerta ao conselho”, escreveu Farah. “Atrasamos consistentemente os pagamentos e os compromissos há anos”.

Brown confirmou o conteúdo da troca de e-mails com Farah, mas acrescentou: “Tenho o maior respeito e admiração por Joseph Farah e pelo que ele fez com o WND.com”.

Sonhos destruídos

No começo de 2017, um e-mail apareceu na caixa de entrada do marido de uma dona-de-casa e mãe de três filhos em Wisconsin.

Era exatamente do que Diane Anthony achava que precisava.

Ela estava trabalhando num romance intitulado “Supernova”, sobre uma calamidade mundial que matava milhões de pessoas mas que dava superpoderes aos sobreviventes. O e-mail propunha um acordo: a World Ahead Press, braço editorial do WND, publicaria o livro dela gratuitamente, o promoveria e lhe daria uma parcela das vendas.

Anthony deu uma olhada nas diferentes opções de publicação, cada qual com um preço diferente.

“Achávamos que, se queríamos ajudar nossos amigos cristãos, este era um bom caminho”, disse ela numa entrevista recente. “Escolhemos a opção mais cara”.

Custou US$9.999.

Em vários lugares do país, outras pessoas chegaram à mesma conclusão. Eles podiam confiar no WND por causa de seus valores cristãos. Na Flórida, Patricia Feijo usou suas parcas economias a fim de pagar US$9.999 para contar a versão dela da prisão do marido por promover tratamentos de câncer sem comprovação por meio de seu ministério, o Daniel Chapter One, num livro intitulado “Called to Stand: How a Small Christian Ministry Courageously Stood Up to Government Tyranny” [O chamado: como um pequeno ministério cristão corajosamente enfrentou a tirania do governo, sem edição em português].

Na Virgínia, Rita Dunaway – advogada que contribuía com colunas para o WND – firmou um acordo de publicação mais tradicional, no qual ela receberia direitos autorais, mas não teria de pagar pela publicação.

Todas as mulheres tiveram seus sonhos destruídos. Ligações e e-mails ficaram sem resposta. Anthony e Feijo disseram que não receberam os áudio-livros que lhes prometeram. Dunaway sentia que só estava ouvindo desculpas esfarrapadas para os meses de atraso em relação ao lançamento de seu livro.

Mas em janeiro de 2018 ela entendeu melhor o que estava acontecendo. Joseph Farah escreveu uma coluna explicando os desafios financeiros do WND e dizendo que a empresa enfrentava uma “ameaça à sua existência”.

“Sofro ao lhe dizer que muitos funcionários leais do WND estão trabalhando sem receber salário para nos tirar dessa crise”, escreveu ele. “Estou pedindo ajuda àqueles que reconhecem o papel único que o WND exerce para alcançar uma plateia temente a Deus que, como nós, apoiam um governo mínimo, a soberania nacional e os valores tradicionais judaico-cristãos que fazem dos Estados Unidos um país incrível”.

Poucos dias depois do pedido de ajuda feito em janeiro, ele anunciou ter arrecadado US$100 mil. Em março, ele anunciou que US$200 mil foram arrecadados numa coluna intitulada “Missão comprida! A operação ‘Salvação do WND foi bem-sucedida”.

Mas antes do fim do mês, contudo, os salários estavam atrasados novamente, de acordo com um e-mail que Joseph Farah mandou aos funcionários. A esposa dele informou aos funcionários que os seguros odontológico e oftalmológico tinham sido cortados. À medida que a crise piorava, Dunaway encontrou outra editora para seu livro “Restoring America's Soul: Advancing Timeless Conservative Principles in a Wayward Culture” [Recuperando a alma norte-americana: promovendo princípios conversadores eternos numa cultura de desperdício]. Mas não sem antes dizer a Farah por e-mail que “realmente não consigo entender esse tipo de tratamento por parte de alguém que considerava um irmão em Cristo”.

O WND tinha vários acordos editoriais. Alguns dos nomes mais conhecidos, como Coburn, não pagavam pela publicação dos livros. Em vez disso, a eles eram prometidos direitos autorais e em alguns casos eles receberam adiantamentos, de acordo com documentos internos e entrevistas. Coburn, que diz que seu contrato previa direitos autorais, mas não adiantamentos, fez um acordo no qual o WND lhe enviou cópias do livro para compensar os direitos autorais que ele dizia que lhe eram devidos.

“Foi ladeira abaixo desde a publicação”, disse Coburn. “Todos parecem ter problemas com eles”.

Bitcoin

Apesar de a empresa estar em dificuldades, Farah continuava tendo novas ideias para salvá-la. No fim de 2018, ele ficou fascinado com o bitcoin, a moeda virtual.

Numa reunião com os funcionários, de acordo com Dionisio e outra pessoa que dela participou, Farah explicou seu plano de oferecer bitcoin ao público em troca de doações, e sugeriu que os funcionários aceitassem o acordo também.

“Não dava para acreditar. Estávamos ali, esperando receber nossos salários, e ele estava pedindo que comprássemos bitcoin”, disse Dionisio. “Pensamos ‘Ah, meu Deus, isso daqui virou um hospício”.

O bitcoin não foi capaz de salvar o WND.

Neste mês, Farah novamente pediu dinheiro e mais uma vez culpou as empresas de tecnologia pelos problemas de seu site.

“Não há luz no fim do túnel”, escreveu ele. “Só há três forças na Terra com poder o bastante para atacar este monopólio odioso, antiamericano, esquerdista e ateu – esta nova Torre de Babel. Essas três forças são Deus, o governo norte-americano e você, o povo norte-americano”.

Tradução de Paulo Polzonoff Jr.

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