Olaf Scholz, chanceler alemão| Foto: EFE
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Há mais de um ano atrás, eu divagava sobre como o novo chanceler alemão, Olaf Scholz, conduziria a política do seu país quanto à China. Agora podemos responder a essa questão de modo conclusivo. E a resposta não é bonita.

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Em 26 de outubro, o gabinete alemão, liderado pelo Chanceler Scholz, deixou a COSCO, a empresa estatal chinesa de navegação, comprar 24,9% das ações do terminal de contêineres do porto de Hamburgo, cidade da qual costumava ser prefeito.

A decisão está na contramão do que os chefes de segurança nacional alemães acreditam ser o melhor para o país. Em 17 de outubro, nove dias antes do anúncio, vários líderes da inteligência deram um briefing anual ao parlamento. Bruno Kahl, o chefe da agência de inteligência externa, comentou que via o negócio "de maneira muito crítica". Denunciando há anos a "ingenuidade" de Berlim quanto à ameaça chinesa, Kahl disse aos parlamentares que os alemães "devem estar preparados para o fato de que [...] vantagens econômicas podem ser usadas para reforçar ideias chinesas." Thomas Haldenwang, presidente da Agência Federal para a Proteção da Constituição (uma agência de inteligência doméstica), reforçou a ideia dizendo que "não devemos permitir uma situação em que o Estado chinês influencie eventos políticos na Alemanha." É de se presumir que isso poderia significar a China ditando as ações da Alemanha durante a crise de Taiwan.

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Também há a preocupação de que os chineses usem o local para atividades militares ou de inteligência. Não seria nenhuma novidade. Como a presidente da Contrainteligência Militar (MAD), Martina Rosenberg, informou ao parlamento, a China tem conduzido "operações sofisticadas de espionagem" na Alemanha há anos. O ministério de relações exteriores alemão, revoltado com a decisão, escreveu uma nota confidencial atacado a decisão, dizendo que ela "expande de modo desproporcional a influência estratégica da China sobre a infraestrutura de transportes alemã e europeia, bem como a dependência da Alemanha em relação à China." Alguns especialistas europeus em Direito temem que a participação acionária seja de 24,9% para evitar as leis da União Europeia relativas a lavagem de dinheiro, propriedade não-europeia de infraestrutura estratégica e regulações de sanções — testes que incidem sobre uma participação de 25%, e nos quais a COSCO provavelmente seria reprovada, para a vergonha do governo alemão.

A despeito desses alertas, Scholz está dando continuidade à tendência dos líderes alemães de colocar os interesses econômicos acima dos de segurança nacional. Essa abordagem está cada vez mais contrária ao público alemão. Segundo uma pesquisa da Fundação Körber-Stiftung publicada em outubro, 66% dos alemães eram favoráveis a ficarem independentes da China, mesmo que isso significasse perdas econômicas, e outros 59% veem como negativa a influência crescente da China (só 7% veem-na como positiva). Outra pesquisa mostra que 84% dos alemães querem reduzir laços econômicos com a China. A respeito do negócio do porto, um comentarista do Bild, um dos periódicos alemães mais populares, escreveu: “O regime autoritário de Pequim não quer cooperar conosco, mas ditar os seus interesses a nós." Outro escritor, em um jornal de Hamburgo, lamentou: "A economia alemã e o porto de Hamburgo já são dependentes demais da China."

A resistência ao negócio marca uma mudança grande entre os cidadãos da maior economia da Europa. Tendo penado com os efeitos da pandemia, a realidade dos abusos do China Comunista com Xinjiang e Hong Kong, e a ameaça de invadir Taiwan, o povo alemão tem achado a natureza do regime mais evidente do que nunca. Mas, mais do que qualquer outra coisa, a guerra na Ucrânia — um desastre da dependência alemã do gás russo — fez os alemães despertarem para os perigos da dependência econômica de um regime autocrático.

A França, aliada forte da Alemanha, tampouco está contente. Nas vésperas da decisão sobre a COSCO, Macron deu uma bordoada na direção de Scholz: "Cometemos erros estratégicos no passado com a venda de infraestrutura para a China." Ele poderia estar se referindo à decisão alemã de deixar a estatal chinesa comprar ações da KUKA, a maior firma de robótica da Alemanha, em 2016. Nos dias seguintes à autorização da COSCO, uma reunião entre Scholz e o presidente francês Emmanuel Macron, antes planejada numa localidade idílica ao sul de Paris, foi alterada de modo a parecer um simples almoço de negócios na capital.

Infelizmente, tudo isso teve pouco efeito sobre Scholz, e há poucos indícios de que a decisão de Hamburgo seja uma excepcionalidade. Relata-se que governo de Scholz também está pronto para aprovar a venda de uma fábrica de chips para uma empresa sueca de propriedade chinesa, outro negócio que contou com a oposição do serviço de inteligência doméstico. Claramente o empresariado alemão continua a ser uma força maciça ao ditar as relações do país com a China. Em outubro, a Volkswagen anunciou um empreendimento conjunto de 2,3 bilhões de dólares com a chinesa Horizon Robotics, voltado para veículos autônomos. Em 4 de novembro, Scholz se tornou o primeiro líder do G7 a visitar a China desde o começo da pandemia — uma visita que sem dúvida perpetua as vulnerabilidades germânicas. Ele levou consigo uma dúzia de industriais alemãs, incluindo o CEO da gigante química BASF, que recentemente manifestou cautela contra os "ataques à China".

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Antes da viagem de beija-mãos de Scholz, o Global Times, porta-voz do Partido Comunista Chinês, o elogiou por seu "pragmatismo". Ninguém faz de conta que separar a economia alemã da chinesa será fácil (quase metade das empresas manufatureiras alemãs dependem da China, embora uma a cada duas já planeje reduzir importações no futuro). Mas, como a crise energética alemã com a Rússia mostra, manter uma relação de dependência no longo prazo com um país contrário ao Ocidente é tudo, menos pragmático.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
©2022 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.