Nunca entendi a Black Friday. Hordas correndo para comprar coisas no dia de compras mais movimentado do ano? Isso parece algo horrível. Em vez de ficarem à toa, cheias de gratidão e com as barrigas cheias de peru e torta, as pessoas preferem correr às lojas de madrugada para consumir mais.
Não, obrigado.
Ainda assim, não há como negar que a Black Friday é importante. No ano passado, 165 milhões de norte-americanos — metade da população — fizeram compras no fim de semana da Black Friday, de acordo com a Federação Nacional de Varejistas. Os consumidores gastaram recordes US$6,22 bilhões só no comércio virtual. No total, as vendas variaram entre US$50 e US$60 bilhões.
Apesar da popularidade da data, a maioria das pessoas não tem a menor ideia de por que Black Friday se chama Black Friday.
Quando comecei a pesquisa para este artigo, estava um tanto quanto confuso quanto às origens da Black Friday. E eu não estava sozinho. Minha esposa tampouco sabia. Aí perguntei a um amigo inteligentíssimo. Ele não fazia ideia. Um jovem a quem perguntei disse que ele tinha ouvido falar que o termo Black Friday vinha do tráfico negreiro. (Só para constar, isso é um mito).
Então qual a verdade? E por que tão poucas pessoas conhecem as origens desta data hoje tão popular?
Primeiro, esta não é a única Black Friday. Vários eventos históricos foram chamados de Black Friday [Sexta-feira negra], incluindo o Pânico de 1869, na qual o governo de Ulysses Grant criou uma oferta enorme de ouro para prejudicar especuladores que tentavam manipular o mercado. Essa é a versão oficial. Você só precisa saber que o preço do ouro despencou e fortunas foram perdidas.
Isso não tem nada a ver com o Dia de Ação de Graças ou com as compras, mas é um dos motivos que geram confusão quanto à Black Friday. O maior motivo, contudo, é que as origens desta Black Friday são orgânicas e nebulosas. Na verdade, há ao menos três explicações possível para o porquê de chamarmos a Black Friday de “Black Friday”.
Black Friday: Dia Nacional de Matar Aula ou Trabalho
O primeiro registro de alguém se referindo ao dia seguinte ao Dia de Ação de Graças como “Black Friday” é de uma revista obscura da década de 1950. Era uma referência aos norte-americanos que faltavam às aulas — ou ao trabalho — na sexta-feira para terem um feriado de quatro dias.
O artigo, intitulado "O que fazer na sexta-feira depois do Dia de Ação de Graças", foi publicado na revista Factory Management and Maintenance, periódico para engenheiros e gerentes de fábricas. O texto falava do problema de não ir trabalhar depois do Dia do Peru.
"Sextadepoisdodiadeaçãodegracite” é uma doença que só perde para a peste bubônica em seus efeitos. Ao menos isso é o que sentem aqueles que têm de manter a produção durante a "Black Friday". A empresa talvez esteja semivazia, mas todo faltoso estava doente — e eles podem provar. O que fazer? Muitas empresas tentaram a solução de não pagar o Dia de Ação de Graças aos funcionários que faltam um dia antes e no dia seguinte ao feriado. O problema é que você não pode negar o pagamento àqueles que estão de fato doentes. Mas qual é a verdade? Difícil dizer hoje numa época de atestados médicos milagrosamente fáceis de se conseguir.
Basicamente, a Black Friday era o equivalente, nos anos 1950, da segunda-feira depois do Super Bowl. Todo mundo simplesmente faltava ao trabalho se dizendo doente. Como resultado, a produtividade despencava. Ninguém sabia o que fazer a respeito, e é provavelmente por isso que muitas empresas simplesmente começaram a dar folga aos funcionários.
Black Friday: Caos e Exploração
Nunca tinha ouvido falar da primeira versão sobre a origem da Black Friday. Sempre achei que o nome tinha a ver com a loucura da data. Ou coisa parecida.
Se você acha que estou brincando, pense que, desde 2006, doze pessoas morreram durante as corridas às compras e mais de cem acabaram feridas. Quando as pessoas dizem que é por isso que chamamos a data de Black Friday, elas não estão exatamente erradas.
Como todos estavam matando aula e trabalho nos anos 1950, suponho que eles tinham de fazer alguma coisa. Para muitos norte-americanos, isso significa fazer compras. Isso transformou a Black Friday num dos dias de compra mais movimentados do ano — o mais movimentado em algumas cidades, entre elas a Filadélfia.
Pouco depois de a expressão “Black Friday” surgir na revista Factory Management and Maintenance, a polícia da Filadélfia começou a usar o termo para se referir às hordas de consumidores que entravam na cidade entre o Dia de Ação de Graças e o jogo de futebol entre os times do Exército e da Marinha, no sábado.
Isso estava gerando todos os tipos de problemas para os policiais, e vemos nessa origem as raízes da depressão de alguns trabalhadores associada à data. As muitas horas de trabalho e o estresse consumiam os recursos públicos. Policiais foram proibidos de tirar folga.
"Era um pesadelo”, disse Bonnie Taylor-Blake, neurocientista na Universidade da Carolina do Norte à CNN em 2014. "Os guardas de trânsito tinham de trabalhar em turnos de 12 horas e as pessoas enchiam as calçadas, estacionamentos e ruas. Os policiais tinham de lidar com tudo isso e inventaram o termo”.
Embora o termo fosse usado sobretudo na Filadélfia, alguns nova-iorquinos também estavam reclamando da tal “Black Friday”. Um relatório de 1961 menciona os nova-iorquinos esperando até “13 mudanças de sinal para atravessar a rua” e motoristas de ônibus em greve.
De acordo com essa narrativa, Black Friday é caos, consumismo, engarrafamento e exploração dos trabalhadores.
Black Friday: finalmente lucros
Não é de se surpreender que comerciantes odiassem esse dia de compras associado a um imaginário tão sombrio. Vamos encarar os fatos: o termo Black Friday soa realmente ameaçador.
Para resolver isso, algumas lojas da costa leste se reuniram no começo dos anos 1960 para transformar a Black Friday em “Big Friday” [Grande sexta]. Uma ótima ideia, certo? Bom, mas não pegou.
Na verdade, quase 25 anos mais tarde, as lojas de departamento da Filadélfia ainda resistiam ao termo, do qual a imprensa havia se apropriado.
"O termo ‘Black Friday’ é pecaminoso e nojento”, disse o presidente de uma loja de departamentos à Inquirer em 1985. "Por que chamar um dia em que todos estão felizes e rindo de ‘Black Friday’?”
Apesar de o termo não estar popularizado em todo o país, ele ganhou vida própria. Talvez percebendo que estavam presos ao termo Black Friday, as lojas começaram a dizer que a Black Friday os estava deixando “no preto”. (Historicamente, as lojas registravam as perdas com tinta vermelha e os lucros com tinta preta). [No Brasil, a expressão equivalente é “no azul”].
Essa explicação agradava os comerciantes e era fiel à realidade deles.
“É um erro, mas há 20 ou 30 anos as pessoas realmente viam a Black Friday como o dia em que os varejistas começavam a ficar ‘no preto’”, disse Ray Hartjen, especialista de varejo na RetailNext, à Vox. “O volume de vendas durante todo o feriado os tornava lucrativos”.
Essa referência à Black Friday como o dia em que as lojas finalmente começavam a lucrar data de um artigo de 1981 publicado na Philadelphia Inquirer.
Como o dia ganhou esse nome é motivo de debate. Os consumidores dizem que ele nasceu das multidões que tornam as compras algo desagradável. Mas os comerciantes dizem que o nome tem a ver com o fato de as vendas antes do Natal fazerem a diferença entre as perdas ao longo do ano – ou “vermelho”, no jargão do comércio — e o lucro — ou, “preto”.
No fim dos anos 1980 e nos anos 1990, à medida que mais comerciantes passavam a ver a Black Friday como a época em que eles finalmente conseguiam ter lucros depois das despesas — aluguel, benefícios, taxas, impostos, etc. — eles começaram a adotar o nome, aumentando sua popularidade.
A disputa pela Black Friday
As narrativas históricas da Black Friday concorrem entre si hoje em dia por causa de uma narrativa política mais ampla.
Algumas pessoas veem a Black Friday como o dia em que empresas gananciosas exploram os funcionários durante horas para lucrarem com hordas de consumidores. Outras veem a Black Friday como o dia em que as empresas ganham dinheiro criando ofertas irrecusáveis e os consumidores conseguem compram o que querem.
Recentemente, os comerciantes aumentaram a aposta, abrindo as lojas cada vez mais cedo.
Em 2003, empresas como a Walmart, Kmart e a recentemente falida Sears começaram a oferecer descontos antes do nascer do Sol pela primeira vez. Naquele mesmo ano, a Black Friday se tornou o dia útil mais lucrativo do ano nos Estados Unidos pela primeira vez, de acordo com o Conselho Internacional de Shopping Centers.
Empolgados, os comerciantes começaram a abrir as lojas cada vez mais cedo. As lojas que abriam às 5h da manhã passaram a abrir às 2h e, depois, à meia-noite. Em 2011, muitas lojas abriram no Dia de Ação de Graças pela primeira vez.
Barbara Kahn, professora de marketing na Wharton School da Universidade da Pensilvânia e autora do livro The Shopping Revolution [A revolução das compras], disse à Vox que a “deturpação” da Black Friday é consequência natural de uma economia de livre mercado.
“Quando alguém oferece 50% de desconto das 10h às 23h na sexta, você dá um jeito de oferecer 51% de desconto das 9h às 22h”, disse Kahn. “Essa reação competitiva levará a uma ‘deturpação’ — lojas que abrem cada vez mais cedo — porque você quer que os consumidores comprem de você, não da concorrência”.
Basicamente, os comerciantes concorrem entre si para oferecer as melhores promoções antes da concorrência. Muitos veem os preços baixos e os lucros altos como uma equação sem perdedores, mas outros acham que os funcionários são pressionados a trabalhar durante o feriado.
Se alguém vê a Black Friday como algo bom ou ruim depende da pessoa. Pessoas que veem o mundo por trás de uma lente de exploração e acham que o consumismo é algo decadente ou brega provavelmente não gostam da Black Friday. Pessoas que adoram promoções e admiram os benefícios do capitalismo de livre mercado provavelmente verão a Black Friday de um outro ponto de vista.
Eu talvez jamais entre numa loja de departamentos numa Black Friday, mas conhecia bastante de história para ser grato por viver num país tão rico e livre que metade da população corre para comprar coisas – e depois de comer um banquete.
O consumismo pode ser vulgar, mas é melhor do que a fome e a pobreza.
Jonathan Miltimore é editor da FEE.org.
© 2019 FEE. Publicado com permissão. Original em inglês
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