Houve um impasse na província de Friesland, na Holanda, na noite de 5 de julho. A polícia disparou contra um grupo de fazendeiros que supostamente estava jogando tratores contra policiais e seus veículos para passar por um bloqueio e entrar na rodovia.
Um trator foi atingido pelos tiros e três prisões foram feitas. Este foi apenas um evento acalorado entre inúmeros durante uma campanha de dezenas de milhares de manifestantes que agora se tornou um confronto internacional entre agricultores e reguladores ambientais com implicações globais e potencialmente históricas.
Como tudo começou
Os protestos dos agricultores holandeses começaram com uma série inicial de manifestações na Holanda em 1º de outubro de 2019, em resposta à nova legislação de redução de emissões de carbono que impactou desproporcionalmente os agricultores.
Então, em 10 de junho deste ano, o governo holandês divulgou medidas mais extremas direcionadas diretamente ao setor agrícola. “As fazendas próximas às reservas naturais devem reduzir a produção de nitrogênio em 70%”, informou a revista The Economist. “Deverá ser feita uma redução de cerca de 30% das vacas e porcos do país, junto com uma grande parte das fazendas de gado e leite.”
Em resposta a esta nova legislação, cerca de 40 mil agricultores holandeses protestaram em frente aos prédios do governo e das casas dos ministros e dirigiram centenas de tratores para bloquear centros de distribuição de alimentos, incluindo armazéns e mercearias. Ao longo de julho, o movimento se espalhou pela Alemanha, Itália, Espanha, Polônia e outras nações, cada uma com agricultores saindo às ruas em repúdio às medidas de seus governos para reduzir a escala e a produção da indústria agrícola.
O trade-off da agricultura industrial
Então, pelo que exatamente cada lado dessa disputa está lutando?
A Holanda, sendo o segundo maior exportador mundial de produtos agrícolas depois dos Estados Unidos, está entre os centros agrícolas mais produtivos da Terra, mas também é um dos maiores poluidores.
“A Holanda se tornou um gigante agrícola ao mostrar como pode ser o futuro da agricultura”, de acordo com um artigo da National Geographic intitulado “This Tiny Country Feeds the World [Este pequeno país alimenta o mundo]”. Mas, como relata a Economist, “a Holanda é o maior poluidor de nitrogênio na União Europeia”.
Os animais criados nas fazendas que provavelmente em breve serão eliminados por causa dos regulamentos produzem esterco que se mistura com a urina e libera o composto de nitrogênio amônia. Isso pode prejudicar a vida selvagem e perturbar ecossistemas sensíveis quando vaza para rios e lagos próximos.
Mas simplesmente não existem outros métodos conhecidos de gerar uma produção agrícola tão abundante com os recursos disponíveis que os agricultores holandeses possuem. Portanto, esta é uma troca entre proteger ecossistemas sensíveis, por um lado, e, por outro lado, manter uma próspera indústria agrícola holandesa capaz de sustentar seus trabalhadores enquanto fornece ao mercado produtos com preços acessíveis.
“Temos que nos afastar do modelo de produção de alimentos de baixo custo”, disse o deputado Tjeerd de Groot, do partido Democratas 66, que faz parte do governo de coalizão holandês. “É hora de restaurar a natureza, o clima e o ar, e em algumas áreas isso pode significar que não há mais lugar para a agricultura intensiva”.
E de acordo com o site DutchNews.nl, “a agricultura holandesa precisa se tornar muito menos eficiente ou o meio ambiente sofrerá ainda mais, dizem cientistas agroambientais”.
A introdução do ESG
Se essa repressão regulatória aos agricultores holandeses fosse um evento isolado e incomum, os efeitos sobre a disponibilidade de alimentos, os preços dos alimentos e os salários dos agricultores já seriam bastante ruins. Mas, dadas as circunstâncias políticas atualmente enfrentadas pelos agricultores e outros setores que estão sendo fortemente culpados pela destruição ambiental, uma redução de 30% no número de vacas e porcos provavelmente será apenas o começo.
O afastamento deliberado da agricultura eficiente e de baixo custo está alinhado com uma iniciativa global mais ampla para minimizar e reorganizar a maioria das atividades industriais. E essa iniciativa é conhecida como ESG.
Como Dan Sanchez ressaltou, as políticas de “governança ambiental, social e corporativa” (ESG) existem em sua forma codificada desde 2004, quando as principais instituições financeiras foram encarregadas pelas Nações Unidas de desenvolver diretrizes para reformar o setor financeiro por meio de “governança corporativa social e ambiental”. O objetivo evidente era desviar o investimento de capital da economia global para empresas dispostas a se alinharem com os valores ambientais e sociais dos poderes constituídos.
Desde sua invenção em 2004, e especialmente nos últimos anos, o ESG tornou-se uma forma dominante de governança cada vez mais apoiada pelo Estado que realinhou completamente os incentivos em toda a economia. Em dezembro de 2021, a agência de notícias Reuters nomeou 2021 “o ano do investimento em ESG” e, em abril de 2022, a Bloomberg informou que “poucos cantos do universo financeiro foram cercados por tanto marketing quanto o ESG, que, segundo algumas estimativas, representa mais de US$ 40 trilhões em ativos.”
Os fundos ESG, por definição, priorizam os valores morais de seus controladores, em vez de se concentrarem apenas na lucratividade. E muitos desses objetivos políticos, como cotas de raça e sexo em conselhos corporativos e a redução em massa do setor de energia, estão em desacordo com a maximização da produção e a minimização dos custos para investidores, trabalhadores e clientes. Isso pode explicar por que os fundos ESG estão tendo um desempenho ruim.
E esse será o destino da indústria agrícola holandesa à medida que investidores e empresários incorporarem o fato de que a agricultura industrial eficiente caiu em desuso entre aqueles que exercem os poderes de recompensa e punição política. “Onde o meu filho encontrará sustento e como vai saber o que será permitido em dez anos?” perguntou Erik Stegink, um criador de porcos que protestava na vila holandesa de Bathmen.
O aumento da insegurança alimentar
Uma restrição tão drástica da indústria agrícola holandesa, direta e indiretamente, por meio da limitação de indústrias conectadas, como a de energia, deixará milhares de agricultores desempregados, reduzirá a disponibilidade de alimentos e aumentará os preços dos alimentos internacionalmente em um momento em que a insegurança alimentar está aumentando.
De acordo com um comunicado divulgado pela Casa Branca em junho, “muitos de nossos vizinhos dependem significativamente das importações de alimentos e são particularmente vulneráveis ao aumento dos custos dos alimentos. O [Hemisfério Ocidental] está experimentando o maior aumento nos preços dos alimentos em uma geração.”
A publicação especifica que, entre 2014 e 2019, o número de pessoas que enfrentam insegurança alimentar grave quase dobrou para mais de 90 milhões na América Latina e no Caribe. Cerca de um terço dos venezuelanos sofre de insegurança alimentar, enquanto 50% de seus filhos menores de cinco anos apresentam sinais de desnutrição. O número de pessoas que enfrentam insegurança alimentar em Honduras quase dobrou no ano passado.
A atual crise alimentar no Sri Lanka é uma demonstração particularmente horrível de quão trágicos podem ser os resultados da regulamentação agrícola pesada. Cerca de 90% das famílias do Sri Lanka estão pulando refeições devido à escassez generalizada de alimentos e à inflação dos preços dos alimentos de aproximadamente 60%.
“É uma reviravolta assustadora para um país de renda média que antes não enfrentou problemas para alimentar uma população de 22 milhões de pessoas”, relata a Bloomberg. E por que aconteceu? Há muitas razões, mas uma das principais é que “em abril de 2021, o governo, liderado pelo presidente Gotabaya Rajapaksa, proibiu a importação de fertilizantes sintéticos na tentativa de direcionar o país para a agricultura orgânica”.
A economia holandesa e a maioria dos agricultores holandeses têm recursos suficientes para não sofrer (por enquanto) com a drástica insegurança alimentar que muitos países mais pobres estão enfrentando. Eles podem se dar ao luxo de reduzir sua qualidade de vida e o garantir o futuro de seus filhos de outras maneiras, assim como a maioria dos americanos que terão de pagar mais caro quando forem aos supermercados como resultado da escassez das exportações agrícolas holandesas. Mas a escassez de produtos manufaturados e os aumentos de preços provavelmente significarão fome imediata para muitos marginalizados em lugares como Sri Lanka e a América Latina.
Conclusões lógicas
Como alguns dos agricultores assinalaram, há o argumento que o avanço do progresso agrícola acaba gerando melhores impactos ambientais, não piores. Isso ocorre porque a inovação, em vez da redução de impacto, muitas vezes provou ser o melhor caminho para a sustentabilidade. E a inovação exige que haja capital para investir em novos processos e experimentação.
“Os carros eram muito poluentes, mas tiveram a chance de se tornarem menos poluentes com inovação. É isso que queremos”, explicou a fundadora do partido dos agricultores holandeses, Caroline van der Plas. E as melhorias na sustentabilidade dos automóveis são a regra, não a exceção.
A história da criação de riqueza industrial e seus impactos ambientais mostra consistentemente que a nova riqueza tende a melhorar a capacidade das pessoas de se adaptarem a um ambiente em mudança, pelo menos tanto quanto as mudanças ambientais correspondentes são problemáticas para o bem-estar humano. Os conjuntos de dados econômicos conhecidos como curvas de Kuznets sugerem que, pelo menos nos tempos modernos, pessoas famintas que estão focadas nas preocupações de curto prazo de sobreviver por mais um mês na verdade tendem a danificar seu meio ambiente mais do que pessoas relativamente ricas que podem investir em seu bem-estar a longo prazo.
Então, como alguém pode decidir se o progresso agrícola vale o seu custo em perturbação ecológica? A resposta fica mais clara quando você leva os dois objetivos opostos às suas conclusões lógicas.
A agricultura sempre perturbará os ecossistemas e causará poluição, mas se for permitido que floresça, também pode compensar isso continuando a melhorar por meio da inovação, como já tem acontecido há séculos, e tornando a humanidade rica o suficiente para suportar uma gama cada vez maior de condições ambientais potenciais, que eventualmente serão necessárias de qualquer maneira.
Por outro lado, não há um bom final para a história de limitar e reduzir a capacidade da indústria agrícola, possivelmente a mais importante indústria humana, de produzir alimentos. Quanto menos comida a civilização tiver, menos será possível se adaptar às mudanças nas condições climáticas. E como a agricultura sempre afetará seu meio ambiente, o objetivo de minimizar o impacto ambiental da agricultura e de outras atividades industriais nunca terá fim até que todos morram de fome.
A mudança ecológica é uma constante da realidade biológica – mas os humanos que permanecem bem alimentados certamente não são. E isso não mudou nos tempos modernos, como é demonstrado pela história do século 20 de fome em massa causada pelo planejamento central em lugares como China, Camboja e União Soviética.
O economista ganhador do Prêmio Nobel Friedrich Hayek escreveu uma vez que: “Quanto mais o estado ‘planeja’, mais difícil se torna o planejamento para o indivíduo”. Os estatistas holandeses que impedem os agricultores de cultivar alimentos são um bom exemplo disso. Isso tornará o planejamento dos orçamentos, carreiras e meios de subsistência mais difícil para os agricultores que estão sendo regulamentados, mas provavelmente também tornará esse planejamento mais difícil para indivíduos em todo o mundo.
©2022 FEE - Foundation for Economic Education. Publicado com permissão. Original em inglês.
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