Elon Musk, fundador da Tesla, em foto de setembro de 2020: magnata é o novo dono do Twitter| Foto: Alexander Becher/EFE/EPA
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“Vou libertá-lo”, disse sobre o potencial do Twitter o bilionário Elon Musk, líder de empresas de carros elétricos (Tesla), viagens ao espaço (SpaceX) e um dos criadores do PayPal, quando revelou sua intenção de comprar a rede social no dia 14 de abril. Nesta segunda, 25, após resistência inicial e tentativa de evitar a compra, o conselho da empresa cedeu e a aprovou por unanimidade pelo valor de 44 bilhões de dólares. O valor por ação é de U$54,20. Musk, notório por gostar de maconha, fez questão de inserir nesta soma o número “420”, gíria americana para a erva.

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Do total, 21 bilhões são do bolso do sul-africano e o restante é financiado através de empréstimos em parte envolvendo as ações que ele possui na Tesla. Elon Musk é hoje o indivíduo mais rico do mundo. Ele promete reestabelecer a liberdade de expressão como princípio norteador do Twitter, como era no começo desta rede de microblogs, antes de as redes sociais adotarem protocolos de “moderação de conteúdo”, que muitas vezes segue vieses políticos.

O repórter do New York Times Talmon Smith teve acesso a uma fonte interna na empresa para averiguar como a notícia da compra foi recebida. A situação está “absolutamente doida”, diz um funcionário descontente. “Sinto vontade de vomitar, não quero trabalhar em uma empresa de propriedade do Elon Musk. (...) Eu o odeio, por que ele quer isso? Acho que ele é um menininho petulante”. Antes da compra, um príncipe saudita era um dos principais acionistas do Twitter. Não há registro de manifestações de nojo de funcionários da rede social a respeito disso, apesar de casos como o da decapitação do jornalista Jamal Khashoggi em uma embaixada saudita.

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Figuras conhecidas do conservadorismo e liberalismo nacionais relatam um aumento instantâneo de seguidores no primeiro dia após a compra da rede social pelo bilionário. Mas o efeito poderia ser explicado pela repercussão mais positiva da compra neste lado do espectro político, o que pode ter atraído mais pessoas a fazerem contas. Porém, é real o fenômeno do “shadowban” (o “banimento oculto”), em que críticos do progressismo têm alcance diminuído e sofrem outros tipos de sanções: há contas em que todas as imagens publicadas são marcadas como impróprias para menores, quando isso claramente não é verdade.

Não está claro, no entanto, que Musk seja um ídolo da direita enquanto é um vilão na esquerda. Uma pesquisa de fevereiro de 2021 mostra que ele era visto favoravelmente por 52% dos Democratas e 48% dos Republicanos. “A real divisão no que diz respeito à opinião pública sobre Elon Musk não é entre Democratas e Republicanos”, diz Teddy Schleifer, um dos autores da pesquisa. “É entre homens e mulheres”. Entre os homens a aprovação de Musk foi de 66%, e entre as mulheres, 37%.

GamerGate e outras evidências de viés político

Em 2014, o Twitter foi palco de uma polêmica sobre publicações jornalísticas que cobriam a atual mais lucrativa indústria cultural do mundo – a indústria dos jogos. Jornalistas progressistas de diferentes publicações combinavam pautas em uma lista fechada de e-mails, o que é uma prática antiética pois dá a impressão falsa ao leitor de que a pauta é orgânica. Uma das pautas combinadas foi a acusação de que os gamers (fãs de videogames) seriam misóginos, racistas e homofóbicos.

Seguindo o nome do escândalo Watergate envolvendo o presidente americano Richard Nixon décadas antes, a polêmica recebeu o nome GamerGate. Até hoje, a Wikipédia permite apenas a narrativa progressista sobre o que aconteceu neste caso. O Twitter repetiu o viés político da enciclopédia: chamou a feminista Anita Sarkeesian, que publicava vídeos no YouTube acusando vários jogos de machismo e estava do lado desses jornalistas, para integrar um órgão consultivo. Ativistas como Sarkeesian têm uma interpretação idiossincrática e ideológica da liberdade de expressão que exclui o assim chamado “discurso de ódio”, diferente de interpretações mais liberais como a da Suprema Corte americana e a do jornalista e pensador George Orwell, que acreditam que insultos devem fazer parte da livre expressão e que não existiria um direito de indivíduos não serem ofendidos.

O Twitter também recebe críticas pela forma como trata seu selo azul de verificação. Apesar de ser chamado de um selo de verificação, há indicações de que na verdade trata-se de uma marca de aprovação ao menos desde 2016, quando o polemista Milo Yiannopoulos teve o seu selo removido após ter feito alegadas provocações racistas à Leslie Jones, comediante negra americana que atuou no filme Caça-Fantasmas (Sony, 2016). Também são questionados os banimentos do ex-presidente americano Donald Trump em 2020 e do cientista Robert Malone, que participou da criação da tecnologia que possibilitou a vacina de mRNA para COVID-19, mas crê que ela apresenta riscos que são negados por outros pesquisadores e autoridades de saúde.

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Bilionários que não seguem a cartilha

Outra censura recente que chamou a atenção de Elon Musk foi a suspensão da conta do site de notícias satíricas Babylon Bee por ter chamado uma general transexual do governo Joe Biden de “homem do ano”. O Twitter exige a deleção de próprio punho dos autores de publicações que violaram seus termos de serviço para autorizar seu retorno, mas o Babylon Bee se recusa a apagar o tweet. A expectativa é que punições desse tipo, que dependem da interpretação progressista (e identitária) da liberdade de expressão cessem e que seus efeitos sejam removidos para que contas como essa retornem à ativa.

Outra bilionária que não segue a cartilha dos movimentos identitários é J. K. Rowling, autora da série Harry Potter. Assim como Musk, Rowling é acusada de “transfobia” por resistir a demandas do atual movimento LGBT, que está cada vez mais distante de suas metas mais modestas de dar liberdade a indivíduos LGBT e faz exigências que afetam os direitos de outras pessoas, como a exigência de inclusão de atletas trans no esporte feminino. Rowling não parece se importar com tentativas de cancelamento e passou a responder com sarcasmo aos seus canceladores.

A proteção a minorias como os LGBTs é usada como justificativa para políticas de censura ou “moderação de conteúdo” adotadas pelas principais redes sociais. Em uma manifestação recente, o juiz da Suprema Corte americana Clarence Thomas, que é negro, duvida que o direito à liberdade de expressão não deva ser exigido no espaço empresas privadas. Para ele, pelo alcance e oligopólio sobre a expressão na nova praça pública digital da internet, alegar que um indivíduo banido de todas elas ainda tem liberdade de expressão seria equivalente a alegar que uma pessoa incapacitada de cruzar uma ponte ainda tem liberdade de ir e vir pois pode atravessar o rio a nado. “O que importa”, diz o juiz, “é se as alternativas são comparáveis. Para muitas das plataformas digitais de hoje, nada é comparável”.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]