O presidente eleito do Chile, Sebastian Piñera| Foto: CLAUDIO REYES/AFP

Uma esquerda e um centro divididos e uma presidência de Michelle Bachelet que não encanta ajudam a entender como o conservador Sebastián Piñera voltou à presidência do Chile com relativa facilidade nas eleições celebradas no último domingo (17). Após não confirmar as expectativas de que poderia conquistar a vitória ainda no primeiro turno, em novembro, Piñera intensificou a campanha na reta final, acabando por somar 54,6% dos votos, deixando para trás o situacionista Alejandro Guillier.

CARREGANDO :)

Embora não exista reeleição direta no Chile, o que impedia Bachelet de concorrer a um novo mandato, sua incapacidade de formar até mesmo um sucessor ficou clara ao longo do processo eleitoral. Seus dias no poder foram marcados por uma reforma tributária ambiciosa que aumentou gradativamente os impostos sobre empresas, pela liberação das uniões homoafetivas, bem como por uma reforma educacional que pretende aumentar a gratuidade no ensino superior chileno, onde mesmo as universidades públicas cobram mensalidades. 

Bachelet também precisou conviver com uma incômoda desaceleração da economia. Após sofrer uma recessão ainda em 2009, logo depois de a crise mundial estourar, o Chile se recuperou rapidamente, sem passar por um longo declínio a exemplo do Brasil. No entanto, nos últimos quatro anos Bachelet testemunhou um crescimento médio do PIB de 1,8% ao ano, faixa decepcionante frente à média de 5,3% registrada no governo anterior – encabeçado pelo próprio Piñera. 

Publicidade

A presidente do Chile ainda teve sua popularidade devastada por um escândalo de tráfico de influência revelado em 2015. O “Caso Caval” envolveu a liberação, por um banco privado, de uma linha de crédito de 10 milhões de dólares a uma nora de Bachelet. Os índices de aprovação nunca se recuperaram do escândalo, e batiam em 31% em outubro, no último levantamento realizado antes do primeiro turno das eleições. 

Divórcio

As incertezas dentro do grupo que governa o país levaram a um histórico divórcio das siglas partidárias progressistas: pela primeira vez desde a redemocratização, o Partido Democrata Cristão (PDC), de centro, se afastou da esquerda liderada pelo Partido Socialista (PS). Conhecida no passado como Concertación, a coligação foi instrumental na derrubada da ditadura de Pinochet, e chegou a governar o país por vinte anos após o fim do regime militar – sendo derrotada apenas em 2010, por Piñera. 

Renomeada para Nova Maioria, a ex-Concertación se fragmentou de vez em 2017, com o PDC nomeando uma candidata própria (Carolina Goic, que obteve 5,9% dos votos no primeiro turno), e os partidos ligados ao PS lançando Guillier. As perspectivas governistas se complicaram ainda mais com a formação de um grupo independente de esquerda, a Frente Ampla, criada em janeiro deste ano e que se tornou um fenômeno eleitoral – sua candidata, a jornalista Beatriz Sánchez, somou 20,3% dos votos e esteve próxima de avançar ao segundo turno. 

A reticência da Frente Ampla em apoiar Guillier na segunda parte das eleições também foi apontada como decisiva. “Não há dúvida de que toda a centro-esquerda estava de acordo com as transformações (promovidas por Bachelet), mas começaram a discutir sobre os matizes. Isso gera dúvida no eleitorado, inclusive na agenda para o futuro. Essas divisões jogaram contra Guillier”, analisou María Cristina Escudero, do Instituto de Assuntos Públicos da Universidade do Chile, em texto ao jornal El Comercio. 

Mobilização

Por outro lado, a direita se mobilizou. Após o resultado inicial frustrante, quando havia a expectativa de uma vitória sem segundo turno e Piñera obteve apenas 36,6% dos votos, seus correligionários trabalharam em incentivar que os eleitores saíssem de casa. No Chile, desde 2012, o voto não é mais obrigatório, tornando os índices de comparecimento tão importantes quanto a preferência por determinado candidato. 

Publicidade

Graças aos esforços de Piñera, entre o primeiro e o segundo turno mais de 330 mil novos eleitores foram às urnas, reduzindo a abstenção de 53,3% para 50,9%. Os redutos eleitorais tradicionalmente conservadores registraram um comparecimento muito acima da média, enquanto as regiões vencidas por Guillier tiveram pequena presença de eleitores. Em Vitacura, por exemplo, uma comuna de Santiago que costuma ser reduto da direita, a abstenção foi inferior a 17% – lá, Piñera obteve o apoio de 88% dos eleitores. Por outro lado, Guillier alcançou seu melhor resultado (65,8% dos votos) em Canela, na região de Coquimbo, onde quase metade dos votantes não compareceu. Essa foi a tônica em todo o país. 

Lembrado por levar o país a um grande crescimento econômico imediatamente após a recessão de 2009, bem como pela criação de empregos, mas também pela constante repressão a protestos estudantis, o bilionário Piñera costuma favorecer os empreendedores, e já declarou ser contra a gratuidade no ensino superior embandeirada por Bachelet.

Seu retorno ao poder ocorre em um contexto político muito distinto daquele de seu primeiro mandato. Desde que Piñera deixou a presidência pela primeira vez, o Chile pôs fim ao chamado sistema binominal, criado ao final da ditadura para manter um equilíbrio entre a esquerda e a direita – pela regra da época, cada distrito ou região tinha direito a eleger dois nomes para a Câmara e o Senado, mas era raro ambos serem do mesmo partido: para isso acontecer, uma coalizão deveria obter mais que o dobro dos votos da oposição.  

O antigo cenário dificultava a entrada de partidos menores na disputa. Na atual configuração, Piñera se depara com um congresso em que a Nova Maioria, a Frente Ampla e o PDC têm seus próprios representantes, enquanto o partido governista ocupa menos da metade dos assentos legislativos.

“Piñera terá dificuldades em reverter (as políticas de Bachelet), pois sua coalizão não tem uma maioria no Congresso”, escreveu o cientista político Javier Sajuria, da Queen Mary University of London, em artigo publicado pelo Washington Post após o primeiro turno. “O desafio será operar com um Congresso menos experiente, mais socialmente diverso, e muito mais complexo em termos políticos”, analisou Sajuria.  

Publicidade

Onda conservadora 

Quatro países sul-americanos e o México celebram eleições presidenciais em 2018, e o exemplo do Chile pode ser seguido por outros... 

 

PARAGUAI (abril): concorrendo com Efraín Alegre, segundo colocado nas últimas eleições, o nome forte do Partido Colorado (governista) é Mario Abdo Benítez, que surpreendeu nas primárias e derrotou Santiago Peña, o favorito do atual presidente, Horacio Cartes. Grande nome da ala à direita dos colorados, Abdo larga como favorito à presidência. 

COLÔMBIA (maio-junho): entre os candidatos definidos, a disputa está entre o centrista Sergio Fajardo e o conservador Germán Vargas Lleras, ex-vice-presidente de Juan Manuel Santos. Ainda existe dúvida sobre a candidatura do esquerdista Gustavo Petro, quarto mais votado em 2010, que atualmente disputa com Fajardo e Lleras o topo das pesquisas. 

Publicidade

MÉXICO (junho): depois de 90 anos de hegemonia quase ininterrupta do Partido Revolucionário Institucional, de centro-direita, o México deve manter a tradição. Hoje, o surpreendente Morena (Movimento de Renovação Nacional), de esquerda, lidera as pesquisas, mas o cenário tende a mudar quando a sigla mais tradicional definir seu candidato. 

BRASIL (outubro): Lula ainda lidera as pesquisas, mas não se sabe se poderá concorrer. Hoje, o segundo colocado é Jair Bolsonaro, conhecido por suas posições conservadoras. Forte nome no primeiro turno, Bolsonaro pode despontar em um eventual cenário sem o petista. O PSDB também deve crescer após escolher seu candidato. 

VENEZUELA (sem data): a ditadura venezuelana é aquela com menos possibilidade de mudança (pelas urnas) em curto prazo. Após impor uma Assembleia Constituinte com plenos poderes a despeito dos protestos, Nicolás Maduro sequer anunciou data para as eleições que devem ocorrer em 2018, e já ameaçou proibir a oposição de disputá-las.