De maneira geral, “discriminação” é uma palavra feia. Mas discriminação tem dois significados. A primeira e mais conhecida definição é o “tratamento diferenciado dado a uma pessoa ou a um grupo específico de pessoas, de uma forma que seja pior do que a forma como as pessoas são normalmente tratadas”. Essa discriminação é claramente inaceitável. O segundo significado, menos comumente usado, é a “capacidade de julgar a qualidade de algo, com base na sua diferença em relação a outras coisas semelhantes”.
No início deste mês, vários membros do Congresso norte-americano apresentaram um projeto de lei para permitir que indivíduos transgêneros sirvam no Exército do país. Ao apresentar o projeto de lei de sua coautoria, Kirsten Gillibrand, senadora de Nova York pelo Partido Democrata, disse que “a proibição do presidente Trump de transgêneros no serviço militar é discriminação. Isso prejudica a nossa prontidão militar, e é um insulto aos bravos e patrióticos transgêneros americanos que escolhem servir no exército”.
O que membros do Congresso, como os autores desse projeto de lei – e, de fato, a população norte-americana como um todo – muitas vezes parecem não entender é que discriminação – na acepção menos comum da palavra – é algo que acontece todos os dias em postos de recrutamento militar em todo o país.
E isso não é injusto, nem prejudicial. E, ao contrário do que diz Gillibrand, que aspira a ser a próxima presidente e, portanto, comandante-em-chefe, é necessário garantir a prontidão dos militares e também proteger indivíduos em risco.
Vejamos alguns exemplos. Você tem asma? Provavelmente não está qualificado para se juntar às Forças Armadas. Tem transtorno depressivo? Desculpe, mas não. Tem lesão no manguito rotador no ombro? Então a resposta é não. Volte quando estiver curado.
Existe uma diferença entre um indivíduo capaz de servir e aqueles para quem o serviço representa um risco – por não ser capaz de completar o serviço ou de não causar danos para si mesmo. Em sentido estrito, isso é discriminação.
Por lei, militares só podem aceitar “indivíduos qualificados, eficazes e fisicamente capacitados”. Isso significa que pessoas que demandam mais do que um atendimento ou tratamento médico de rotina não estão qualificadas para participar. Sem essa possibilidade legal de “discriminar”, colocaríamos os nossos militares em risco de não ser capazes de proteger a nação.
Associada a essa questão, temos a controvérsia do serviço militar prestado por indivíduos transgêneros. Qualquer um que queira servir o país merece o nosso reconhecimento, porque nem todos fariam isso. No entanto, um mero desejo de servir não equivale a estar qualificado para isso.
O que é frequentemente descrito como “proibição de transgêneros por Trump” é tudo, menos isso. Pouco divulgado é o fato de que a política que o Pentágono deseja pôr em prática – mas que até agora foi adiada por decisão judicial – é muito mais permissiva e baseada em evidência do que a política que vigorou por décadas, até junho de 2016, quando o secretário de Defesa do presidente Barack Obama, Ashton Carter, deu início abruptamente à nova política de inclusão total.
Antes disso, indivíduos que se identificassem como transgêneros eram automaticamente excluídos do Exército. Sob a nova política concebida para o governo Trump pelo então secretário de Defesa James Mattis, o Pentágono faz uma distinção entre indivíduos que se identificam como transgêneros e aqueles que se identificam como transgêneros e apresentam disforia de gênero.
É necessário abordar alguns aspectos técnicos. Um indivíduo transgênero é uma pessoa cuja identidade de gênero não corresponde ao sexo biológico. Indivíduos transexuais que sofrem disforia de gênero muitas vezes “apresentam muitas dificuldades e/ou problemas funcionais associados ao conflito entre o que pensam de si mesmos e como se sentem (o chamado gênero vivenciado ou expressado) e seu gênero físico ou atribuído”.
Ao contrário da política anterior, as novas regras permitem que indivíduos transgêneros, mas não com disforia de gênero, sirvam no Exército. Por que essa política proíbe pessoas que sofrem disforia de gênero de ingressar no serviço militar? A principal razão é que dados clínicos do Departamento de Defesa e de pesquisas feitas nos Estados Unidos confirmam que o índice de tentativas de suicídio entre indivíduos com disforia de gênero é entre oito e dez vezes maior que a média entre indivíduos que não sofrem desse distúrbio.
Indivíduos com disforia de gênero têm uma probabilidade oito a nove vezes maior de apresentar um quadro grave de ansiedade quando comparados a indivíduos sem o transtorno. Além disso, não há provas de que o tratamento médico, incluindo a cirurgia de mudança de gênero, possa remediar esses problemas.
O serviço militar é estressante em si mesmo. Os militares são enviados para áreas desconhecidas, solitárias, austeras e muitas vezes hostis. O estresse, a ansiedade e o suicídio já são problemas que já existem nas Forças Armadas. Com efeito, a taxa de suicídio entre militares na ativa vem aumentando lentamente nas últimas décadas.
Essa taxa já foi inferior à média nacional dos Estados Unidos. Em 2015, no entanto, a taxa foi de 20,2 por 100 mil membros na ativa, em comparação com a média do país de 13,3 por 100 mil habitantes.
Seria, portanto, imprudente e arriscado permitir que indivíduos que comprovadamente apresentam maior risco de suicídio e ansiedade ingressem no serviço militar e estejam sujeitos às crescentes tensões do dever militar – tanto para a prontidão em suas unidades como para sua segurança individual.
Ao levantarem objeções, os críticos perguntam por que transgêneros com disforia de gênero não poderiam ser autorizados a servir longe das linhas de frente, talvez num trabalho em escritório? Certamente, dizem eles, não seria tão estressante. Mas o serviço militar não funciona dessa maneira.
Em uma analogia emprestada do futebol, para que os militares sejam eficazes, cada jogador deve ser capaz de entrar em campo e jogar em sua posição. Se houvesse uma função sem estresse, seria razoável perguntar por que precisaríamos de alguém fardado para desempenhá-lo.
Outros ainda perguntam como uma fração tão pequena das Forças Armadas, constituída de transgêneros, poderia representar um risco para uma corporação com a força do Exército norte-americano. Essa pergunta ignora o fato de que os militares do país muitas vezes vão para a guerra em um esquadrão, um avião, um navio de cada vez. Muitas vezes, o desempenho de um único indivíduo pode significar a diferença entre o sucesso e o fracasso de uma missão.
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Por fim, aqueles que se opõem às restrições apontam exemplos de transgêneros que serviram com sucesso no exército, incluindo indivíduos que foram condecorados por bravura. Parabéns a esses indivíduos por servirem e servirem muito bem. Mas os militares têm de estabelecer critérios de entrada com base em ampla evidência, e não em exemplos isolados. As evidências indicam, sem sombra de dúvida, que os indivíduos que sofrem de disforia de gênero, se autorizados a se alistarem, apresentariam riscos inaceitáveis, tanto para uma potencial unidade militar como para si próprios.
Até o momento, a Justiça decidiu suplantar os critérios de alistamento militar do comandante da nação pelos seus próprios critérios. É lamentável. Seria ainda mais lamentável se uma decisão fosse tomada para permitir que indivíduos com disforia de gênero servissem no Exército, colocando em risco tanto a prontidão do Exército dos EUA, quanto a segurança desses patrióticos indivíduos.
Thomas W. Spoehr, tenente-geral aposentado do Exército norte-americano, é diretor do Centro de Defesa Nacional da The Heritage Foundation.
Tradução de Ana Peregrino.