Enquanto Barcelona enterra seus mortos, o ministro do interior da Polônia, Mariusz Blaszczak, corre para declarar: “Estamos lidando com um choque de civilizações. Nós não temos comunidades muçulmanas fechadas, que são uma base natural de suporte para terroristas islâmicos”. E essa é apenas mais uma de uma série de declarações polêmicas de autoridades polonesas, que relacionam toda a comunidade muçulmana a atos terroristas.
Depois do atentado durante um show em Manchester, em maio, a primeira-ministra Beata SzydÅo declarou: “Ouço sempre que não posso relacionar terrorismo com políticas de migração. Mas é impossível não conectar essas duas coisas ”. O ministro da Lei e Justiça, Jaroslaw Kaczynski, havia dito em 2015 que os imigrantes não são bem-vindos porque “trazem todos os tipos de parasitas e protozoários, que não fazem mal para os organismos deles mas podem ser perigosos aqui”.
À parte toda essa xenofobia, uma coisa é fato: no século 21, os poloneses não sofreram atentados terroristas. Enquanto isso, os espanhóis, os ingleses, os franceses, os alemães, os suecos, continuam vítimas de ataques. E isso apesar de aumentos constantes nas normas de segurança.
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A França, por exemplo, aprovou em 2014 uma legislação que permite prender preventivamente pessoas ligadas a grupos islâmicos radicais, mesmo que elas não tenho cometido crimes. Quem manifestar simpatia a grupos terroristas pode ter o passaporte cassado e o nome incluído numa lista de pessoas que as companhias aéreas são proibidas de permitir voar.
Já a Inglaterra mantém, desde 2005, um programa de cooperação entre diferentes serviços de segurança, com o objetivo de identificar possíveis terroristas e reforçar a segurança sobre os alvos mais prováveis. Neste momento, os ingleses investigam 3 mil pessoas. Apesar da decisão de deixar a União Europeia, o país continua colaborando com a Europol, a polícia europeia que tem, entre suas atribuições, a de combater grupos terroristas espalhados por diferentes países do continente.
Vitória parcial
O continente como um todo vinha conseguindo reduzir o número de ataques e aumentar o de prisões de possíveis terroristas – foram 226 incidentes em 2014, contra 142 em 2016, e 774 detenções em 2014, na comparação com 1002 dois anos depois. Mas, nos últimos dois anos, os números pioraram novamente, graças a uma descoberta dos terroristas: os veículos em movimento. Eles são praticamente impossíveis de rastrear e de conter antes que tenham feito um grande estrago.
Foi assim em Nice, em Berlim, no ano passado, e em Londres, Estocolmo e Barcelona, neste ano. Provocam dezenas de vítimas, e não centenas como os atentados a bomba, mas podem ser realizados por pessoas sem nenhum preparo maior a não ser saber dirigir. O FBI já vinha alertando para planos desse gênero em 2010.
Em geral, o Leste Europeu vem sendo bem menos atingido do que o Oeste. Em 2016, a Inglaterra, sozinha, respondeu por mais de metade dos ataques: 76. Foi seguida por França (23), Itália (17) e Espanha (10). Houve também ações bem sucedidas na Grécia, na Alemanha, na Bélgica e na Holanda. Acontece que nem todos esses ataques são de orientação religiosa muçulmana – ainda que o número de ações conduzidas por jihadistas venha crescendo
Itália, Grécia e Espanha, em especial, sofrem mais com ações de grupos separatistas do que com os muçulmanos. No continente como um todo, dos 142 incidentes do ano, 99 deles tiveram influência política, e não religiosa.
Nesse sentido, barrar imigrantes a pretexto de impedir a entrada de jihadistas tem como alvo apenas um tipo de terrorismo, que nem é o mais ativo no continente. Ainda assim, um fato persiste: a Polônia continua ilesa, assim como outros países da antiga União Soviética.
O que eles estão fazendo de diferente?
Duas explicações
Existem basicamente duas explicações para a região de manter imune. Uma delas é consensual, a outra é bem mais polêmica.
Em primeiro lugar, a Polônia não está na lista de nações que colocou seus exércitos para caçar o Estado Islâmico na Síria. Já a Rússia, por exemplo, sofreu atentados em clara retaliação aos ataques promovidos contra o governo do sírio Bashar al-Assad. Ainda que países neutros em relação ao problema sírio, como a Suécia, já tenham sido alvos de atentados, muitas das pessoas que realizaram atentados manifestaram publicamente o desejo de vingar a Síria.
A outra explicação, esta oferecida constantemente pelas autoridades dos países do Leste Europeu, é: países que não recebem imigrantes sofrem menos ataques. É o caso da Hungria e da Romênia.
“A homogeneidade étnica da Polônia é uma vantagem, porque pouquíssimos aspirantes a terroristas falam polonês e dificilmente circulariam pelo país sem chamar a atenção. Além disso, as forças de segurança locais estão fazendo um bom trabalho”, diz Michael Rubin, ex-oficial do Pentágono e atualmente especialista em terrorismo no American Enterprise Institute.
“Mas, infelizmente, é só uma questão de tempo até o país ser alvo de algum ataque”.
“A comunidade muçulmana na Polônia é muito pequena. É difícil de estimar, mas possivelmente responde por menos de 0,1% da população total e inclui chechenos que chegaram ao país nos anos 1990”, diz a psicóloga polonesa Sabina ToruÅczyk-Ruiz, professora e pesquisadora do Centro de Pesquisa sobre Migração, da Universidade de Varsóvia. “A xenofobia está crescendo, particularmente entre os jovens.
Disputa política
A postura da Polônia vem recebendo críticas duras desde 2016, quando o país voltou atrás no compromisso de receber uma cota de 6200 imigrantes. Aliás, não só ela: Hungria, República Checa, Romênia e Eslováquia rejeitam a proposta de distribuir o recebimento de 160 mil estrangeiros ao longo de todo o continente. A Inglaterra, por exemplo, se comprometeu a receber 20 mil sírios até 2020.
A Corte Europeia de Justiça recebeu em junho um pedido de punição legal contra estes países.
O primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orban, reagiu: “Não vamos ceder à chantagem de Bruxelas”. Seu país realizou um referendo a respeito da proposta de aceitar imigrantes e 95% dos cidadãos votaram contra.
As ações do governo polonês também têm eco na opinião de boa parte da população. Uma pesquisa de 2013, conduzida pelo Centro de Pesquisa do Preconceito, da Universidade de Varsóvia, indicou que 69% dos poloneses não querem pessoas não-brancas vivendo em seu país (a mesma pesquisa apontou que 24% das pessoas não aceitaria que seu filhos se casassem com um judeu). O setor de imigração do país rotineiramente recusa refugiados da Bielorrússia, da Chechênia, do Tajiquistão e da Geórgia.
“É difícil de confirmar e de negar que a imigração tenha relação com o terrorismo”, afirma Sabina ToruÅczyk-Ruiz. “O que pode ser dito é que, de acordo com os rankings da OECD, a Polônia é um dos países mais seguros do mundo”. De fato, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico divulga listas anuais dos países com menores índices de criminalidade do mundo, e a Polônia está em segundo lugar, atrás apenas do Japão.
Três ameaças
“Existem três tipos de comunidades dentro das quais o terrorismo vem emergindo ao longo do tempo”, explica Michael Rubin. “Imigrantes da Algéria e de Marrocos que se mudaram para a França nas últimas décadas e foram marginalizados por muito tempo. Por conta da linguagem e da proximidade, a Bélgica compartilha dessa ameaça”.
O segundo grupo, diz ele, é formado por radicais que deixaram a Síria e o Egito nos anos 1950 e 1960, e a Turquia nas décadas de 1980 e 1990, em direção à Alemanha.
O terceiro consiste na população muçulmana originária do sul da Ásia e que se moveu para a Inglaterra. Mas são grupos já estabelecidos há décadas, e não imigrantes recentes.
“Quando algumas pessoas de cada um desses grupos se radicalizou, elas caminharam para o terrorismo”, diz o especialista. “O desafio da Europa não é recusar imigrantes. É integrá-los socialmente e exigir que eles assimilem os valores liberais da terra para onde se mudaram.”