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Por que a violência no Brasil atinge justamente os mais pobres

Forças Armadas realizaram bloqueios nos acessos à comunidade do Complexo do Alemão, zona norte do Rio de Janeiro, em novembro do ano passado | WESLEY SANTOS - AEWESLEY SANTOS - AE
Forças Armadas realizaram bloqueios nos acessos à comunidade do Complexo do Alemão, zona norte do Rio de Janeiro, em novembro do ano passado (Foto: WESLEY SANTOS - AEWESLEY SANTOS - AE)

Nesta terça-feira (6), em menos de 13 horas, uma menina de três anos e um adolescente de 13 foram assassinados na zona norte no Rio de Janeiro. Emilly Sofia Neves foi baleada durante uma tentativa de assalto e Jeremias Moraes foi atingido no tórax por uma bala perdida enquanto jogava futebol. 

Casos como esses, infelizmente, se repetem com frequência no Rio de Janeiro há bastante tempo. Apenas no ano passado, segundo a ONG Rio de Paz, foram registradas 126 mortes violentas de crianças e adolescentes de até 17 anos na cidade e região metropolitana. O perfil predominante das vítimas, em 82% dos casos, é de pretos e pardos. 

Existe outro ponto em comum nesses casos, não mencionado no estudo, mas que é observado por pesquisadores da violência: mortes violentas ocorrem, em sua maioria, em bairros periféricos e de perfil mais pobre. E isso se aplica a todo o país, não somente ao Rio de Janeiro. 

É certo que, no Brasil, a violência atinge todas as classes sociais, raças, gêneros e idades, mas com base nas estatísticas disponíveis é possível afirmar que os mais prejudicados são aqueles inseridos em comunidades carentes. 

Alguns pensadores da esquerda, como a filosofa Márcia Tiburi, defendem que a criminalidade é um produto da desigualdade e do capitalismo e que “há toda uma história e uma tradição de exploração antes de um jovem negro praticar um assalto”. Entretanto intelectuais como Tiburi se esquecem que os que mais sofrem com tal violência são pessoas em busca de um meio de vida digno mesmo em diante da escassez material. Conheça os dados e saiba por que isso acontece. 

Homicídios 

O Atlas da Violência, publicado pelo IPEA e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública no ano passado, correlaciona a maior taxa de mortes violentas entre as cidades brasileiras com o baixo patamar de desenvolvimento. Altamira, no Pará, tem um IDH médio de 0,665 e em 2016 foi considerada a cidade mais violenta do país, com uma taxa de homicídio de 105 óbitos por 100 mil habitantes. Na outra ponta da tabela da violência estava Jaraguá do Sul, que possui IDH em patamar alto (0,803), e taxa de homicídio de 3,1 mortes por 100 mil habitantes. 

Dados mais recentes, compilados em 2017 pelo Fórum de Segurança Pública, mostram que Sergipe, Rio Grande do Norte, Alagoas, Pará e Amapá possuem, respectivamente, as mais altas taxas de mortes violentas. Tais estados possuem renda per capita familiar inferior a R$ 950,00 de acordo com o IBGE. 

“Quando falamos de homicídios podemos afirmar que todos os dados apontam para uma violência fatal sendo dirigida à população mais pobre, inclusive população jovem e negra. Existem vários indicadores sociais que corroboram essa mesma ideia e que são perceptíveis pelos parâmetros de local de ocorrência, seja pelo número elevado de ocorrências em cidades mais pobres do interior, ou em bairros de periferia dentro das grandes cidades”, diz Jacqueline Sinhoretto, associada do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e professora de Sociologia da Ufscar (Universidade Federal de São Carlos). 

Casos como o Emily e Jeremias exemplificam a vulnerabilidade das pessoas que moram em comunidades mais pobres, assim como o da enfermeira Ângela Cunha, morta ano passado com um tiro na cabeça ao ser abordada por criminosos quando voltava para casa depois de 12 horas de trabalho. 

O professor da UFMG e pesquisador do CRISP (Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública), Bráulio Figueiredo Alves da Silva, afirma que o perfil das vítimas dos crimes violentos aponta para pessoas de nível econômico menor, e explica que isso tem relação direta com o ambiente onde elas estão envolvidas. “As características ecológicas acabam explicando esse padrão de criminalidade. São locais que carecem de equipamentos públicos e políticas públicas de prevenção da violência e onde o estado historicamente nunca esteve presente, nunca pensou em adotar políticas de saneamento básico, de pavimentação, de organização de espaços, como por exemplo, um centro de convívio comunitário”. 

Violência policial 

Estudos realizados nas regiões metropolitanas de São Paulo e Rio de Janeiro mostram que o número de mortes ocasionadas por policiais em serviço também é maior nas regiões periféricas. Sinhoretto, que coordenou um desses estudos em São Paulo, afirma que mais da metade das ocorrências classificadas como “mortes em decorrência de ação policial” se concentraram em 14 bairros de perfil pobre da periferia da cidade. No Rio de Janeiro, segundo ela, foram encontrados resultados semelhantes. 

Violência contra a mulher 

Os dados de violência contra as mulheres também mostram que a grande maioria dos registros são feitos por negras e pardas de um estrato social mais baixo, conforme afirmou Sinhoretto. De acordo com o Atlas da Violência, houve um aumento de 22% nas mortes de mulheres negras entre 2005 e 2015, chegando a uma taxa de 5,2 óbitos por 100 mil habitantes - para mulheres não negras a estatística é de 3,1 mortes por 100 mil habitantes. 

Porém há uma ressalva quanto à subnotificação dos casos. Sinhoretto salienta que é muito difícil ter certeza que as mulheres de um estrato social mais baixo sofram mais com a violência, porque não são todas as pessoas que registram as agressões sofridas. 

Nossas convicções:

Crimes contra o patrimônio 

Os crimes contra o patrimônio possuem o mesmo problema de subnotificação, o que torna praticamente impossível traçar um perfil das vítimas. Na opinião do professor Silva, eles tendem a ocorrer com mais frequência em áreas mais abastadas, porém Sinhoretto lembra que, para a população mais pobre, roubos e furtos podem provocar um prejuízo muito mais significativo em relação à renda da vítima. 

Até mesmo aqueles que não foram assaltados sofrem no bolso as consequências da violência patrimonial. Um exemplo são os preços de seguro de carro. Uma reportagem publicada pelo jornal Extra em outubro de 2017, mostra que o seguro veicular pode ser 400% mais caro para um morador da Pavuna, na Zona Norte do Rio de Janeiro, do que para quem mora em Copacabana, na Zona Sul. O motivo da diferença: maior incidência de roubo de carros. 

“O incremento da criminalidade em certas regiões aumenta a probabilidade de sinistros nestas áreas e, portanto, tem impacto considerável no preço das apólices”, disse Rodolpho Gurgel, CEO da corretora de seguros Bidu, à publicação. Esta situação dificulta ainda mais a vida daqueles que economizaram e até mesmo se endividaram para conseguir comprar um veículo, ferramenta de trabalho para muitos cidadãos que batalham para ter uma vida digna sem precisar recorrer ao crime.

Nossas convicções:

Para a pesquisadora e socióloga Sinhoretto, os investimentos em segurança pública ocorrem de forma desigual nas cidades, o que explica a escalada de violência nas regiões mais pobres. “As políticas de prevenção à violência não chegam às áreas mais pobres, desde iluminação, transporte, espaços de lazer, sistemas de educação e saúde de qualidade. A própria distribuição territorial da polícia está muito mais concentrada em regiões da cidade onde existe mais riqueza e mais pressão política dos moradores para que seus próprios interesses sejam atendidos”, explica.

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