O voto parlamentar de sexta-feira (30) em Berlim para reconhecer o casamento de homossexual era uma vitória esperada há muito tempo pelos liberais alemães. Mas o voto foi uma surpresa para a mulher que emergiu como um dos ícones liberais mais populares do país: a chanceler Angela Merkel.
Ela recebeu mais de um milhão de refugiados, abandonou a energia nuclear por motivos de segurança e pediu que o presidente Donald Trump respeitasse os direitos humanos.
Na sexta-feira (30), porém, Merkel votou contra o casamento homossexual, apesar de ter preparado o reconhecimento da lei alguns dias antes.
A linha partidária contra a igualdade do casamento da União Partidária-Cristã, partido de Merkel, fez com que a lei tenha demorado para ser aprovada. Mas na segunda-feira, a chanceler alemã limpou o caminho para que a questão fosse aprovada no Parlamento ao permitir que os legisladores escolhessem de acordo com suas convicções pessoais depois de terem sido pressionados a votar pelo Partido Social Democrata. “Eu gostaria de encaminhar a discussão na direção disso ser uma questão de consciência ao invés de forçar um voto majoritário”, disse Merkel no começo dessa semana.
O que ela não disse é que iria se opor à lei. O voto de Merkel pode parecer uma surpresa para observadores internacionais que a consideram um ícone liberal com influência crescente ou até “líder do mundo livre”. Na Alemanha as pessoas não ficaram tão surpresas.
O voto dela, aparentemente inconsequente, sintetiza algumas das forças que a pressionam, disse Robert Beachy, autor do livro “Gay Berlin: Birthplace of a Modern Identity” (Berlim Gay: local de nascimento de uma identidade moderna, em tradução livre). Ela é, ao mesmo tempo, um expoente da visão liberal ocidental e líder de um país, e um partido, relacionado com valores mais conservadores.
“Me parece que Merkel está se sentindo cada vez mais exposta, porque ela certamente quer se alinhar com uma cultura e tradição progressista da União Europeia. Até porque ela já é, de certa forma, líder disso”, explica Beachy. “Isso deixa a ausência do casamento homossexual na Alemanha mais evidente”.
Filha de um pastor protestante, Merkel se alinhou com a direita do seu partido nessa questão. Em 2015, a chanceler disse: “para mim, pessoalmente, o casamento é quando uma mulher e um homem vivem juntos”. Ela repetiu esse comentário na sexta-feira. O que mudou desde então é que agora ela parece apoiar a adoção de crianças por casais do mesmo sexo.
Essa ambiguidade é um padrão comum em seus 12 anos como chanceler. Merkel raramente define seu papel de forma ideológica. Como chanceler, Merkel se virou contra seu partido e contra si mesma sempre que achou necessário mudar a direção da política.
Em outros assuntos, o partido e os apoiadores dela normalmente a seguiram. Mas o casamento homossexual se mostrou um desafio mais difícil para a chanceler, já que muitos membros do partido eram contrários à lei mesmo que a maioria da população a apoiasse.
Desde 2001, a Alemanha permite que casais homossexuais registrem relacionamentos estáveis, o que garante apenas alguns dos benefícios dados aos casados. Ao contrário de outras nações ocidentais, como a França e a Espanha, o casamento homossexual continuou um tabu para os cristãos conservadores.
Mas o tabu poderia ter sido desafiado mais tarde. Todos os partidos maiores com os quais a União Partidária-Cristã poderia formar coalizões depois das eleições gerais de setembro são a favor do casamento homossexual. De uma perspectiva estratégica, não havia como contorná-lo.
Mas, permitindo que a lei passasse antes das eleições, mesmo se opondo a ela, Merkel atrai a maioria dos eleitores e talvez tenha evitado a raiva da maioria do seu partido - seguindo um padrão de fazer o mínimo possível de inimigos. “Eu espero que o voto de hoje mostre não só que o respeito mútuo pode existir entre posições diferentes, mas que um pouco de paz social e união pode ser criado”, disse Merkel logo após a votação.
Ela provavelmente sabia que sua oposição pessoal era importante para o partido, mas que não faria uma diferença no resultado final - 393 parlamentares votaram a favor e 226 votaram contra a mudança do código civil do país.
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