Quando a escritora feminista Márcia Tiburi decidiu deixar o Brasil, escolheu dois países capitalistas para viver. Primeiro nos Estados Unidos, onde está atualmente, e, nos próximos meses, deve estabelecer-se na França, em Paris, onde o marido fará um pós-doutorado. Ela se reúne a um grupo nem tão seleto de críticos ao capitalismo, mas que, ao migrarem, optam justamente por regiões cujos ideais mais se assemelham aos supostamente reprovados por eles do que aos regimes políticos que defendem — como os suportados pelas populações de Cuba, Venezuela e Coreia do Norte.
O economista brasileiro Roberto Campos (1917-2001) dizia que “há uma esquizofrenia em nossos artistas e intelectuais de esquerda: admiram o socialismo de Fidel Castro, mas adoram também três coisas que só o capitalismo sabe dar - bons cachês em moeda forte, ausência de censura e consumismo burguês”.
Recentemente, o ex-deputado federal Jean Wyllys optou pela Espanha. Chico Buarque passa temporadas na França. No período da ditadura militar, Caetano Veloso escolheu a Inglaterra. Independentemente dos motivos para saírem do país, escolhem como destino sempre potências bastante próximas ao sistema de livre mercado, às quais costumam fazer oposição. E por quê?
No ranking de liberdade econômica, publicado com exclusividade pela Gazeta do Povo, Cuba, Venezuela e Coreia do Norte aparecem respectivamente nas três últimas posições entre 180 países. O estudo, elaborado pela Heritage Foundation, utiliza critérios como a independência do Judiciário, o respeito aos direitos de propriedade, a qualidade da legislação trabalhista e de sua moeda, a integridade governamental, a carga tributária e a situação das contas públicas de cada país. Trata-se de um levantamento relevante por haver uma forte correlação entre seus resultados e indicadores sociais de uma nação, especialmente no que tange ao Índice de Desenvolvimento Humano. De forma geral, o bem-estar dos cidadãos pode se dar conforme a pontuação.
E, se os regimes apoiados pelas quatro figuras da esquerda brasileira experimentam o caos econômico e social, os destinos escolhidos por elas estão na outra ponta do ranking. O Reino Unido está em 7º lugar, enquanto os Estados Unidos aparecem em 12º. Ambos são considerados países “majoritariamente livres”. Mesmo Espanha (57º) e França (71º) — nações apenas moderadamente livres — possuem menos hostilidade à geração de riqueza que o Brasil, atualmente responsável por ocupar tão somente a 150ª posição. Isto é, são países bem mais capitalistas do que aquele em que esses artistas buscam influenciar o debate público em direção a um maior intervencionismo.
É possível dizer que todos os rankings expõem um padrão: nos países que abraçam o livre mercado, há melhores condições de vida para os indivíduos que neles vivem.
No Índice de Desenvolvimento Humano, por exemplo, Estados Unidos (8º), Reino Unido (14º), França (22º) e Espanha (26º) se destacam em relação a Cuba (67º) e Venezuela (71º). De tão fechado, o regime de Kim Jong-un nem sequer é avaliado. São também países mais ricos aqueles em que, segundo o Doing Business do Banco Mundial, fazer negócios é mais fácil. Enquanto Estados Unidos (8º), Inglaterra (9º), Espanha (30º) e França (32º) estão na parte de cima da tabela, Venezuela figura em 188º lugar. Os outros dois países preferidos da esquerda brasileira não são avaliados.
Em relação às instituições democráticas, Cuba, Venezuela e Coreia do Norte são classificados como países “não livres” pelo Freedom House, com scores respectivos de 14, 19 e 3. Enquanto isso, nenhum dos lugares escolhidos para usufruto do “exílio” possui pontuação inferior a 85 pontos.
Caetano, Márcia, Wyllys e Buarque apreciam a liberdade de imprensa, uma vez que precisam dela para que possam dar suas opiniões — incluindo a defesa de regimes autoritários. É por essa razão que rumam a lugares em que, de acordo com os Repórteres Sem Fronteiras, a imprensa é livre: os quatro países escolhidos estão entre os 45 com maior liberdade de imprensa. Porém, essa possibilidade de expressão seria diferente se os governantes dessas regiões aplicassem os princípios socialistas endossados pelos intelectuais, como atestam Venezuela (143), Cuba (172) e Coreia do Norte (180), que se destacam negativamente no ranking que leva em consideração 180 nações.
Todos os quatro personagens da esquerda brasileira aqui apresentados são multimilionários. Logo, escolhem locais em que as instituições protegem seus patrimônios de confisco, conferindo-lhes segurança jurídica e previsibilidade. Os quatro países também possuem boas condições de proteção à propriedade privada. Já os três destinos preteridos nem possuem a pontuação necessária para serem analisados no ranking da Property Rights Alliance, que avalia o grau de proteção à propriedade privada dos países.
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Na obra “Por Que as Nações Fracassam”, Daron Acemoglu e James Robinson descrevem os fatores pelos quais alguns países prosperam enquanto outros parecem condenados ao subdesenvolvimento. A resposta, respaldada por ampla pesquisa empírica, está na qualidade de suas instituições e os incentivos que elas proporcionam aos indivíduos. Didaticamente, eles nomeiam de “instituições extrativas” as que extraem renda de uma parcela da sociedade em benefício de outra; já as “instituições inclusivas” são aquelas que, ao permitirem regras iguais de atividade econômica e civil, cria incentivos desejáveis ao empreendedorismo, ao investimento e à capacitação. Enquanto em um país extrativista o enriquecimento é possível por meio de contatos com o governo, nas inclusivas são premiados aqueles que inovam e atendam às demandas de consumidores.
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As ideias defendidas pelas figuras da esquerda brasileira, no entanto, resultam em instituições extrativistas das quais eles fogem ao migrarem. Ao irem para potências que abraçam o livre mercado, há uma confissão implícita de que esses países, que não seguem as ideias que os ícones da esquerda brasileira defendem, são melhores para se viver.