Inexperiência, inabilidade de diálogo com o legislativo e gênio forte. Essas características não demoraram muito para render a Jair Bolsonaro, nos corredores do Congresso, o apelido de “Dilmo”, em referência à ex-presidente da República Dilma Rousseff. Além desses fatores, porém, há semelhanças ideológicas perceptíveis entre a raiz do pensamento econômico de ambos os últimos presidentes eleitos do país.
Nesta segunda-feira (29), Bolsonaro pediu publicamente para o presidente do Banco do Brasil Rubem Novaes “olhar para seu patriotismo” e abaixar os juros da estatal. Embora o porta-voz da presidência, Otávio Rêgo Barros, tenha afirmado que o governo não intervirá na definição dos juros praticados pelos bancos estatais, o episódio fez as ações do banco, que operavam em alta, despencarem 1,8% na Bovespa. O episódio lembrou a medida de Dilma em 2012.
Naquela ocasião, a presidente fez um pronunciamento televisionado afirmando que “os bancos não podem continuar cobrando os mesmo juros para empresas e para o consumidor enquanto a taxa básica Selic cai, a economia se mantém estável, e a maioria esmagadora dos brasileiros honra com presteza e honestidade os seus compromissos”.
A taxa de juros da economia (taxa Selic) vinha em um ciclo de queda, sem haver justificativas para tal política, o que levantou suspeitas em relação a uma possível intervenção por parte do governo no Banco Central. Ficou evidente a utilização de bancos públicos pelo governo, corroendo sua credibilidade frente ao mercado, comprometendo ainda mais a atividade econômica daquele período.
Mesmo que o governo Bolsonaro — acertadamente — não tome nenhuma atitude nesse sentido, a forma de pensar do presidente e sua incompreensão de como se forma o sistema de preços, tal como a de Dilma, foram escancaradas. Sua equipe econômica, em contrapartida, parece protestar diante de pretensões como essa, e, ao menos por enquanto, bloqueá-las — ainda que em parte.
Quando o presidente ordenou, no início de abril, ao presidente da Petrobras Roberto Castello Branco que revogasse o reajuste do diesel, horas depois de a medida ser anunciada, as ações da empresa caíram mais de 9%. A queda representou uma perda de R$ 32,4 bilhões em seu valor de mercado — com o patamar anterior ainda não recuperado. O combustível acabou por sofrer reajuste após o episódio, mas com valores menores que os anunciados inicialmente, evidenciando a interferência da presidência da República.
Vale lembrar que, em outubro de 2017, preocupado com o preço dos combustíveis, Bolsonaro afirmou que antes de privatizar a Petrobrás, por exemplo, seria preciso “pensar 200 vezes” — mesmo em um cenário em que um dos motivos principais para os preços serem altos é, justamente, a ausência de concorrência no refino do petróleo, além de que o controle estatal permite que a empresa não se sujeite à lógica de mercado.
Apesar do discurso de não interferência nas estatais, procedeu-se, em substância — não em grau ou finalidade — da mesma forma que Dilma, que utilizou exaustivamente a Petrobras para represamento de preços a fim de maquiar a inflação. Vale ressaltar que, conforme admitido pela própria corporação em seu balanço, o prejuízo causado pela corrupção foi de R$ 6,4 bilhões de reais. Alguns peritos, todavia, calculam que os danos podem chegar a R$ 42 bilhões. De qualquer forma, o rombo motivado pelo controle de valores dos combustíveis foi calculado em R$ 55 bilhões até 2014. Assim, por pior que tenha sido a corrupção, o represamento de preços da estatal foi ainda mais destrutivo para a empresa de capital misto.
Comércio exterior e estatais
A despeito da alíquota alfandegária brasileira ser a maior entre os países emergentes e desenvolvidos, as restrições de Jair Bolsonaro ao comércio internacional livre são outro ponto que o aproximam de Dilma.
Em fevereiro, o anúncio pela equipe econômica de acabar com a “tarifa antidumping” do leite, que pretendia reduzir a barreira alfandegária de 42,8% para 28%, foi vetado pela presidência.
Ao longo de 7 mandatos como deputado federal, Jair Bolsonaro sempre tendeu à atuação do Estado como empresário, principalmente quando se tratando de exploração mineral. Caso emblemático foram suas críticas à privatização da Vale do Rio Doce, quando em entrevista afirmou que FHC deveria ser “fuzilado” pelo feito.
Quando seu nome começou a ser cogitado para a presidência, suas falas a respeito de maior participação estatal e de protecionismo na exploração do nióbio e do grafeno tornaram-se populares.
Previdência
Ao longo da carreira parlamentar, ele fez 67 discursos contrários a reformar a Previdência. Mesmo hoje, com uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) referente ao ajuste, elaborada pela equipe econômica e anunciada pelo próprio governo, admite que não gostaria de fazê-la. A falta de protagonismo em sua atuação em defesa da proposta foi alvo de muitas críticas.
Mesmo um dos maiores acertos do governo até então — a apresentação do projeto sobre independência do Banco Central — se opõe ao pensamento histórico do presidente. O ponto central do projeto é que, sem o risco de ingerência política, o Bacen terá mais credibilidade e isso garantirá a estabilidade na economia.
Contudo, no nem tão distante mês de fevereiro de 2016, o então deputado defendeu, em entrevista concedida ao Valor Econômico, sua oposição à autonomia do Banco Central:
“Daí eles decidem a taxa de juros de acordo com os interesses dos colegas do mercado financeiro? Então é melhor o pessoal do Banco Central governar o país como se uma junta fosse".
Bolsonaro argumentava que as pessoas no Bacen "não são independentes", assim como as das agências reguladoras: "São escolhas políticas". Um discurso muito semelhante ao de Dilma durante a campanha de 2014, quando criticou Marina Silva por defender autonomia do Banco Central. Na ocasião, a candidata petista disse que Marina estaria “entregando o Banco Central aos banqueiros” para eles definirem as taxas de juros.
Nacional-desenvolvimentismo
Apesar do atual viés liberalizante, Bolsonaro ainda flerta com seu passado intervencionista. O discurso pró-mercado adotado, mesmo com a chancela de Paulo Guedes, demonstrou em parte e, até agora, ser de conveniência eleitoral, não de convicções ideológicas. O maior espaço de seu coração sempre esteve o nacional-desenvolvimentismo.
O discurso que sedimentou a eleição e o início de governo de Jair Bolsonaro foi a representação negativa do petismo. Apresentou-se como um liberal economicamente e um conservador nos costumes porque a percepção do petismo se deu em um contexto de postura estatista economicamente e progressista nos costumes.
Essa autoimagem é contraditória, na medida em que suas intenções e ações colidem com o discurso liberal apregoado. Também é incoerente com a própria história de Bolsonaro, que defendeu o legado do nacional desenvolvimentismo da ditadura militar.
Como afirma a Teoria da Ferradura, ao contrário de serem extremos opostos de um espectro político linear e contínuo, Bolsonaro e Dilma acabam se aproximando.