Neste dia 3 de outubro, a Alemanha comemora 28 anos de reunificação do país. Os alemães celebram nesta data o fim da divisão entre a antiga República Democrática Alemã (DDR, na sigla em alemão) e a República Federal da Alemanha, em 1990. A queda do Muro de Berlim, em 1989, pavimentou o caminho para a reunificação do país.
Na festa oficial do feriado, que neste ano está sendo realizada em Berlim, políticos e líderes religiosos alertaram contra o crescente populismo e pediram por maior diálogo social, segundo a Deutsche Welle, emissora internacional da Alemanha.
Maior símbolo da divisão do país, o Muro de Berlim separou os lados Oriental e Ocidental da capital alemã por 28 anos, 2 meses e 26 dias. Embora a memória do muro ainda seja recente, o dia 5 de fevereiro deste ano foi um marco: já faz mais tempo que os berlinenses vivem sem a infame divisão do que passaram divididos.
Nesse momento em que o Muro é história, os estados que pertenciam à Alemanha Socialista estão crescendo mas continuam atrás dos outros economicamente. O relatório anual sobre a Unidade do País, divulgado pelo governo alemão em setembro, mostra que as condições de vida nos estados do Leste têm melhorado: “Desde a reunificação, a Alemanha Oriental e a Ocidental avançaram de forma constante e a aproximação das condições de vida fez grandes progressos”, afirma o relatório, que diz também que o desemprego nos estados do Leste está em baixa histórica.
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No entanto, a população da antiga Alemanha Oriental ainda paga o preço dos anos sob domínio das forças comunistas, já que é sub-representada nos negócios, nas universidades e na imprensa do país, segundo o jornalista alemão Marcel Fürstenau.
Talvez por causa disso, existem os alemães que sentem saudades da vida na DDR. O fenômeno é chamado de “Ostalgie”, uma mistura das palavras “Ost” (Leste) e nostalgia, e descreve o culto aos produtos e símbolos da época, e também o apego a aspectos da vida diária na Alemanha Oriental.
Os sentimentos de perda e deslocamento podem explicar a Ostalgie, afirma o autor alemão Martin Blum no artigo “Refazendo o passado da Alemanha Oriental”. “Todo um Estado, com as suas instituições, valores culturais e hierarquias individuais foi varrido, deixando os seus antigos cidadãos com a tarefa formidável de se localizar em uma sociedade não familiar, com seus próprios valores, regras e hierarquias”.
Para o autor, são poucos os que desejariam um retorno ao sistema político stalinista da DDR. A maioria das pessoas parece sentir falta de um sentido de legitimidade do seu passado, com seus próprios símbolos e rituais.
Em artigo no New York Times, o escritor Steven Zeitchik diz que parte da Ostalgie é irônica. “É a necessidade da nova geração de encontrar valor no que os seus pais desprezavam”, opinou. E essa volta ao passado é um bom negócio. Existe um grande mercado para itens relacionados à nostalgia do socialismo na Alemanha, como camisetas, livros, souvenirs, programas de televisão, filmes e passeios turísticos.
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Um jovem que nasceu depois da reunificação que queira formar uma opinião sobre o esse período da história alemã tem basicamente duas fontes de narrativas, segundo Markus Giesler, professor de Marketing da York University, no Canadá: “de um lado, o socialismo nostálgico do mercado transforma a DDR em um mundo de fantasia inocente onde pessoas jovens não deixavam o totalitarismo impedir que as pessoas se divertissem. De outro lado, os livros de escola descrevem a DDR como um ‘Estado sem leis’ que espiava os seus cidadãos e aprisionava os seus críticos”.
A Stasi, organização de polícia secreta e inteligência da DDR, vigiava a população com uma rede de espiões e cidadãos que se tornavam informantes. Considerada um dos serviços secretos mais eficientes da história, a Stasi mantinha amplos registros da vida pública e privada na Alemanha Oriental. Mas nem um estado como esse está livre de reinterpretações da história. Como resume o jornalista e autor alemão Christoph Dieckmann em artigo para o semanário alemão Die Zeit:
“Nenhum Estado passado é melhor documentado do que a DDR. Apesar disso, ele muda constantemente já que nós, que somos a sua memória, não podemos permanecer como éramos. Cada ato de lembrança é um ato do dia de hoje, mas o que decidimos hoje não permanecerá verdade para sempre. Amanhã nós vamos lembrar de maneira diferente. O passado é cheio de possibilidades.”
Romantizando o passado
Essa relação com o passado histórico e as saudades de um tempo em que “havia problemas, mas a vida era boa” se repetem em outros lugares, incluindo o Brasil. É possível encontrar o discurso nostálgico à esquerda e à direita. No Chile, muitos defendem o regime de Pinochet, por ter “modernizado” a economia do país (a despeito dos milhares de opositores mortos pela ditadura); no Brasil, muitos exaltam o período da ditadura militar, pelo crescimento econômico e a construção de grandes obras (que mais tarde resultariam na megainflação e na enorme dívida externa); e, em Cuba, quem glorifica os avanços sociais e de saúde ocorridos desde a Revolução silencia sobre as violações e censuras cometidas pelo regime de Fidel Castro.
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É comum que as pessoas que fazem essa exaltação minimizem a perda de liberdades e violência institucionalizada que acompanharam esses períodos.
Na época da ditadura militar brasileira, o país viu o chamado "milagre econômico". Por isso, o pesquisador Hugo Studart, professor de História da Ditadura Militar e da Luta Armada na Universidade de Brasília, acredita que o saudosismo brasileiro acontece por questões econômicas. “O Brasil saiu da 47ª ou da 48ª posição na economia mundial, deu um salto e virou a 7ª economia do planeta”, diz Studart, que ressalta que ao mesmo tempo havia restrição de liberdades para quem fazia oposição.
Studart acredita que a nostalgia esteja muito relacionada à combinação de desordem e crise econômica. “As pessoas têm saudades, em um país com 14 milhões de desempregados e com 60 mil mortos por ano, porque era um período de pleno emprego”, afirma o professor. “Teve o milagre econômico, mas teve o preço: o amordaçamento do movimento sindical e dos estudantes, repressão violenta. Mas também houve eleições livres; em 1974, dois terços do congresso foi de oposição”, diz Studart.
Montagem de ideias
Para a psicologia, a nostalgia pertence à natureza humana. Todos gostam de revisitar o passado e certo distanciamento temporal pode distorcê-lo e torná-lo mais belo do que realmente foi.
Segundo Nei Ricardo de Souza, psicólogo e professor do curso de Psicologia da Universidade Positivo (UP), a idealização está ligada também a uma crença de satisfação, ou seja, se existe a nostalgia é porque acredita-se que uma época remota trouxe mais satisfação do que a época presente.
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“É como se vivêssemos novamente uma satisfação do passado, só que no seu aspecto mais imaginário. Não que ela tenha existido de fato, mas deixou uma impressão que existiu. A psique humana tem uma propriedade de preencher lacunas, de completar vazios de memória com conteúdos que nem sempre são os mais reais, mas que se integram com outras ideias já presentes e transmitem a impressão de uma visão coerente da realidade. Nem sempre se trata de algo verdadeiro, mas de uma “montagem” de ideias que é necessária para o indivíduo”, explicou o psicólogo em entrevista para a Gazeta do Povo.
A percepção dos indivíduos pode ser, de fato, a de que em outras épocas a situação era melhor ou, dito de outra forma, havia um nível maior de satisfação das necessidades. O problema é que a idealização de um fator ofusca todo um contexto: é a imaginação construindo uma visão da realidade.
A cultura popular já retratou esse sentimento. Uma personagem da série de quadrinhos “Watchmen”, escrita por Alan Moore, sintetiza a idealização do passado enquanto envelhecemos:
“Eu tenho 67 anos de idade. A cada dia, o futuro parece um pouquinho mais sombrio. Mas o passado, mesmo as suas partes sujas, continua ficando mais brilhante”.
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