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Neste domingo, nos momentos finais da transmissão da partida que decidiu a Copa do Mundo, entre França e Croácia, o ex-jogador e comentarista da Rede Globo Walter Casagrande fez um desabafo emocionante.
Ele disse que o Mundial da Rússia foi o mais importante da sua vida. “Eu saí do Brasil com um objetivo e cumpri. Que era ir e ficar sóbrio durante toda a Copa. E eu consegui”, afirmou.
Galvão Bueno não conseguiu evitar se emocionar também e, com a voz já embargada, disse ao colega: “não começa a chorar que eu choro também”. Desde os anos 1980, quando ainda jogava no Corinthians, Casagrande trava uma luta contra a dependência química. Passou por momentos sombrios e de imensa dificuldade, como relatou no livro “Casagrande e Seus Demônios”.
Nossas convicções: Ética e a vocação para a excelência
O vício em cocaína e heroína lhe rendeu overdoses (no plural mesmo), internações e até uma prisão em flagrante, além de diversos momentos humilhantes. Seu casamento foi destruído. Mas, ao assumir o problema e procurar tratamento, Casagrande começou a dar a volta por cima, até chegar no momento catártico deste domingo.
Batalha contra a natureza
Em seu livro, Casagrande alerta que o vício pode acometer qualquer um. Isso acontece porque o ser humano foi desenhado para o vício: drogas, jogatina, comida, internet. Nosso cérebro possui uma área desenhada para o prazer, chamado sistema de recompensa cerebral. Durante a evolução humana, aprendemos a buscar prazer em variadas substâncias, seja uma taça de vinho, um hambúrguer bem gorduroso ou mesmo pensamentos agradáveis.
Quando o cérebro recebe tais estímulos, libera um neurotransmissor chamado dopamina. Ele é o responsável pela sensação de bem-estar e também o gatilho do vício. Ao consumir drogas, grandes descargas de dopamina são liberadas no sistema de recompensa cerebral. Para satisfazer essa região, as doses subsequentes precisam ser cada vez maiores, aumentando o risco de overdoses. É como se o cérebro, a cada novo consumo, exigisse quantidades maiores de dopamina para obter o mesmo prazer.
Nossas convicções: A finalidade da sociedade e o bem comum
Cada indivíduo possui “chaves” no cérebro que determinam a suscetibilidade às drogas. Quando todas essas chaves se encaixam nos receptores cerebrais, fica maior a chance de sucumbir ao vício. E todas as drogas, até cigarros comuns, possuem uma capacidade absurda de virar as chaves certas no cérebro.
O modo como a região do cérebro responsável pelo prazer foi descoberta ilustra bem o poder das drogas no cérebro e nossa fragilidade diante delas.
Em 1953, cientistas canadenses colocaram eletrodos no cérebro de ratos de laboratório. Colocaram um deles numa caixa em que os quatro cantos tinham letras diferentes: A, B, C e D. Para treinar a cobaia, toda vez que ele se dirigia ao lado A, os cientistas davam um choque no cérebro. O ratinho continuou indo ao lado A e mesmo no dia seguinte, quando não recebia mais choques, se mostrou mais interessado no A.
Peter Miner e James Olds, os cientistas responsáveis pelo experimento, acharam que haviam encontrado a região do cérebro responsável pela curiosidade. Ao perceberem que o rato continuava voltando ao lado A para ser constantemente estimulado, começaram a desconfiar. Passaram a administrar o choque no cérebro quando ele se dirigia ao lado B. Em apenas cinco minutos ele passou a preferir o B.
Mudaram o experimento para entregar ao rato três estímulos diferentes: ele podia apertar uma alavanca com a pata para receber comida, outra para água e mais uma para ter o cérebro estimulado com o choque. Mesmo com fome ou sedento, o rato não parava de apertar o botão da estimulação cerebral — até impressionantes sete mil vezes por hora. Foi então que descobriram o que se passava: haviam descoberto o circuito de recompensa cerebral.
Nossas convicções: Os responsáveis pelo bem comum
O cérebro muitas vezes toma decisões erradas. Mas humanos não são ratos. Vários fatores ajudam a escapar do vício. Há diversas pesquisas médicas que apontam saídas, muitas vezes usando o mesmo mecanismo de recompensa que ajuda a viciar.
Por isso a história de Casagrande é tão poderosa. Ele caiu, se recuperou, caiu e levantou novamente. Como ele mesmo admite em seu livro, “é uma história sem fim e nada garante que ganhará novamente caso volte a ter uma recaída. Até mesmo porque os campeões envelhecem e a tentação é eterna.” Neste domingo, no entanto, Casagrande ganhou uma Copa do Mundo pessoal, fruto de muita luta. Uma luta que diz respeito a todos.