O presidente Trump pode compartilhar legalmente materiais sigilosos com qualquer líder estrangeiro que desejar, como parece ter feito recentemente em uma reunião no Salão Oval com o ministro do exterior da Rússia e seu embaixador nos Estados Unidos.
Mas a informação que Trump supostamente compartilhou com os russos foi originalmente passada para servidores dos Estados Unidos pelo serviço de inteligência de outro país (Israel, de acordo com relatos na imprensa), que não concordou de antemão com a divulgação do material.
Sendo um ex-servidor da Agência Central de Inteligência (CIA, na sigla em inglês), temo que compartilhar informações sem coordenação com nossos aliados quase certamente prejudicará a segurança de nosso país a longo prazo.
Sei como a inteligência americana avalia se podemos confiar em parceiros em outros países. Se outro chefe de estado entregasse tão causalmente informações sensíveis que nós fornecemos, isso prejudicaria muito nossas relações. Isso nos levaria a reavaliar como e o que passamos, e quase certamente resultaria em compartilharmos menos.
Ao longo dos anos, os Estados Unidos desenvolveram relações próximas com serviços de inteligência estrangeiros com os quais compartilhamos interesses e objetivos comuns.
Desde o atentado de 11 de setembro, muitas dessas relações se tornaram muito próximas. Esses laços são particularmente úteis quando se trata de compartilhar inteligência sobre planos e intenções de terroristas – tudo desde planos específicos até questões de longo prazo como locais de treinamento de terroristas e como fornecer melhor segurança para eventos internacionais de grande perfil.
Segurança é o elemento crucial nessas relações. Antes de um serviço de inteligência passar sua informação para outro, seus servidores precisam ter uma expectativa razoável de que a informação que fornecerem será protegida. Parte do trabalho de proteger a informação é assegurar que o outro país não vai passar a inteligência para um terceiro sem permissão específica para isso. É assim que as coisas sempre foram feitas entre serviços de inteligência e por boas razões: pode levar anos para se atingir, com um serviço de inteligência estrangeiro, ao nível de confiança em que informação é compartilhada de maneira rotineira. O histórico importa.
Escolhas difíceis e moralmente ambíguas
Há momentos em que os Estados Unidos decidem contra passar inteligência a governos estrangeiros, mesmo quando isso poderia ser útil. Parte do trabalho de servidores profissionais de inteligência é avaliar o risco comparado aos ganhos quando estiverem considerando passar informações sensíveis. Há questões importantes que precisam ser feitas: houve alguma mudança recente no governo do país que está pedindo a inteligência? O que sabemos sobre a nova liderança? Com quais países o novo líder tem relações, e são eles aliados ou inimigos dos Estados Unidos? Qual a probabilidade de que a inteligência que os Estados Unidos passarem acabe nas mãos de nossos adversários? E, claro, o que acontecerá se não passarmos nenhuma inteligência? Isso poderia significar que um ataque terrorista que poderia ser frustrado terá sucesso?
Há momentos em que a inteligência americana tem de prender seu nariz coletivamente e passar informações sensíveis para um governo estrangeiro quando realmente não quer – mas quando se trata de um relatório sobre uma ameaça terrorista, nós frequentemente fazemos isso, na esperança de que vidas sejam salvas. (Supostamente, a inteligência que Trump compartilhou com seus visitantes russos envolvia planos do Estado Islâmico de esconder bombas em laptops em voos com destino nos Estados Unidos.)
A história não termina no momento em que passamos a informação para outro governo. A inteligência americana acompanha cuidadosamente para ver o que acontece.
A informação que nós passamos vazou? Acabou em outras mãos, hostis? Foi usada politicamente, para ganhar pontos de popularidade internamente? E resultou em alguma ação que não era consistente com valores americanos? Um vilarejo inteiro foi arrasado porque um suspeito de terrorismo estava lá? A família de um conhecido terrorista foi torturada e morta? Crianças e inocentes foram feridos por consequência de termos passado a informação? Servidores americanos levam essas questões a sério. Frequentemente, escolhas difíceis e moralmente ambíguas precisam ser feitas.
Não dá para confiar nos russos
Nesse caso, o fato de que o presidente compartilhou a informação com a Rússia apenas piora as coisas. Todos os nossos aliados entendem que, na grande maioria das situações, o governo russo não é um bom parceiro quando se trata de compartilhar inteligência – mesmo, infelizmente, quando se trata de questões em que os dois lados concordam, como terrorismo.
Agentes russos são frequentemente responsáveis por muitos atos para os quais a inteligência americana está atenta quando avaliamos potenciais parceiros para compartilhar informações. Como vimos durante o conflito na Chechênia — que Moscou sempre descreveu como terrorismo — a Rússia não compartilha as preocupações que os Estados Unidos têm a respeito de danos colaterais ou da morte não intencional de inocentes.
E os russos raramente compartilham inteligência útil conosco.
Pode ter certeza de que seja lá qual serviço de inteligência nos passou a informação que o presidente subsequentemente compartilhou os russos está fazendo precisamente a mesma análise que nós faríamos. E a está fazendo pelas mesmas razões. Eles querem saber como o governo dos Estados Unidos, com seu novo presidente, vai tratar informações sensíveis no futuro. Querem ver se a inteligência que forneceram é compartilhada de maneira não coordenada com outro país, quebrando a regra a respeito de terceiros.
Se isso acontecer, eles vão querer saber por que: Trump não entendeu, ou não foi informado, de que a inteligência não era de uma agência de espionagem americana e, portanto, não deveria ser compartilhada sem o aval do país de origem? Ele não se importou? Ele pensou que poderia compartilhá-la sem que isso jamais fosse descoberto?
Ceticismo
Não há respostas para essas ou outras questões similares que satisfariam qualquer aliado que tenha passado a informação. Certamente, não há respostas que satisfariam os Estados Unidos se a situação fosse inversa. As opções se resumem a duas variações: ou o presidente sabia e passou a inteligência mesmo assim, ou então ele não sabia e, portanto, não entendeu seu erro. De qualquer forma, pode ter certeza de que o serviço de inteligência estrangeiro em questão vai ser mais cuidadoso da próxima vez. Ou eles vão reduzir a informação ou simplesmente não passá-la.
Não importa se você culpa Trump ou uma imprensa agressiva que está de olho em cada falha na Casa Branca, ou se você adota alguma marginal teoria da conspiração segundo a qual agentes do “estado profundo” no mundo da inteligência estão vazando isso para prejudicar o governo.
Não importa por que isso está sendo revelado, tudo está sendo acompanhado por todos os nossos parceiros de inteligência estrangeiros e seus governos, em todo o mundo — só veja a maneira como a agência de interceptação britânica GCHQ ridicularizou a ideia de que o presidente Barack Obama os tinha convencido a grampear o então candidato Trump.
Governos estrangeiros estão se fazendo o mesmo conjunto de perguntas, que se resumem a isso: podemos confiar inteligência sensível aos Estados Unidos? Neste momento, eles devem estar profundamente céticos. E isso significa que os Estados Unidos receberão menos inteligência de nossos aliados estrangeiros, o que por sua vez significa que os Estados Unidos estão menos seguros. Se formos tornar a América mais segura novamente, Trump precisa ser mais cuidadoso.
* Hall se aposentou da CIA em 2015 com 30 anos de serviço e administrava operações envolvendo a Rússia
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