Nesta semana, o espólio do escritor norte-americano Dr. Seuss anunciou que vai deixar de vender e distribuir seis livros clássicos do grande autor infantil. Os livros, comunicou a empresa que cuida dos direitos autorais, violam seu compromisso com “mensagens de esperança, inspiração, inclusão e amizade”. Os livros retratariam pessoas “de uma forma prejudicial e errada”.
A sociedade há muito defende que atividades prejudiciais aos outros devem ser interrompidas. John Stuart Mill propôs o chamado “princípio do dano”, isto é, a crença de que uma atividade que prejudica alguém deve ser condenada e até banida, em meados do século XIX. Mas Mill se recusava a confundir dano e ofensa. Ser ofendido não é motivo para penalizar os outros.
Em termos gerais, a sociedade concordou com essa ideia. Mas, nos últimos anos, essa ideia foi totalmente virada de cabeça para baixo. Hoje a ofensa não é apenas considerada algo prejudicial como também é considera o principal problema da nossa sociedade.
Como escreve Carl Trueman em “The Rise and Triumph of the Modern Self” [Ascensão e triunfo do eu contemporâneo], “a era do homem psicológico, portanto, exige mudanças culturais e nas instituições, práticas e crenças que ofendem a todos. Tudo precisa se adaptar para expressar uma mentalidade terapêutica voltada para o bem-estar psicológico do indivíduo”.
Quando a autocriação individual se transforma no principal objetivo da sociedade, as instituições precisam ser destruídas — instituições, afinal, estabelecem regras que não levam à autocriação individual.
O fluxo de informações deve ser condenado — afinal, a informação talvez permita que os outros tenham uma opinião objetiva sobre você, diferente daquela que você subjetivamente tem de si mesmo. Os livros devem ser queimados — afinal, livros trazem consigo mensagens implícitas que podem ameaçar a noção que você tem de si.
A iconoclastia vira regra.
A forma como a sociedade substitui o dano real e mensurável pelo dano subjetivo, psicológico nos põe no caminho da destruição total da nossa cultura e direitos.
Hoje todos que ofendem — ou que digam algo potencialmente ofensivo — podem e até devem ser demitidos. Hoje qualquer livro — por mais antigo e inofensivo que seja — pode e deve ser banido. Hoje qualquer informação — por mais verdadeira que seja — pode ser calada.
Essa ideia deposita toda o poder nas mãos dos que se ofendem facilmente — ou dos que dizem se ofender assim. A ofensa em si é uma arma. Contravenções jurídicas requerem danos; contravenções sociais requerem apenas que o dano seja declarado, sem qualquer prova.
Ninguém é capaz de explicar como um desenho contido em “If I Ran the Zoo” [Se eu cuidasse do zoológico] contribuiu para o racismo real. Não há nenhum caso de um único supremacista branco citando “And to Think That I Saw It on Mulberry Street” [e pensar que vi isso na rua Mulberry] como fonte de informação para sua visão de mundo racista.
Mas qualquer acadêmico munido de um computador e um diploma em bobagem pós-moderna é capaz de tirar esses livros de circulação dizendo que a ofensa é possível.
Por fim, a única literatura permitida será a literatura que trata dos valores do mundo pós-moderno — um mundo que não exige que sigamos as regras sociais, mas que exige que a sociedade se adeque aos nossos atos de autodefinição.
Isso significa que seu filho pode ler “I Am Jazz” [Eu sou Jazz, livro sobre uma criança trans], mas jamais — nunca, por Gaia! — a Bíblia. Isso significa dar adeus a ícones culturais, grandes e pequenos — adeus a todos os vestígios do passado, cheio de sistemas de valores “preconceituosos”.
Isso significa que os expurgos apenas começaram.
Ben Shapiro é apresentador do "The Ben Shapiro Show" e editor-chefe do DailyWire.com.