A pandemia de Covid-19 e os lockdowns que se seguiram estão tornando a vida bastante difícil para muitas pessoas, e alguns dos mais atingidos são os pobres e marginalizados. Há imigrantes que foram demitidos de seus empregos e mães solteiras que não podem ter acesso a creches. Existem idosos que não conseguem o apoio de que precisam e pessoas com doenças mentais que lutam contra a falta de rotina.
Um dos maiores desafios para as pessoas marginalizadas é que, muitas vezes, elas são invisíveis para a sociedade em geral. Questões como pobreza, vício, doença mental e violência doméstica não costumam ser notícia, então é fácil esquecer que essas dificuldades são uma realidade sempre presente para milhões de pessoas.
Uma perspectiva paroquial
Os defensores do lockdown tendem a ser especialmente alheios a essas dificuldades, e sua preocupação com o número de casos e mortes da Covid-19 os fez ignorar as preocupações dessas pessoas. Alguns até castigaram os que se diziam contrários aos lockdowns por expressarem suas preocupações, ignorando-os com a réplica insensível: "nem tudo diz respeito a você."
Outra forma que as pessoas usaram para banalizar essas dificuldades foi a expressão "apenas fique em casa". Para muitos, esse slogan pode parecer inócuo. Mas, para os que vivem à margem, essa palavra “apenas” corta como uma faca. O fato é que, por uma infinidade de razões, muitos simplesmente não podem se dar ao luxo de ficar em casa, e falar como se pudessem apenas enfatiza quão estreita é nossa visão do assunto.
Em muitos casos, a miopia exibida pelos proponentes mais exaltados do lockdown provavelmente decorre do fato de que eles próprios não foram afetados tanto quanto aqueles que são desfavorecidos. Os políticos gostam de dizer "estamos todos juntos nisso", mas, na realidade, não há muito "nós" nisso. Em vez disso, há dois tipos de restrições totalmente diferentes acontecendo.
O primeiro tipo de lockdown é aquele experimentado pela "elite”. Mais parecido com uma inconveniência romantizada, esse tipo de restrição é caracterizada pelo trabalho remoto, reuniões por Zoom e pedidos pelo Uber Eats.
O segundo tipo de restrição é aquela experimentada pela classe baixa. Para muitos, significa estar desempregado ou subempregado e, potencialmente, correr um risco maior de infecção. Essas restrições também estão levando a taxas mais altas de suicídio e prejudicando toda uma geração de crianças cujo bem-estar psicológico depende de ricas interações sociais.
Mas mesmo isso é apenas a ponta do iceberg. Overdoses também aumentaram devido ao isolamento forçado, bem como as taxas de violência doméstica. O drástico aumento do desemprego também levou a um aumento repentino no número de norte-americanos que não podem comprar comida. E, acima de tudo isso, os idosos em particular enfrentaram sofrimentos inimagináveis.
Ao contrastar essas duas experiências, o privilégio dos defensores do lockdown torna-se aparente. A "elite do lockdown" está protegida das provações dos marginalizados, então não é surpresa que eles minimizem a gravidade dos problemas ou neguem que eles existam.
Chegando a um acordo com nossa ignorância
A consequência natural dessa circunstância é tão óbvia quanto desconfortável. Precisamos “examinar nosso privilégio”. Ora, com certeza, essa frase foi muito usada, mas essência dela é que estar protegido da adversidade pode nos tornar alheios aos impactos das políticas que endossamos. Portanto, “examinar nosso privilégio”, neste caso, é reconhecer humildemente os limites de nosso conhecimento.
Precisamos ser particularmente cautelosos para não pensarmos com arrogância que podemos impor uma abordagem abrangente e única que será benéfica no todo. Além de ser paternalista, o problema dessa mentalidade é que ela desconsidera a diversidade de experiências, as necessidades e os riscos individuais que as pessoas enfrentam.
Um bom exemplo dessa mentalidade pode ser visto no discurso dominante, que gira em torno de questões como "o que as escolas devem fazer" ou "o que as igrejas devem fazer". Para muitos de nós, pode ser tentador escolher lados nesses tópicos. Mas, em vez de entrar nesses debates, acho melhor insistir que essas são as perguntas erradas.
As decisões sobre como gerenciar riscos não devem ser de cima para baixo nem universais. Elas precisam ser tomadas de forma independente por cada instituição local.
Claro, é reconfortante imaginar que o governo está cuidando de nós e que seus especialistas tomarão boas decisões, mas é importante que resistamos ao fascínio do planejamento central.
Burocratas, cientistas e jornalistas fingirão ter as respostas, mas a verdade é que eles não têm. Além do mais, podemos causar muitos danos quando impomos nossas "soluções" a pessoas cujos contextos não entendemos.
À luz disso, “examinar nosso privilégio” significa rejeitar as soluções de cima para baixo que derivam de nossa ignorância e arrogância. Em vez de supor que sabemos o que é melhor para os outros, precisamos adotar uma abordagem multifacetada e localizada, que capacite os indivíduos a fazerem suas próprias escolhas.
Vendo o invisível
Invariavelmente, muitos objetarão que acabar com as restrições em nome da oportunidade econômica é um tanto imprudente, mas essa objeção ignora o panorama geral. Acabar com o lockdown não significa ignorar os riscos reais que enfrentamos. Em vez disso, trata-se de assumir a responsabilidade por nosso próprio bem-estar e permitir que outros assumam a responsabilidade pelo bem-estar deles. Trata-se ainda de reconhecer que o sustento das pessoas está longe ser "não essencial" e que nosso privilégio muitas vezes nos cega para as repercussões de nossas ações.
Porque aqui está o que você precisa entender sobre as pessoas marginalizadas lamentando os lockdowns. Eles não são gananciosos. Eles estão desesperados. E você também estaria se estivesse no lugar deles.
Patrick Carroll é membro da Foundation for Economic Education.