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Por quê, na era do conhecimento, tanta gente ainda acredita em Terra Plana e nega a eficácia das vacinas?

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“Todo mundo tem direito às suas próprias opiniões, mas não a seus próprios fatos”. A frase, do político e intelectual americano Daniel Patrick Moynihan (1927-2003), foi apresentada ao público numa edição da revista Newsweek de agosto de 1986. Em circulação há pouco mais de 31 anos, a máxima de Moynihan é desafiada, todos os dias, por milhares de usuários da internet. Embora o ambiente online seja especialmente propício a esse tipo de desafio, o fenômeno não é novo.

“A tendência das pessoas é acreditar no que querem acreditar”, já escrevia, em 1991, o psicólogo Thomas Gilovich em seu livro seminal sobre a fragilidade da razão humana, “How We Know What Isn’t So” (“Como Sabemos O Que Não É Assim”, em tradução literal). E, explica ele, as coisas em que as pessoas mais querem acreditar são alegações lisonjeiras sobre si mesmas – nas palavras do autor, a relativização da verdade em nome do amor-próprio constitui “uma das descobertas mais bem documentadas da psicologia” – e afirmações que reforçam suas visões de mundo. 

Assim, se uma pessoa vê a si mesma como rebelde, mais inteligente que a plebe iludida e encara o mundo como um lugar onde as autoridades constituídas – sejam elas políticas ou científicas – mentem e agem movidas por motivos escusos, ela talvez esteja predisposta a ouvir com simpatia teorias como, por exemplo, a de que as vacinas causam autismo e de que a Terra é plana

“Cognições e motivações conspiram para permitir que nossas preferências influenciem aquilo em que acreditamos”, resume Gilovich. E essa influência opera em diversos níveis, afetando, por exemplo, o modo como coletamos, validamos, escolhemos, organizamos e interpretamos a evidência ao nosso redor, incluindo aí “quais as opiniões que consultamos”. 

Pós-Verdade 

Hoje em dia, as redes sociais potencializam isso: pessoas predispostas a acatar uma crença qualquer não têm de procurar muito para encontrar, online, toda a evidência de que necessitam para se sentirem autorizadas a defendê-la. E essa evidência muitas vezes já vem pré-selecionada, interpretada (ou distorcida) com todas as ênfases necessárias, e apresentada num formato agradável, por fontes que se apresentam como confiáveis. 

Essa parceria entre tecnologia e vontade de acreditar no que satisfaz a vaidade e confirma preconcepções pode gerar efeitos inesperados. Fundada em 1956, a Sociedade da Terra Plana de Londres, por exemplo, esteve inativa entre 2001 e 2010, ano em que ressurgiu com um novo presidente e um grupo de cerca de 60 “recrutas”, segundo o jornal britânico The Guardian. Hoje, o grupo conta com mais de 117 mil seguidores no Facebook e 16 mil no Twitter. 

Além disso, o modo como a internet atual funciona e se financia também ajuda a pôr em destaque as opiniões menos ortodoxas. Numa economia baseada em atenção, conteúdo barato e chamativo – e negar um fato científico estabelecido há mais de dois milênios certamente chama a atenção – leva vantagem. Como escreve o jornalista britânico James Ball em seu livro “Post-Truth” (“Pós-Verdade”), “este não é um modelo de negócios pensado para combater as besteiras, mas sim para espalhá-las pelo mundo”. 

Identidade 

A conexão entre o desejo de acreditar e o senso de identidade pessoal faz com que seja muito difícil mudar as crenças de alguém com um simples apelo aos fatos. Às vezes, fatos que contradizem diretamente certas crenças podem ter o efeito de reforçá-las, na mente de quem as considera peças fundamentais da própria personalidade. 

Em 1956, o livro “When Prophecy Fails” (Quando a Profecia Falha, em tradução literal), dos psicólogos Leon Festinger, Henry Riecken e Stanley Schachter, descrevia como uma seita baseada em óvnis – que acreditava que o mundo acabaria em breve, e que os escolhidos seriam resgatados por discos voadores – deixou de ser um grupo fechado e quase secreto, passando a uma fase de fervor e intenso proselitismo, imediatamente depois de a data marcada para o apocalipse passar sem que nada excepcional acontecesse. 

Festinger e os demais autores propuseram cinco condições para que esse fenômeno, do aumento de fervor diante de evidência contrária, se manifestasse: a crença deve ser mantida com forte convicção e ser relevante para ação – em outras palavras, deve afetar o comportamento do crente; o crente deve ter feito algo importante ou irreversível em nome de seu compromisso para com a crença; a crença deve ser específica o suficiente para que a refutação pelos fatos seja clara e inegável; a refutação deve ser do conhecimento do crente; e, por fim, o crente deve ter apoio social: é preciso haver uma rede de pessoas comprometidas com a mesma crença, e dispostas a sustentá-la. 

Referindo-se à resistência de um dos membros do grupo a aceitar o verdadeiro significado da falha da profecia, Festinger usou expressões como “fé infinita” e “sublime”. 

Conspiração 

Pessoas com pontos de vista diversos escolhem fatos, ou alegações de fato, diversos para enfatizar e levar a sério. Num artigo clássico de 1979, Charles Lord e colegas da Universidade Stanford apresentaram uma série de informações sobre o impacto da pena de morte na taxa de criminalidade a pessoas que eram contra ou a favor da punição capital. Parte da informação suportava a ideia de que execuções de criminosos reduziam a violência; parte da informação negava isso. O conjunto era propositalmente ambíguo. 

O efeito foi um aumento na polarização das opiniões: os que eram a favor da pena de morte viram mais qualidade na parte da informação que apoiava sua ideia, e consideraram a informação contraditória falha; os que eram contra tiveram a impressão oposta. 

Descobertas como a de Festinger, Lord e as descritas por Gilovich foram refinadas e ampliadas nas últimas décadas. Em 2012, por exemplo, um estudo publicado em Social Psychological and Personality Science mostrou que seguidores de teorias da conspiração são capazes de manter crenças contraditórias entre si – por exemplo, a de que é altamente provável de que Osama Bin Laden já estava morto quando tropas americanas invadiram sua fortaleza no Paquistão, e a de que é extremamente provável que Osama Bin Laden ainda está vivo – desde que elas sejam consistentes com uma crença subjacente mais fundamental: no caso, a de que o governo de Barack Obama mentiu sobre o destino de Bin Laden. 

E, no ano passado, um trabalho publicado na Science valeu-se de técnicas matemáticas análogas às usadas para analisar redes para entender como crenças se organizam na mente humana e se propagam numa população. 

Os autores propuseram que crenças, mantidas com diferentes níveis de convicção, formam estruturas lógicas que podem ser descritas como redes – por exemplo, se estou convicto de X e X implica Y, então também estou convicto de Y. Mas se não quero acreditar em Y, a conexão me obriga a rever meu grau de convicção em X. “Genericamente, o nível de certeza de um indivíduo sobre uma afirmação é uma mistura das certezas de suas crenças sobre outras afirmações”, escrevem os autores. 

“Suponhamos que a certeza sobre cada afirmação seja passível de perturbação (...) a perturbação causará uma mudança dentro do indivíduo que recalibra suas certezas, em busca de consistência”, prosseguem. 

O artigo adverte que a existência de uma estrutura lógica consensual na população pode agravar, e não reduzir, a polarização em torno de questões de fato. Se todos concordam, em princípio, que o aquecimento global antropogênico requer ações para reduzir o consumo de combustíveis fósseis, pessoas contra e a favor dessa redução tenderão a divergir radicalmente em suas opiniões sobre a realidade do aquecimento. 

Mudando de ideia 

A despeito disso tudo, no entanto, pessoas mudam de idéia o tempo todo, e existe alguma literatura científica sugerindo como os vícios cognitivos que dificultam a assimilação e aceitação de fatos inconvenientes podem ser contornados. Um trabalho publicado em 2000 sugere que pessoas podem ser mais suscetíveis a analisar, de modo racional, fatos que abalam seu senso de identidade se eles forem apresentados junto de opções alternativas de autoafirmação. 

“Como o senso global de valor próprio deriva de diversas fontes, as pessoas têm uma grande flexibilidade em como lidar com uma ameaça ao ego”, apontam os autores. “Elas podem reafirmar seu senso de amor-próprio diretamente”, descontando a evidência apresentada, “ou indiretamente, afirmando diferentes domínios valorizados de amor-próprio”. 

Outro trabalho, este publicado em 2016 e tratando de persuasão num ambiente online, mostrou que o uso da linguagem é muito importante: um tom sereno e equilibrado, sem ofensas ou arrogância, tende a ser mais persuasivo. Manifestações de incerteza (“talvez seja...”), embora às vezes sejam vistas como sinais de fraqueza argumentativa, funcionam bem. Citações de fontes externas também ajudam. 

Paciência, boas maneiras e boa evidência, enfim, parecem ser ingredientes importantes numa estratégia de persuasão bem-sucedida. Como escrevem os autores do estudo de 2000, “de certa forma, nossa pesquisa demonstra que os dois lados da natureza humana – emocional e racional – estão entremeados. As pessoas são mais racionais quando seu estado emocional é bom”.

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