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Hábitos

Por que o consumo de animais silvestres no Brasil não causa pandemias

Jacarés criados em cativeiro no Mato Grosso: brasileiro também tem o hábito se alimentar de animais silvestres. (Foto: Coocrijapan)

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Quando a epidemia de Covid-19 apareceu em Wuhan, muitos se perguntaram como um novo tipo de vírus apareceu tão de repente. Alguns levantaram a hipótese de que seria uma arma biológica inventada pela China. Outros, de que o hábito chinês de comer animais silvestres e exóticos, ou mesmo a venda destes em mercados ao ar livre, seria o culpado pela pandemia

Mas, por mais que sopa de morcego pareça algo realmente estranho, para não dizer sinistro, não é só na China que as pessoas comem animais pouco convencionais. Aqui no Brasil, principalmente no interior, também existe o hábito de caçar e comer animais silvestres (e até mesmo de criá-los).

Numa pesquisa feita pela Universidade Federal do Acre, 78% dos moradores do estado afirmaram já ter consumido carne de animal silvestre. A paca e o tatu foram as espécies mais citadas.

É difícil obter números confiáveis sobre a quantidade de animais silvestres consumidos no Brasil, pois a caça deles é proibida no Brasil há mais de cinco décadas (com a exceção do javali em algumas regiões). Mesmo assim, há quem burle a lei para consumir essas “iguarias”.

Gambás temperados

Em 2016, por exemplo, a Polícia Ambiental apreendeu gambás temperados em um restaurante de Florianópolis. Na ocasião, o biólogo Rodrigo de Souza explicou que o consumo de gambás, capivaras, tatus e de aves como o jacu remonta à colonização da região. É um hábito antigo e tradicional e difícil de ser eliminado, porque sempre há pessoas que procuram por esse tipo de carne.

Ainda é possível consumir a carne de animais silvestres porque a fiscalização dos rincões é bastante precária. Como as áreas de preservação ambiental são vastas, alguns caçadores se aventuram, mesmo com o risco de serem presos.

Doenças

Com o consumo de carnes silvestres largamente difundido no Brasil, mesmo que não em larga escala, o país poderia ser um foco de doenças novas, como teria acontecido na China, com seus mercados de carnes exóticas?

Para o médico Adlai Lustosa, que atende em Gurupi, no Tocantins, isso “é pouco provável”. O dr. Lustosa, que lembra ter consumido carne de paca, tatu e jacaré quando criança, afirma que desde que trabalha na região nunca recebeu nenhum paciente com complicações ou doença oriunda do consumo de carne silvestre, apesar de o hábito “ser algo difundido, sobretudo no interior”.

“Curiosamente, não é incomum eu receber casos de brucelose, porque as pessoas do campo consomem leite cru, sem pasteurizar, ou mesmo ferver”, disse ele.

Isso nos dá uma pista do motivo por que os mercados de Wuham serem apontados como vetores de doenças. “É mais provável que as doenças venham da manipulação dos animais nesses lugares ou do consumo da carne mal passada”, diz dr. Lustosa. “Se a carne é bem cozida, os organismos patogênicos acabam inativos ou mortos no preparo”.

É claro que isso não que dizer que é possível comer carne de qualquer animal, desde que ela fique assando por um bom tempo. Há espécies, como o baiacu, que são extremamentes venenosas se preparados de forma incorreta (no Japão há até uma licença especial para o preparo desse peixe). Mas isso estende bastante o debate sobre o que seriam “animais comestíveis”.

Criação em cativeiro

Para uma evitar o contágio com patógenos, o ideal é manipular a carne seguindo as melhores orientações sanitárias. Nesse sentido, a regulamentação e criação em cativeiro das espécies exóticas é uma excelente forma para se obter um equilíbrio entre consumo e segurança. É o que já acontece, por exemplo, com o jacaré produzida no Pantanal. Para evitar a caça ilegal, já existe a produção em cativeiro desse animal.

A Coocrijapan (Cooperativa de criadores de jacaré do Pantanal), de Cáceres, no Mato Grosso, tem todas as licenças para a operação. Isso permite que a carne de jacaré seja comercializada em mercados regulares e vendida também em restaurantes especializados na elaboração desse prato.

Criar animais silvestres sem permissão do Ibama, contudo, é considerado crime inafiançável. No Brasil, além do jacaré, a lei prevê a possibilidade de criação, abate e consumo de pacas, cutias, capivaras e tartarugas.

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