Mesmo pelos padrões horríveis da Primeira Guerra Mundial, 22 de abril de 1915 foi chocante. Nesse dia, a Alemanha revelou uma arma em que vinha trabalhando por anos — gás de cloro. Logo após sua liberação, soldados franceses começaram a sufocar. Aqueles que se atiraram ao chão para se proteger nos fundos de suas trincheiras aterrissaram em uma nuvem letal. A linha aliada “estava absolutamente coberta de corpos de homens vítimas do gás”, o soldado britânico Lendon Payne relatou. “Devia haver mais de mil deles.”
Isso lançou a “guerra química”, uma disputa para revidar horror com horror. Ao final da Primeira Guerra Mundial, mais de 90 mil soldados tinham sido mortos por gás de cloro — após muitas semanas de agonia. Mais um milhão de homens tinham sido cegados ou feridos para sempre.
As pessoas temem gases de uma maneira que não temem armas convencionais
É claro, armas químicas responderam por uma pequena fração das 17 milhões de mortes da guerra. Mas líderes mundiais reagiram bastante visceralmente ao seu uso. Talvez, como o historiador de armamento químico Jonathan Tucker observou em seu livro “War of Nerves” (guerra dos nervos, em tradução livre), haja uma “aversão humana inata a substâncias venenosas.” Ou, se não, ele postula, seu uso pareceu ordinário de alguma forma, um “uso dissimulado de veneno pelos fracos para derrotar os fortes sem uma luta física.”
Outros pesquisadores sugeriram que gases químicos infligem um tipo particular de tortura psicológica. “As pessoas temem gases de uma maneira que não temem armas convencionais. Não penso que isso seja baseado em nenhuma análise racional de estatísticas do campo de batalha”, Andrew Ede, historiador da ciência, disse à revista Chemical and Engineering News. “Penso que é só baseado na ideia do que seria sofrer pessoalmente um ataque de gás. A percepção pública é de que é mau e antiesportivo.”
Sem punição duradoura
Em 1925, a Liga das Nações tinha proposto um tratado para banir o uso de tais gases em guerras. A maioria dos países assinou. Mesmo aqueles que não o fizeram (durante a Guerra Fria, os Estados Unidos e a União Soviética reuniram seus próprios estoques) aderiram ao princípio geral: de que armas químicas não têm lugar na guerra. Mas, ao longo do último século, um punhado de foras-da-lei causadores de problemas, incluindo Iraque, Irã e Síria – usaram armas químicas. E ainda que essa tática traga rápida condenação internacional, raramente há uma punição duradoura.
Em 1936, por exemplo, Benito Mussolini lançou bombas de gás mostarda na Etiópia, uma tentativa de destruir o exército do imperador Haile Salassie. Outros países resmungaram, mas nenhuma ação internacional foi tomada. Os Estados Unidos usaram agente laranja durante a Guerra do Vietnã, provocando protestos nacionais e internacionais, mas não muito mais que isso. O Egito usou gás mostarda e um agente nervoso no Iêmen para apoiar um golpe de estado contra a monarquia iemenita, chamando pouca atenção.
O silêncio da comunidade internacional – inclusive dos Estados Unidos – provavelmente encorajou Saddam a continuar a usar armas químicas nessa guerra, e também encorajou outros países da região a desenvolver suas próprias
E, em 1985, o Iraque usou um rol de armas químicas contra o Irã, com a aprovação do presidente Ronald Reagan. Saddam Hussein repetidamente atacou as forças iranianas com gás sarin, matando mais de 20 mil. Mais outros milhares foram feridos. No ano seguinte, ele atacou a minoria curda de seu país com gás, matando cerca de cinco mil civis.
À época, Hussein era um aliado dos Estados Unidos: suas ações ficaram sem punição. “O silêncio da comunidade internacional – inclusive dos Estados Unidos – provavelmente encorajou Saddam a continuar a usar armas químicas nessa guerra, e também encorajou outros países da região a desenvolver suas próprias”, Daryll Kimball, diretor executivo da Associação para Controle de Armas, com sede em Washington, disse a meus colegas do Washington Post.
“Arsenal nuclear de pobre”
A Síria também tem usado seu estoque de armas químicas (“o arsenal nuclear de pobre”) para afastar inimigos em potencial. Nos anos 70 e 80, a Síria perdeu três guerras para Israel. Logo depois, começou a produzir suas próprias armas químicas para fazer frente ao arsenal militar e nuclear infinitamente superior de Israel.
Hoje, o presidente Bashar al-Assad provavelmente controla cerca de mil toneladas de armas químicas, armazenadas em 50 instalações. Um ex-funcionário do Pentágono chamou o país de uma “superpotência” em armas químicas.
É claro, Israel não é o único inimigo do sitiado Assad. Em 2013, já anos adentro da luta pelo poder entre Assad e as forças rebeldes, o governo lançou um brutal ataque com gás sarin nos arredores de Damasco. De acordo com a Casa Branca, o governo sírio matou cerca de 1,5 mil pessoas, inclusive mais de 400 crianças.
As fotos pareceram provocar o então presidente Barack Obama a intervir. “Que mensagem mandaremos se um ditador pode matar com gás centenas de crianças à vista de todos e não pagar nenhum preço por isso?”, ele perguntou à época. “Qual o propósito do sistema internacional que construímos se uma proibição ao uso de armas químicas que foi objeto de acordo entre 98% do povo do planeta e aprovado esmagadoramente pelo Congresso dos Estados Unidos não é aplicada?”
Qual o propósito do sistema internacional que construímos se uma proibição ao uso de armas químicas que foi objeto de acordo entre 98% do povo do planeta e aprovado esmagadoramente pelo Congresso dos Estados Unidos não é aplicada?
O espectro da invasão estrangeira provocou Assad a concordar com uma proposta conjunta dos Estados Unidos e da Rússia de que ele eliminasse o programa de armas químicas do país e adotasse um tratado de 1997 banindo armas químicas. Mas a Organização para a Proibição de Armas Químicas, um corpo internacional de monitoramento, encontrou evidência de que Assad usou gás de cloro contra grupos de oposição em 2014 e 2015. (O governo negou esses relatórios, argumentando que estão sendo alimentados pelo Estado Islâmico.)
Espumando pela boca
E, essa semana, um gás tóxico matou pelo menos 58 pessoas na província de Idlib, no norte da Síria. A correspondente do Washington Post Louisa Loveluck noticiou: “Ataques aéreos na cidade de Sheikh Khanoun, no noroeste, começaram logo após o amanhecer, lançando um agente químico não identificado que matou pelo menos 58 pessoas e encheu clínicas da região com pacientes espumando pela boca ou tendo dificuldade para respirar.”
Fotografias e vídeos na internet mostram crianças e adultos mais velhos arquejando. Em uma imagem, um grupo de 10 crianças estão deitadas enfileiradas debaixo de uma colcha. Agentes de resgate disseram que as pessoas desmaiaram nas ruas, em grande número; várias pessoas ficaram enjoadas simplesmente por terem entrado em contato com as vítimas.
Moradores disseram que o agente foi lançado por um ataque aéreo do governo; um ataque subsequente mirou uma das clínicas que tratava as vítimas. (O maior hospital da região tinha sido severamente danificado por um ataque dois dias antes.)
Mais uma vez, o mundo clamou por ação contra Assad. O chefe da diplomacia europeia disse que o governo sírio tinha “responsabilidade primária”. O ministro do Exterior francês, Jean-Marc Ayrault, condenou o “ato repugnante” e exigiu um encontro de emergência do Conselho de Segurança da ONU. O governo Trump chamou o ataque de “repreensível” e “intolerável”. O senador republicano John McCain, do Arizona, desafiou o governo Trump a tomar medidas contra os “crimes de guerra” de Assad.
Será que alguma coisa vai resultar de tudo isso? Se a história é nosso guia, provavelmente não.