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Por que o Partido Comunista Chinês precisa de Xi Jinping

Xi Jinping: mão de ferro para controlar a população enquanto a China entra em declínio
Xi Jinping: mão de ferro para controlar a população enquanto a China entra em declínio (Foto: EFE/EPA/SERGEI BOBYLEV)

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É um truísmo que líderes autoritários e totalitários muitas vezes surgem em tempos de crises políticas e econômicas. O século 20 teve muitos exemplos, incluindo aqueles líderes totalitários cuja derrota nas mãos do capitalismo democrático definiu o século.

Em nosso tempo, uma ortodoxia emergente sobre Xi Jinping coloca essa lição de cabeça para baixo. À medida que o 20º Congresso do Partido Comunista da China se aproxima – no qual Xi deve estender seu poder indefinidamente – há histórias diárias sobre como suas táticas draconianas provocaram uma reação: a economia está desacelerando e o crescimento e a prosperidade da China estão indo por água abaixo.

De acordo com essa análise, a adesão da sociedade chinesa ao dogmatismo ideológico do “Pensamento Xi Jinping”, a desastrosa política Zero Covid, acusações de corrupção armadas para expurgar “moderados” que representam uma ameaça para ele e outras ações ditatoriais endureceram o aparelho partidário. Está desfazendo o progresso econômico feito por seus antecessores e afugentando décadas de investimento global, que agora está fugindo do país.

Recentemente, as histórias nas mídias sociais foram sobre um possível “golpe” contra Xi, feito por moderados esclarecidos e orientados pelo mercado que estão alarmados com a direção que Xi está tomando no país.

Embora os líderes políticos normalmente gostem de se ver na boca do povo, não é bom quando a palavra “golpe” está associada a eles. E devemos poupar qualquer simpatia por Xi. Mas essa sabedoria convencional emergente é absurda e provavelmente errada, como a sabedoria convencional anterior de que a China e seus líderes descobriram uma “terceira via” — nem capitalista nem comunista — e que o crescimento econômico continuaria para sempre. Muitos acreditavam que a China tinha ferramentas que faltavam às democracias para controlar a economia e que o crescimento estava garantido.

Isso não foi comprovado. Xi pode estar no cargo e prestes a obter uma prorrogação precisamente por causa do entendimento da liderança do partido — mesmo que analistas de Wall Street e chefes corporativos, vendo infinitas oportunidades de mercado, tenham perdido completamente — que o “milagre econômico” e o rápido crescimento da China eram instáveis, desequilibrados. , descoordenados e insustentáveis. Não acredite na minha palavra: foi usando esses quatro adjetivos que o ex-primeiro-ministro Wen Jiabao descreveu a China — em 2008, bem antes de Xi assumir o cargo.

Os desafios da China são o resultado natural das inconsistências inerentes e características fadadas ao fracasso das economias centralmente planejadas com liderança autoritária. O fato de tantas pessoas terem suspendido o ceticismo por tanto tempo, querendo acreditar que o Partido Comunista Chinês havia criado algo diferente, reflete uma crise de sete décadas de autoilusão global da qual o mundo parece estar se despertando. Metas, cotas, proibições e uma filosofia de punição para o fracasso — as marcas do planejamento central totalitário — nunca corresponderão aos resultados econômicos de democracias vibrantes e do capitalismo, que aceitam o fracasso como um catalisador para aprendizado, progresso e crescimento. O Partido Comunista Chinês de Xi hoje está simplesmente colhendo os frutos amargos de um sistema que nunca teve sucesso em nenhum lugar.

O caminho inevitável para as crises que o país enfrenta hoje é conhecido desde o início pelo Partido Comunista Chinês, mesmo que a era das reformas iniciadas por Deng Xiaoping tenha mascarado a incoerência subjacente. Os desafios que Xi enfrenta hoje têm suas raízes nos primeiros dias do regime comunista.

Considere apenas uma questão: a coletivização forçada da agricultura no segundo plano de cinco anos (a China está em seu 14º plano agora) e o Grande Salto Adiante. Iniciada no final da década de 1950, essa política resultou na maior fome da história do mundo. Até 50 milhões de pessoas morreram, sem incluir os dissidentes que foram mortos e os inúmeros suicídios. A extensão dessa loucura de planejamento central incluiu preciosidades como a campanha das “quatro pragas”, na qual o governo orientou a população a se livrar de moscas, mosquitos, ratos e pardais. O programa foi “bem-sucedido” o suficiente para diminuir a produção de arroz por causa da falta de pardais para comer os gafanhotos e outros insetos que se alimentavam do grão. Recusando-se a admitir o fracasso, Mao substituiu os pardais por percevejos para manter a campanha das quatro pragas em andamento. Claro, milhões pereceram de qualquer maneira.

O Grande Salto Adiante institucionalizou na China uma pobreza rural patológica que continua até hoje. Mesmo agora, centenas de milhões de pobres rurais da China subsistem com alguns dólares por dia. O sistema hukou de registro de famílias mantém a população rural estagnada e incapaz de migrar permanentemente para outros lugares. Os trabalhadores migrantes do país que vão para as cidades são elegíveis para serviços apenas em sua residência de registro. De acordo com Scott Rozelle em seu livro "Invisible China" [China invisível] (2020), 70% da força de trabalho da China não possui ensino médio. Nas áreas rurais, esse número é muito maior.

O que nos leva ao próprio grande reformador. Deng Xiaoping é o líder comunista favorito do Ocidente, ao lado de Mikhail Gorbachev. Deng sofreu com a Revolução Cultural de Mao, tendo sido atacado como capitalista. Foi com Deng que Jimmy Carter negociou o reconhecimento da China pelos EUA e o rebaixamento das relações dos EUA com Taiwan. Deng ordenou as reformas de mercado que estimularam o crescimento que alguns agora acusam Xi de sufocar.

O Partido Comunista Chinês da era Deng exigiu reformas, mas colocou a China no caminho de ser uma economia principalmente orientada para o investimento. Com cotas e manipulação forçada de mercado, veio a corrupção oficial estrutural sem precedentes e o estímulo governamental inflacionado ao crescimento acelerado. A infraestrutura desperdiçada de hoje, trens meio vazios para lugar nenhum, projetos e barragens hidrelétricas ambientalmente destrutivas e cidades fantasmas com o colapso imobiliário associado remontam a essa era anterior.

Seja qual for o progresso que possa ter sido feito, os benefícios ficam muito aquém do imenso dano causado pelo outro legado de Deng: a política do filho único que ele iniciou logo após assumir o poder. Dessa política derivam os profundos desafios demográficos que a China enfrenta hoje, notadamente o envelhecimento e o inevitável encolhimento da população chinesa. Segundo algumas estimativas, a população da China, que hoje é de 1,4 bilhão, pode cair para 700 milhões até o final deste século. Pior, essa população menor teria uma porcentagem maior de moradores rurais menos instruídos e mais pobres, já que os educados urbanos encontravam cada vez menos oportunidades e têm menos filhos. O desemprego urbano já está em 20% e crescendo.

Histórias comoventes de abortos forçados e esterilizações em uma escala horrível são ruins o suficiente. Mas o que nós capitalistas chamamos de lei das consequências não intencionais é outra questão: a China agora perdeu gerações de sua população em idade de trabalho mais produtiva. Isso causou tensões socioeconômicas intransponíveis, pois uma única criança deve cuidar de dois pais e quatro avós em um país sem uma rede de segurança social significativa.

A política do filho único de Deng criou outras pressões sobre a economia e a sociedade atuais. Xi está tentando (e falhando) controlá-los. Considere o atual mercado imobiliário em colapso. Este setor representa cerca de 30% do PIB da China. A bolha especulativa que está estourando foi inflada em parte por filhos solteiros, que superam significativamente as mulheres elegíveis porque a política do filho único envolvia abortos selecionados pelo sexo. Esses homens procuram apartamentos como oferta de casamento. Jornalistas estão relatando sobre noivados desmoronando à medida que apartamentos inacabados se acumulam e a esperança de casamento é frustrada.

Os planejadores centrais do governo, é claro, têm desempenhado seu papel inflando a economia com mais e mais gastos com infraestrutura e imóveis, não importa que as unidades em construção nunca sejam concluídas e ocupadas. A música está chegando ao fim; o que vai acontecer é desconhecido. Em um grau significativo, Xi deve agradecer a Deng por isso.

A corrupção que floresceu na era Deng foi tamanha que até mesmo o massacre da Praça Tiananmen, o incidente mais notório de seu mandato, foi alimentado pela frustração de muitos cidadãos comuns que estavam fartos e queriam mudar o sistema. Grande parte do mundo rapidamente superou isso.

As empresas ocidentais pressionaram seus governos a apoiar a quimera das reformas de mercado de Deng e aceitar que haveria retrocessos ao longo do caminho. A China estava crescendo e o crescimento levaria a mais aberturas de mercado e, em última análise, aberturas políticas. Claro que nada disso deu certo. Em vez disso, Tiananmen criou uma reputação duradoura do Partido Comunista Chinês como um poder implacável e um grande violador dos direitos humanos. Uma geração de ativistas de direitos humanos acrescentou a tragédia à litania de pecados da China, ao lado do Tibete, Nepal, Xinjiang e agora Hong Kong.

Ainda outra área em que Xi deve enfrentar as falhas estruturais de uma economia planejada ao longo de muitas décadas é o acesso a recursos naturais, principalmente água. A China tem uma crise de água. Isso dificilmente é culpa de Xi. Até Mao entendeu, desde o início de seu tempo no poder, que o acesso à água para a crescente população da China era um desafio fundamental. Sua observação frequentemente citada foi que o Sul da China tem muita água, mas as pessoas estão no Norte, onde a água é escassa. Em sua formulação, o Sul deveria emprestar um pouco para o Norte.

As coisas não mudaram muito. Wen Jiabao disse em 2005 que a escassez de água era uma ameaça à “própria sobrevivência da nação chinesa”. A principal abordagem para o problema tem sido o controle do preço da água e o lançamento de uma série de grandes projetos hídricos de cima para baixo, notadamente o Projeto de Desvio de Água Sul-Norte (SNWD na sigla em inglês). O SNWD consiste em túneis, canais e reservatórios para desviar a água da bacia do rio Yangtze para o Norte por até 1.600 quilômetros.

Um dos canais tem elementos de 2.500 anos — esse não é um desafio novo para o país. O projeto deslocou quase meio milhão de pessoas. O governo fechou indústrias ao longo da rota para minimizar a poluição da água. Mas, como sempre, o aparato partidário, que exerce um controle de ferro, não pode tolerar o fracasso. O governo instituiu controles de preços para esconder o verdadeiro custo da água. Isso impede a conservação na agricultura, indústria e consumo doméstico. Juntamente com os efeitos das mudanças climáticas e o fraco histórico de gestão de água industrial da China em geral, o programa rendeu pouco até agora. Autoridades de Pequim alertaram que a infraestrutura hídrica da capital está chegando ao limite de sua capacidade.

O mais preocupante para o Partido é que não apenas os desafios enfrentados por Xi e a liderança se estendem por muitas décadas, mas há avisos sobre a inevitabilidade do fracasso por quase tanto tempo, e eles eram visíveis para todos. Visitei a China pela primeira vez em 1985. Era difícil não ficar impressionado com a pobreza do país, apenas alguns anos após o mandato de Deng. As largas avenidas de Pequim estavam lotadas de pessoas em bicicletas e caminhões de baixa qualidade transportando mercadorias pela cidade. Embora a cidade não tivesse a mesma poluição industrial que vemos hoje, lembro-me de Pequim daquele período como tendo todas as características das economias subdesenvolvidas.

Voltei no final dos anos 80 e tive minha primeira oportunidade de viajar para fora de Pequim. Embora ainda pobre, o país começava a crescer. As pessoas eram amigáveis, e era emocionante estar lá. Lembro-me do Great Wall Hotel, na época um dos melhores da cidade, e das decorações natalinas feitas pelos confeiteiros e chocolatiers. Foi lindo e acolhedor.

Passei muito tempo na China também na década de 1990, um período de mudanças visíveis. Jiang Zemin tornou-se o líder supremo em 1989 e permaneceu nesse cargo durante todo o tempo em que estive profissionalmente na China. O objetivo de Jiang era manter as taxas de crescimento altas e ele ordenou investimentos maciços em projetos de construção e infraestrutura. Seu governo ordenou que as grandes empresas estatais em todos os setores industriais se tornassem maiores.

Com tudo isso veio a falta de transparência, falta de concorrência, suborno e mais corrupção, que se tornaram as características mais definidoras da operação no país. Embora as políticas anteriores de reforma de mercado de Deng provavelmente tivessem levado ao crescimento de uma classe bilionária na China, o fenômeno ocorreu na era Jiang Zemin de programas de financiamento massivos liderados pelo Estado. O programa sistemático de roubo de propriedade intelectual de empresas de economias avançadas que tentavam investir e lucrar na China também cresceu nesse período.

Em 2002, tornei-me presidente e diretora administrativa do Instituto Americano do Departamento de Estado em Taiwan. Nesse mesmo ano, a RAND Corporation publicou uma breve análise, 'Fault Lines in China’s Economic Terrain' [Falhas na economia da China], de Charles Wolf Jr., K. C. Yeh, Benjamin Zycher, Nicholas Eberstadt e Sungho Lee. Apesar da percepção de crescimento e modernização visíveis, analistas de investimentos ocidentais publicaram relatórios sobre como a China estava fazendo algo diferente e duradouro. Eles ignoraram o registro histórico de planejamento central fracassado. Os autores de Fault Lines, em contraste, expuseram com uma visão surpreendente cada grande problema que a China enfrenta hoje.

Para aqueles de nós que viram o crescimento, mas sabiam que algo não estava certo, e que sempre duvidaram que o Partido Comunista Chinês tivesse de alguma forma descoberto como fazer o planejamento central e o autoritarismo – com uma dose de reformas de mercado – funcionarem, a análise da RAND validou nosso ceticismo. Muito antes de Xi, era sabido que, à medida que o PCCh se tornasse incapaz de gerar um crescimento rápido por meio de gastos governamentais cada vez maiores, ele fecharia e se tornaria repressivo. A filosofia do partido reflete a máxima de que se você não pode ter sucesso com a cooperação de todos, então prossiga sem ela.

Hoje, essa filosofia se traduz na intrusão do Estado na vida do cidadão comum e na repressão de quem duvida da supremacia do partido. O PCCh tem um objetivo agora: manter o poder do partido. Xi Jinping é o homem que recebeu a tarefa.

É por isso que o 20º Congresso do Partido estenderá o mandato de Xi. Muito tem sido escrito sobre a natureza sem precedentes de um terceiro mandato para o líder máximo da República Popular da China. Igualmente sem precedentes, porém, é a maneira como o mundo parece ter despertado para as sérias dificuldades – econômicas, sociais, políticas e diplomáticas – que o país está enfrentando.

As falhas fundamentais do planejamento central e do governo autoritário estão se tornando óbvias demais para serem ignoradas. A liderança linha-dura de Xi não é o que está causando os problemas da China. Xi Jinping está no cargo porque o Partido Comunista Chinês sabia que uma linha dura era a única maneira de lidar com a inevitabilidade do fracasso do sistema que eles criaram. Esse é o problema essencial com oligarcas, autocratas e ditadores: como eles não podem arriscar o fracasso, eles não têm a mínima ideia de como gerenciá-lo.

Thérèse Shaheen é empresária e CEO da US Asia International. Ela foi presidente do Instituto Americano do Departamento de Estado em Taiwan de 2002 a 2004.

©2022 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.

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