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Polarização

Por que os Conselhos Tutelares entraram na agenda política do Brasil

No último domingo (5), conservadores e progressistas disputaram uma eleição concorrida para cargos cuja maior atribuição é cuidar de crianças e adolescentes.
No último domingo (5), conservadores e progressistas disputaram uma eleição concorrida para cargos cuja maior atribuição é proteger crianças e adolescentes. (Foto: Daniel Castellano / Arquivo Gazeta do Povo)

Do dia para a noite, os Conselhos Tutelares entraram na agenda política do Brasil. Realizada a cada quatro anos, sempre um ano depois das eleições presidenciais, a escolha dos membros nunca mobilizou tantas pessoas. No último domingo (5), muito mais participantes do que o comum participaram da eleição, que é facultativa e aberta a todos os eleitores em situação regular junto à Justiça Eleitoral.

Cada um dos 5.570 municípios do país deve ter no mínimo um conselho, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, e ele deve ser formado por cinco membros com mandato de quatro anos. O número de entidades varia com o tamanho da população. No município de São Paulo, por exemplo, são 52 conselhos tutelares. Já em Curitiba existem 10 conselhos. Ao todo, existem no país 5.956 conselhos, ocupados por quase 30 mil pessoas.

À esquerda e à direita, nas ruas e nas redes sociais, militantes e grupos religiosos, especialmente evangélicos, mas também católicos, se mobilizaram para estimular a participação. Listas de candidatos progressistas e conservadores circularam ativamente, na mesma velocidade em que surgiram denúncias (sem provas) de que pastores estariam pedindo voto dentro de igrejas (o que é proibido pela legislação eleitoral).

Em dezenas de cidades, de Curitiba, Campo Largo e Paranaguá, no Paraná, passando por Olinda, em Pernambuco, e por Cotia e Ferraz de Vasconcelos, em São Paulo, denúncias de irregularidades provocaram o cancelamento da votação, que deverá ser realizada novamente. Em Curitiba, houve inconsistência nas urnas. Em Cotia, suspeita de compra de votos.

Em São Paulo, capital, por exemplo, mais de metade dos cargos foi ocupada por militantes de esquerda. Por que tamanha mobilização? Qual é, final, o interesse em ocupar os Conselhos Tutelares?

Disputa por espaço

Os Conselhos Tutelares formam um braço civil do Estado na tarefa de proteger crianças e adolescentes. O órgão tem poder para solicitar que famílias incapazes de sustentar os filhos percam a guarda sobre eles. Diante de suspeitas de abuso físico, emocional e, principalmente, sexual, o conselho pode registrar boletins de ocorrência, mesmo que os pais não o façam.

O conselho não tem o poder de conduzir investigações – as denúncias devem ser encaminhadas aos órgãos competentes. Um conselheiro pode, por exemplo, solicitar que um adolescente menor de 18 anos deixe um bar onde está consumindo bebidas alcoólicas, mas não pode forçá-lo a deixar o local. E deve denunciar o estabelecimento. O conselheiro pode também atuar como testemunha em delegacias e tribunais.

O órgão monitora ainda casos de evasão escolar e atua junto à prefeitura na elaboração dos planos de atendimento para crianças e adolescentes que vivem no município. Em teoria, a construção de centros da juventude e espaços para a prática de esportes é realizada com a assessoria dos conselhos, que podem indicar os locais onde a demanda é maior.

No papel de delinear políticas, o conselho pode ser utilizado para debater temas como a aplicação de ideologia de gênero e sexualidade nas escolas – em tese, conselheiros conservadores poderiam encaminhar denúncias dessas práticas ao Ministério Público, que pode, ou não, iniciar uma investigação. O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que escolas não podem oferecer conteúdo impróprio, em especial material pornográfico ou que estimule a violência.

Tamanha disputa pelas vagas de conselheiros é sinal de que o país está mais polarizado e também mais ativo politicamente, afirma o advogado e pesquisador Michael Mohallem, coordenador do Centro de Justiça e Sociedade (CJUS) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) no Rio de Janeiro. “A sociedade se mobilizou em torno do Conselho Tutelar, o que é positivo. Esse é um órgão muitas vezes abandonado, com estrutura precária e conselheiros pouco atuantes. Quando mais pessoas participam de uma eleição facultativa, como eleitores e como candidatos, a tendência é que haja uma cobrança maior sobre os eleitos.”

Dedicação de 40 horas

Na avaliação do pesquisador, a mobilização da população em torno dos Conselhos Tutelares não é exatamente partidária. “A disputa é resultado de uma polarização entre os conservadores, que costumam ter um viés religioso significativo, e os progressistas, com uma visão de estado mais laica e que coloca o Estado para se envolver mais no dia-a-dia das famílias”, afirma.

Lembrando que não há problema algum em entidades religiosas se envolverem na atividade política — justamente porque o Estado é laico, não ateu.

Para participar da votação é preciso ter mais de 21 anos e residir no município. Outros critérios de seleção são definidos por cada prefeitura. A maioria exige que os candidatos realizem uma prova de conhecimentos específicos e comprovem ter experiência na defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes. Muitas dessas medidas são questionadas judicialmente. Em Curitiba, por exemplo, parte das questões da prova foi cancelada e sete concorrentes participaram amparados por mandados de segurança.

Os municípios também definem o salário a que cada conselheiro terá direito para atuar em regime de 40 horas semanais de dedicação. Em Curitiba, a renda mensal é de R$ 4.684,66. Em Belo Horizonte, cada conselheiro recebe R$ 3.775,13. Em São Paulo, R$ 2.853. Conselheiros na ativa podem se candidatar à reeleição quantas vezes quiserem e a votação forma também uma lista de suplentes.

“Os Conselhos Tutelares são um importante espaço de articulação política. Por mais que o conselheiro não tenha poder de polícia, ele é muito influente, tanto do ponto de vista da atuação política e da defesa de bandeiras em que acredita, quanto para uma participação mais ativa na gestão dos municípios”, afirma Michael Mohallem. “Na medida em que os conselhos ganham importância, eles podem se tornar uma vitrine importante para o surgimento de novas lideranças políticas”. Podem se posicionar, por exemplo, visando as eleições municipais do ano que vem.

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