Um estudo envolvendo mais de duas mil pessoas pediu que elas respondessem um questionário sobre opiniões políticas de três formas: com as suas próprias, fingindo que são progressistas/esquerdistas típicos, e fingindo que são conservadores/direitistas típicos. Resultado: os moderados e conservadores foram os mais precisos ao representar o papel dos dois grupos. Quem menos foi capaz de prever como pensa o outro grupo foram os progressistas, com um efeito de maior imprecisão naqueles que se consideram “muito progressistas”. Em outras palavras, a esquerda entende menos a direita que vice-versa.
O estudo, de autoria dos psicólogos sociais Jesse Graham (Universidade do Sul da Califórnia), Brian Nosek (Universidade da Virgínia) e Jonathan Haidt, foi publicado em 2012 na revista PLoS One. Jonathan Haidt, 58, líder do estudo, incluiu esses resultados no bestseller do mesmo ano ‘A Mente Moralista’ (Alta Books). Na década seguinte à publicação, o artigo foi citado mais de 300 vezes no cômputo do Google Acadêmico. Mais recentemente, esses resultados têm informado estudos da polarização política, como o de Philip Fernbach e Leaf Van Boven, um especialista em business e um psicólogo da Universidade de Colorado em Boulder. Eles propõem que boa parte da percepção atual de uma polarização política exacerbada é ilusória.
A assimetria na compreensão mútua entre direita e esquerda pode ser vista em casos de falsos crimes de ódio produzidos pela última para difamar a primeira. Com frequência os detalhes deixam evidente que os autores dessas fraudes não entendem bem as ideologias extremas que estão tentando simular. Um exemplo é o caso do artista Jussie Smollet, que forjou um crime de ódio racista contra si mesmo em que os agressores seriam eleitores do Trump que teriam se dado ao trabalho até de colocar um laço de corda em seu pescoço para fazer referência simbólica a linchamentos de negros no passado americano. Quando progressistas simulam algum tipo de ideologia contrária extrema, mentem mal. Existem fraudes na direção contrária, como a de um eleitor de Trump que simulou vandalismo de ativistas do Black Lives Matter em sua caminhonete— previsivelmente, no caso, a representação do outro grupo não foi tão caricata e continha slogans reais.
Fundações morais da natureza humana e a diferença entre esquerda e direita
Haidt dedica o capítulo oito do livro a mostrar que “Republicanos entendem a psicologia moral. Os democratas não entendem”. O principal motivo para essa asserção, que à primeira vista parece elogiosa a conservadores, é que Haidt vê a mente humana como um semi-impotente condutor racional e consciente que tenta, às vezes sem sucesso, controlar as rédeas de um grande elefante de instintos, entre eles instintos morais que orientam o comportamento político.
O psicólogo é proponente da teoria das fundações morais, segundo a qual há ao menos cinco fundações na natureza humana que orientam o comportamento moral. A ênfase mais em algumas que em outras explicaria a diversidade de códigos morais não só entre culturas, como também entre orientações políticas. Defendidas de forma explicitamente tentativa e especulativa por Haidt, as fundações seriam:
- Cuidado/dano. Surgiu em torno de proteger crianças vulneráveis, torna-nos sensíveis a sinais de sofrimento e carência.
- Justiça/trapaça. Lida com a detecção e punição de aproveitadores no jogo da cooperação.
- Lealdade/traição. Trata das nossas coalizões, por causa dessa fundação somos sensíveis a sinais de que outras pessoas somam à equipe (e as premiamos por isso) ou são estranhas ao nosso grupo.
- Autoridade/subversão. Diz respeito ao nosso senso de pertencer a hierarquias sociais, a termos um status social do qual se espera certos comportamentos.
- Santidade/degradação. Inicialmente evoluída para evitar parasitas e doenças infecciosas, explica por que consideramos algumas coisas puras e outras repugnantes. O sentimento do nojo se manifesta ainda em ambas as situações: é uma evidência das origens.
Enquanto a esquerda usa mais a fundação cuidado/dano e também a dimensão igualitarista da justiça, a direita usa todas as cinco. Daí Haidt propor que a direita tem uma vantagem sobre a esquerda: ela apela para uma porção maior do elefante das intuições morais que todos temos a algum grau. A esquerda usaria também mais apelos à razão (ao condutor do elefante), que na opinião de Haidt não é muito capaz de alterar a direção do elefante. Com frequência ele compara as fundações morais aos receptores de sabor na língua. A direita ofereceria um cardápio mais diverso que a esquerda, com sua dieta monotemática de defesa de oprimidos.
Para Haidt, o ser humano é “90% chimpanzé, 10% abelha”. Nesta metáfora, a parte de abelha diz respeito a nossos instintos que nos tornam capazes de “desligar nossos egos mesquinhos e nos tornar como as células de um corpo maior”. Essa deflação situacional do ego em meio ao grupo está entre as experiências mais valorizadas na vida, facilita o altruísmo, os atos heroicos e as comunidades pacíficas com milhões de pessoas, mas também a guerra e o genocídio.
Haidt tem seus críticos. O filósofo canadense Joseph Heath, no livro de 2014 Enlightenment 2.0 (“Iluminismo 2.0”, em tradução livre) pensa que essa imagem da mente humana como pouco racional é problemática. “Uma parte crucial está faltando na descrição de Haidt” do condutor sobre o elefante, diz Heath. “Imagine que o condutor também tem a capacidade de descer e reorganizar as coisas no chão, de modo a redesenhar o ambiente pelo qual o elefante se move. Isso abre um mundo de possibilidades. (...) Quando examinamos a estrutura da razão humana, fica óbvio que dependemos desse tipo de manipulações do ambiente o tempo todo”. Para sermos mais racionais na matemática, por exemplo, um simples lápis com papel já faz grande diferença.
Haidt foi escritor de discursos voluntário para o ex-presidenciável democrata John Kerry. Enquanto faz um trabalho de estímulo à diversidade política e de pensamento cada vez mais sob ataque na academia (ele é um dos fundadores da organização Heterodox Academy, com essa missão), Haidt deixa claro que pende para o progressismo. A afirmação de que a direita tem uma vantagem por usar mais os instintos, embora tenha base empírica, não deixa de ser também um estímulo à noção de que ela é mais irracional que a esquerda.
A alternativa de Thomas Sowell
Em vez de ver a questão como cardápios diferentes para gostos morais inatos, Thomas Sowell, de 91 anos, economista e filósofo americano, propõe que as diferenças políticas sejam vistas como Um Conflito de Visões, nome do livro de 1987 em que expõe sua teoria (É Realizações). Embora haja tantas visões quanto pessoas no mundo, Sowell pensa que é possível simplificar didaticamente o cenário falando de uma dicotomia que não se mapeia perfeitamente à esquerda e direita. A diferença está em como os dois grupos enxergam a natureza humana.
De um lado há a “visão trágica”, que é a que considera que a natureza humana é imperfeita e corruptível, que não há soluções, apenas compensações entre resultados desejáveis e os indesejáveis que sempre os acompanham; de outro há a “visão dos ungidos”, daqueles que acreditam que sabem o suficiente para implantar soluções e que a natureza humana é maleável e boa na ausência de más influências da organização social. Hobbes e Rousseau, respectivamente, são representantes icônicos dessas duas grandes visões políticas. Mas Marx, por exemplo, é considerado um misto de ambas pelo próprio Sowell.
Na teoria de Sowell, não é o caso que um grupo político seja necessariamente mais racional que o outro. Conservadores, por exemplo, pensam que só porque o projeto iluminista não desvendou a razão de ser de uma prática, isso não significa que não exista alguma razão não articulada, ou, caso não exista, as consequências de intervir podem ser piores que as de deixar como está. Para eles, progressistas cometem o erro da húbris: de pensar que suas deliberações são suficientes para justificar seus projetos de engenharia social. Como diz o próprio Sowell, os “ungidos” podem se considerar desprovidos de qualquer coisa, menos de conhecimento.
Haidt conta em seu livro que leu Thomas Sowell e outros pensadores não-progressistas como Edmund Burke e Friedrich Hayek. Entre parênteses, no entanto, faz uma ressalva: “Por favor notem que estou elogiando intelectuais conservadores, não o Partido Republicano”.
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