Os democratas protegerão as crianças norte-americanas dos males das gorduras trans e da teoria de conversão gay, mas não dos médicos que as matarão por meio do homicídio indolente nas primeiras horas de suas vidas.
Essa é a triste realidade do debate contemporâneo a respeito do aborto. É por isso que a maioria dos ativistas dará tudo para evitar a realidade e as consequências desagradáveis de sua posição cada vez mais radical.
Nesta semana, os senadores democratas impediram os esforços do senador republicano por Nebraska, Ben Sasse, de conseguir o consentimento unânime em relação à Lei de Proteção dos Sobreviventes de Aborto.
Deve-se enfatizar que esse projeto não trata, tecnicamente, do aborto; ao contrário, é um projeto que fala da proteção aos bebês que sobrevivem ao procedimento. Parece que o já risível argumento do “meu corpo, minhas regras” se transformou em algo como “já não está no meu corpo, mas as regras ainda são minhas”.
O projeto de Sasse, que isentaria mães de processos, exigiria “a presença de um profissional qualquer da saúde” para ajudar a garantir que “a criança que nasça viva seja imediatamente transportada e admitida num hospital” e que “a pessoa exerça o mesmo grau de capacidade profissional” que ela demonstraria com qualquer outro bebê.
Ora, uma coisa seria a senadora Patty Murray, democrata de Washington, fazer objeção com base nos direitos do Estado ou no caráter amplo demais do projeto de lei, mas não foi o que aconteceu.
“Temos leis contra o infanticídio nesse país”, disse ela. “O que estão me pedindo para considerar é uma interpretação equivocada da linguagem real do projeto de lei e, portanto, a isso me oponho”.
Ela está errada.
Há leis que permitem o infanticídio. Temos uma dessas leis em Nova York. O fracassado projeto de lei da Virgínia que deu início a todo esse debate também permitiria o assassinato de bebês até o dia do nascimento por qualquer motivo – e, se esses bebês por acaso sobrevivessem ao procedimento, depois do parto também.
Quando lhe perguntaram se seu projeto de lei permitiria abortos em mulheres já com dilatação na 40ª semana de gestação, a delegada da Virgínia, Kathy Tran, disse: “Meu projeto de lei permitiria isso, sim”. O errado dela foi ter sido honesta.
Quando o governador da Virgínia, Ralph Northam, tentou passar uma impressão mais humana do projeto de lei infanticida de Tran, explicando que “a criança seria ressuscitada se a mãe ou família quisessem, e depois haveria uma discussão entre os médicos e a mãe”, seu erro foi também sincero.
Northam, como seus defensores disseram, estava apenas falando de eutanásia – embora ele jamais fosse chamar isso pelo nome –, como se acabar com a vida de crianças com anomalias fetais como Síndrome de Down, em nome da conveniência dos país, fosse algo moralmente palatável.
Motivos do aborto tardio
A realidade do projeto de lei não impediu os defensores do aborto de insistirem em enganar os norte-americanos dizendo que esses abortos são uma questão de vida ou morte para as mães. Isso, ao que parece, raramente acontece.
O Instituto Charlotte Lozier, pró-vida, descobriu que tanto a literatura médica quando os que perfazem abortos tardios mostram que a maioria dos procedimentos não são realizados “por causa de complicações gestacionais ou com anomalias ferais descobertos já no fim da gestação”.
O Instituto Guttmacher, pró-aborto, também descobriu que a maioria das mulheres que buscam esse tipo de aborto “não o fazem por causa de anomalias fetais ou risco de morte”.
De qualquer forma, toda lei que impõe limites a abortos realizados depois da 20ª semana fazem uma exceção aos casos em que a vida da mãe corre risco. O projeto de Sasse não impediria os pais e médicos de tomar decisões difíceis quanto a crianças gravemente doentes.
Isso é também um mito.
A maioria dos democratas se opõem às proibições ao aborto depois da 20ª semana porque esses abortos estão sendo usados para eliminar crianças imperfeitas. Vamos começar a usar a expressão “bebês viáveis”, então.
Leia também: Da interrupção da gravidez ao extermínio: o genocídio internacional da Síndrome de Down
Um desses bebês viáveis, Lyla Stensrud, nasceu depois de vinte e uma semanas e quatro dias, pesando apenas 408 gramas. É bem provável que a tecnologia chegue a um ponto em que ainda haverá muitas crianças como Lyla. De acordo com o Instituto Guttmacher, cerca de 15 mil Lylas são abortadas todos os anos.
Alguns argumentos que o aborto de bebês viáveis só é permitido por motivos de estresse emocional e também para aliviar a pressão econômica sobre pais e hospitais. Você sabe quanto uma criança com autismo custa? Por que então não se permite o aborto delas também?
E se isso é de fato um argumento para o assassinato pós-parto, alguma pode explicar a distinção moral entre adentrar uma UTI neonatal e dar uma injeção letal a um bebê prematuro que está causando estresse emocional e econômico para a mãe e dar uma injeção letal a outro bebê – mesma idade, mesmos motivos – que está no útero?
Durante muitos anos, os democratas puderem escapar sem responder a perguntas sérias quanto à posição deles quanto às restrições ao aborto realizado depois da 20ª semana. A despeito da interferência de agências verificadoras de informações e outros satélites do Partido Democrata, por exemplo, a candidata deles à Presidência em 2016, Hillary Clinton, apoiava o aborto da concepção ao parto, sem nenhuma restrição.
Só porque eles não falam sobre o assunto não quer dizer que não é verdade.
* David Harsanyi é editor-sênior do Federalist e autor do ainda inédito “First Freedom: A Ride through America's Enduring History With the Gun, From the Revolution to Today”.
Tradução: Paulo Polzonoff Jr.