Repare em algumas das músicas mais tocadas do mundo hoje. Pode ser “Hotline Bling”, do rapper Drake, que volta e meia pinta na academia de ginástica na mesma playlist de “Where Are Ü Now”, de Skrillex e Diplo com Justin Bieber. Ou “Lean On”, do Major Lazer com a cantora MØ – sucesso nas pistas, nas festas de casamento, enfim.
Elas têm em comum um uso bem marcante dos graves, comumente chamados nessas produções de “sub bass”. É aquela pressão associada às batidas do bumbo ou aos baixos pesados, populares em estilos de música eletrônica como o gravíssimo dubstep.
“Toda a pop music está bebendo da fonte – de Katy Perry a Rihanna, Justin Bieber, Madonna”, analisa o músico e produtor Zegon, integrante do Tropikillaz e diretor artístico do selo Boom, da plataforma Skol Music. “O rap atual está praticamente 90% tomado pelos beats de trap e 808. Mesmo no funk no Brasil a frequência que mais prevalece nos beats é o grave”, diz.
A ideia por trás de tanto grave, ele conta, é literalmente empurrar os ouvintes. “As frequências graves e batidas, o ‘vento’ que sai dos falantes faz naturalmente as pessoas se mexerem. Um beat envolvente pode ter efeito hipnótico”, explica.
Um estudo de 2014 sobre os efeitos psicológicos de diferentes gêneros nos ouvintes, feito por pesquisadores da Northwestern University, de Illinois, nos Estados Unidos, aponta efeitos ainda mais amplos de um baixo potente. A pesquisa publicada no artigo “The Music of Power: Perceptual and Behavioral Consequences of Powerful Music”, de 2014, revelou que músicas com os graves mais “pesados” geravam mais sentimentos de “poder” nos ouvintes.
Culto
Num artigo publicado em junho de 2015 pelo site “Pitchfork”, o músico Damon Krukowski, do duo norte-americano de indie rock Damon & Naomi, sugeriu que o culto do subwoofer também tem a ver com as tecnologias digitais. Elas permitiram reproduzir fielmente as frequências mais graves que o vinil, por exemplo, não era capaz de reproduzir.
“Pressão”
O mercado para os graves é bem representado pelos populares subwoofers dos sistemas de surround. A música com “pressão” e os dispositivos capazes de reproduzi-la caíram no gosto popular. Não à toa, no ano passado a gigante Apple pagou US$ 3 bilhões pela fabricante de fones de ouvido Dr. Dre – conhecida por simular graves pesados.
Cócegas no cerebelo
Uma das explicações para a força dos graves sobre as pessoas é do pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Comunicação Sonora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) José Fornari. Para ele, o efeito tem a ver com o funcionamento da audição. O pesquisador explica que os graves estão próximos da fronteira em que deixamos de ouvir o tom e passamos a ouvir o intervalo de tempo entre os sons, ou o ritmo. Como a percepção rítmica é feita pelo cerebelo, os sons graves são processados ali também.
“A sensação rítmica é processada pelo cerebelo, que também processa o movimento corporal voluntário, o senso de sincronização e, segundo alguns autores, a sensação de satisfação/prazer”, explica Fornari, em entrevista por e-mail à Gazeta.
Estes mecanismos da audição ajudam a explicar, aliás, por que são os graves desempenham o papel rítmico na música de várias partes do mundo, desde os registros mais antigos.
Um estudo publicano no ano passado pelo McMaster Institute for Music & the Mind – um grupo canadense multidisciplinar de pesquisadores dedicados a questões que ligam a música e a mente – apontou que o cérebro tinha mais facilidade para detectar irregularidades rítmicas nas teclas mais graves do piano do que nas agudas. Quando o mesmo estudo pediu que voluntários batessem os dedos conforme ritmos eram apresentados com diferentes sons, a tendência era que as pessoas seguissem os timbres mais graves.
“Cabe aos sons dos baixos, os sons graves, a função de condução do ouvinte em toda a experiência, pois é a partir dessa percepção que cada pessoa é levada para lugares mais profundos ou permanecem na superfície”, diz a professora de Musicoterapia na Unespar-FAP Clara Márcia Piazzetta. “Se pensarmos na experiência da escuta musical como um espaço aberto e flexível, o som das notas do baixo é o condutor, como um motorista que sabe o trajeto que a música vai percorrer. Em que lugar será esse trajeto, como é esse cenário e que cores compõem a imagem são preenchidos pelo ouvinte”, explica a professora, lembrando que a percepção e cognição musical “ocorre pela fusão da escuta e da sensação motora, do movimento que o corpo faz quando escuta música”.
Isso nos leva de volta ao cerebelo, citado por Fornari como o responsável pela sincronia dos movimentos corporais. “Por isso que, numa banda, o baixo cumpre a função de ser uma ‘ponte musical’ entre a bateria (ritmo) e a guitarra (tonalidade/harmonia)”, diz o pesquisador.
Amamos tanto os graves, portanto, por motivos que nos escapam. Guarde esta explicação de Fornari para o dia em que você for flagrado marcando com a cabeça o último groove do Justin Bieber: é o baixo influenciando “o sistema vestibular, conectado à cóclea, que é responsável pelo equilíbrio corporal”.
Loudness
José Fornari diz que a tendência de reforço exagerado dos graves nas produções de hoje é conhecida como “guerra do loudness” – palavra que define a “percepção da intensidade sonora”. “A indústria musical verificou que faixas musicais com mais loudness tendem a agradar mais o ouvinte padrão e assim a vender mais.”