Tem muita gente esclarecida celebrando supostos efeitos colaterais positivos da disseminação da Covid-19 no meio ambiente. É preciso ser honesto e dizer que, desde o início da quarentena, não li nenhum comentário, análise ou artigo que deixasse subentendido ou evidente que “perdas humanas seriam necessárias para salvar o meio ambiente”. Ainda não encontrei nenhuma publicação fomentando despopulação humana por meio do vírus chinês – apesar de saber que este é o desejo de muitos globalistas e ambientalistas radicais, de neomalthusianos extremados aos ecofundamentalistas radicais do tipo Extinction Rebellion.
Acho que nem econazistas seriam tolos o suficiente para confessar algo tão sinistro. A maioria dos comentários que estão aparecendo na imprensa nacional e internacional faz referência, por exemplo, ao fato óbvio de que ruídos e poluição do ar têm diminuído nas grandes cidades. Isso é ótimo: quem vai dizer que não? Mas a pergunta é: isso ocorre à custa de quê, de quem e de quantos? A poluição diminui a despeito da falência, do desemprego, do desespero, da humilhação, da dependência do Estado de quantos e por quanto tempo? Além da diminuição real da poluição, como era de se esperar, o carro-chefe das comemorações do ativismo “verde” giram em torno da drástica redução das emissões de gás carbônico, com níveis já quase abaixo do que o mundo emitiu nos anos 1990. Nem o Protocolo de Kyoto de 1997, nem a crise econômica mundial de 2008, nem o Acordo de Paris em 2015 obtiveram tais marcas.
Conforme centenas de pesquisadores céticos têm mostrado (ver, dentre outras, as publicações do Heartland Institute), além de esta redução nas emissões de CO2 não significar absolutamente nada do ponto de vista de alteração no clima da Terra (nem para frio, nem para quente), e do fato de não haver crise climática alguma, mas apenas propaganda multimilionária, bancada por governos e investidores dos novos mercados “verdes”, as consequências da paralisação econômica (e, por conseguinte, a redução nas emissões) significam problemas sérios para veganos e carnívoros; petistas e bolsonaristas; empresários e desempregados; aquecimentistas e esfriacionistas do clima.
A desgraça viral e o bloqueio econômico suicida estão ressuscitando a utopia ecossocialista, de vertente mística, utilitarista e totalitária. Para se ter uma ideia da dimensão cultural que fomenta e é simultaneamente alimentada pelo pacote da coronacrise, semana passada li artigo de divulgação “científica” de pesquisadores brasileiros, apontando que, se a teoria de Gaia (o planeta Terra como organismo vivo) estiver correta, a pandemia pode ser explicada como possível vingança da Mãe Terra (Gaia) contra os erros ecológicos da humanidade. Também existem aqueles que consideram os humanos como o verdadeiro vírus que assola a vida na Terra. Para outros, somos o câncer da Terra.
Ou seja, achar que a Amazônia é o pulmão e o termostato da Terra é peixe pequeno. Pergunto: quais as implicações mais prováveis (ou inevitáveis) destas cosmovisões, se aplicadas na vida real das relações humanas, de mercado e em políticas públicas? Esperança e prosperidade ou perseguição, controle e até extermínio humano “ecologicamente justificado”?
Outra coisa também me chama a atenção. Aos que enxergam benefícios ambientais durante e após a coronacrise, aquilo que considero um dos piores aspectos da situação atual é, para estes, seu alvo predileto de contemplação e motivo de comemoração: medidas autoritárias, de cima para baixo, que cerceiam liberdade individuais e precipitam a maior recessão econômica global da história.
Apesar de reconhecerem a dor e sofrimento humano, essas pessoas se enchem de esperança, porque creem que a humanidade está aprendendo muitas coisas, como, por exemplo, saber que é possível viver com menos, com poucos recursos materiais e bens de consumo. Acreditam que só na direção da descarbonização surgirá um mundo ecologicamente equilibrado e socialmente justo. Acreditam no impossível: que estas transformações, via engenharia social, farão surgir um novo ser humano, talvez um Homo ecologicus, dotado de natureza interior ilibada. Não percebem que, apesar dos avanços tecnológicos e científicos, de toda a história da humanidade, a natureza humana, em sua essência, permanece a mesma: sempre foi e será moralmente corrupta, egoísta e dominadora, ainda que também sejamos capazes e desejosos de amar, de querer fazer o bem aos outros. Isso vale para todos, dos indígenas não contactados da Amazônia aos bilionários que andam de jatinho particular.
Para a utopia ecossocialista, é necessário pegar carona no vírus e continuar o desmantelamento do capitalismo, acima de tudo, com o objetivo de evitar a maior e iminente catástrofe da história humana na Terra, na versão deles: um ecocídio via mudanças climáticas antropogênicas.
Sobre os efeitos societários após a pandemia, em um aspecto concordamos: tudo que está acontecendo serve, oportunisticamente, de exercício, treino, experiência (e abre precedentes) para o avanço de uma governança global ainda mais poderosa sobre recursos naturais, territórios e povos. Se o sonho ecossocialista-globalista avançar, preparem-se para viver cada vez mais sob regras ecotirânicas (não negociáveis e não violáveis) em futuro não muito distante. Um dos próximos passos deverá ser a implementação de um imposto global sobre o consumo direto ou indireto de combustíveis fósseis. A tal da medição das pegadas de carbono.
É possível que o bom cidadão chinês, monitorado e classificado por pontos pelo Partido Comunista, seja um modelo para o cidadão-global-ecologicamente-correto de um futuro próximo. Este também será monitorado, vigiado, sancionado ou recompensado, na medida em que se submeter ou não às regras universais da governança ecológica-econômica global – creio que muito semelhantes ao que está colocado em tratados e documentos da ONU, como a Agenda 21 e, mais recentemente, os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Por fim, assim como o pânico do vírus está legitimando e sendo oportunisticamente usado para controle estatal exacerbado, autoritarismo de lideranças políticas, perda de liberdades individuais, destruição da propriedade privada e da economia de mercado, o pavor imaginário das mudanças climáticas globais servirá a propósitos (eco)fundamentalistas, (eco)mênicos e totalitários semelhantes, de um eventual governo global. Ou, se preferir, da nova ordem (eco)mundial em curso.
Rodrigo Penna-Firme, biólogo, mestre em Ciências Ambientais e Florestais e PhD em Antropologia, é professor do departamento de Geografia e Meio Ambiente da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
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