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Autoginofilia

Por que transgêneros preferem a narrativa da “essência feminina” à ciência

Autoginofilia: uma explicação científica para a disforia de gênero que vai muito além da narrativa da essência feminina. (Foto: Pixabay)

Ativistas transgêneros costumam dizer que homens que querem se apresentar como mulheres (ou transgêneros MtF - Male to Female) têm uma identidade de gênero feminina provavelmente inata que está em conflito com o sexo biológico deles. Tais homens, dizem os ativistas, são “mulheres presas num corpo masculino” e, portanto, são candidatos ao chamado “tratamento de afirmação de gênero”: remédios, hormônios e cirurgias que não mudam o sexo, mas que os ajudarão a imitar a aparência feminina. Esse argumento é chamado de "narrativa da essência feminina”.

Os ativistas mencionam essa teoria como se ela fosse um dado científico. Mas a narrativa da essência feminina entra em conflito com outra teoria que goza de muito mais provas empíricas, que explica boa parte da disforia de gênero e que representa a esperança de um tratamento psicológico.

Autoginofilia

No começo dos anos 1990, o dr. Ray Blanchard cunhou o termo “autoginofilia” para se referir à condição na qual um homem demonstra uma “propensão a se sentir eroticamente excitado pela imagem de si mesmo como mulher”. O dr. Blanchard, hoje aposentado, foi chefe do Departamento de Sexologia do Central de Saúde Mental de Toronto, no Canadá. Médico internacionalmente aclamado por ajudar pacientes com vários transtornos relacionados à identidade de gênero e orientação sexual e colaborador em partes importantes da 5ª edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (o DSM-5), Blanchard tem décadas de experiência na área.

A autoginofilia é diferente da homossexualidade. Na verdade, os autoginófilos frequentemente interagem sexualmente com mulheres e se apresentam como “lésbicas” depois de fazerem a “transição” para o sexo oposto. A característica marcante é a atração erótica do paciente não por outra pessoa, seja ela homem ou mulher, e sim por uma ideia interior de si mesmo enquanto mulher. Entre os muitos casos por ele estudados, Blanchard descreve um paciente que se sentia sexualmente excitado por funções fisiológicas femininas como a menstruação.

Isso parece se aplicar a Jonathan/Jessica Yaniv, um canadense — em vários momentos se dizendo mulher — que sonha em estabelecer uma “relação” com jovens meninas em banheiros e vestiários fazendo perguntas sobre absorventes e outros produtos de higiene feminina. Foi a mesma pessoa que exigiu, sob pena da lei, que funcionárias de salões de beleza depilassem seus órgãos geniais e que demonstra uma obsessão assustadora pela fisiologia feminina.

Pode-se entender melhor essa condição por meio da análise do Twitter de transgêneros e cross-dressers (homens que se vestem como mulheres). Os tuiteiros homens trocam mensagens animadas sobre suas fantasias sexuais, todas tendo a si mesmos como mulheres; eles debatem os prós e contras de não se usar sutiã; e discutem como usar hormônios para simular tensão pré-menstrual, algo que as mulheres biológicas jamais fazem. Eles se empolgam com a ideia de estarem entre mulheres — só mulheres — e de copiarem a “essência feminina” delas. Como a feminista lésbica Lara Adams-Miller observa, isso não tem a ver com identidade de gênero; isso tem a ver com fantasias sexuais nas quais as mulheres aparecem apenas como acessórios.

Blanchard explica ainda que toda disforia de gênero MtF é resultado (ou está associada) ou da autoginofilia ou da homossexualidade.

Outros médicos concordam e têm explorado ainda mais as teorias de Blanchard sobre a disforia de gênero. O professor de psicologia dr. Michael Bailey, da Northwestern University, por exemplo, escreve sobre a autoginofilia e sua relação com a disforia de gênero, concluindo que as provas que baseiam a obra de Blanchard são bem mais numerosas do que as que tratam da narrativa da essência feminina.

Mas os ativistas transgêneros atacarão impiedosamente todos os que sugerirem que os indivíduos com disforia de gênero talvez não tenham o cérebro do sexo oposto ou que eles sofram de qualquer tipo de transtorno. O Twitter pôs mais lenha na fogueira ao proibir Blanchard de expressar sua opinião médica, considerando-a “conduta odiosa”. Ainda que Blanchard e Bailey acreditem que alguns pacientes adultos podem se beneficiar da chamada “terapia de afirmação de gênero”, talvez até com cirurgias, a posição deles de que a disforia de gênero geralmente está associada à autoginofilia os impede de travarem um debate educado em meio a uma multidão radical.

Por que os ativistas trans rejeitam com tanta veemência o conceito de autoginofilia? Bailey sugere várias possibilidades. Os indivíduos com disforia de gênero talvez tenham medo de que lhes seja negada a “cirurgia de redesignação sexual” se a motivação deles for a satisfação erótica, e não a certeza de que são de fato mulheres. Eles talvez temam ser considerados pervertidos sexuais. Ou talvez acreditem que a narrativa da “essência feminina”, ainda que sem base, seja mais aceitável pelo público e, portanto, abra caminho para que outras pessoas com disforia de gênero sejam aceitas em terapias de afirmação de gênero.

Médicos também podem preferir negar a autoginofilia, aceitando a narrativa da essência feminina. Como nota Bailey, eles podem hesitar em convencer os pacientes que insistem que são mulheres com cérebros femininos e não homens simplesmente atraídos eroticamente pela ideia de serem mulheres. Os médicos talvez se sintam “mais à vontade com a ideia de sugerir a cirurgia de redesignação sexual por motivos relacionados ao gênero, e não ao erotismo”. E eles também talvez acreditam que “a narrativa da essência feminina pode ser benéfica para a saúde psicológica e a interação social dos pacientes, mesmo que isso não corresponda à etiologia real do desejo deles pela redesignação”.

"Mas e daí?", alguém pode perguntar. Se um homem é mais feliz copiando uma mulher, seja qual for o motivo, por que não permitir (e, como médicos proponentes da teoria afirmativa de gênero ressaltam, ganhar algum dinheiro com isso?). Primeiro porque, como diz Bailey, impedir a investigação científica por meio da pressão política impede o progresso objetivo da ciência. Além disso, negar a validade da teoria da autoginofilia pode ser prejudicial a pacientes que sofrem de disforia de gênero por negar-lhes acesso a terapias capazes de ajudá-los a resolver problemas específicos. “Transexuais MtF homossexuais e não-homossexuais [autoginófilos] têm problemas e objetivos de vida diferentes e a insistência na crença de que eles são iguais impede o desenvolvimento de intervenções clínicas capazes de beneficiar os pacientes”, diz Bailey.

Bailey também argumenta que a hostilidade reservada a todos que sugerem a existência da autoginofilia — hostilidade que emana, acredita ele, sobretudo de “autoginófilos em negação” — “diminui a probabilidade de os autoginófilos encontrarem recursos capazes de ajudá-los a se entenderem, obriga-os a se esconderem, invalida sua autoimagem e reforça a sensação de vergonha”. Esses homens não pediram para ser assim — as raízes do transtorno são profundas e complexas — mas eles podem ter uma vida melhor por meio da terapia adequada. Para tanto, a sociedade tem de reconhecer o transtorno pelo que ele é e oferecer ajuda de verdade, sem se submeter à ideia de que o sofrimento é perfeitamente normal.

Além de permitir o desenvolvimento de terapias melhores, o reconhecimento da autoginofilia deve orientar a sociedade rumo à implementação de políticas mais adequadas. O transtorno ilustra um motivo especial (outro que não a proteção da privacidade das mulheres) para se proibir que homens biológicos possam usar espaços privados femininos como banheiros e vestiários. Como ficou claro no caso de Yaniv, nem todo transexual MtF é um indivíduo inofensivo que se vê como mulher e que, assim, tem vergonha de manifestar um comportamento pessoal perto de homens. Ao contrário, ele pode sofrer de um transtorno que o leva a ameaçar a privacidade de meninas e mulheres de uma forma ainda mais perigosa do que sua simples presença.

Como conclui Adams-Miller a partir de tuítes, os autoginófilos “querem estar ‘do outro lado’, para além dos limites que separam homens e mulheres”. Uma sociedade que permite — e até celebra — a erradicação desses limites é uma sociedade que não defende de fato as mulheres.

Para ajudarmos indivíduos que sofrem de disforia de gênero e para formularmos as melhores políticas para lidarmos com o transtorno, temos de saber o que o causa. Precisamos de mais informações — não de conclusões politicamente corretas que desafiam as provas científicas. Mais importante, precisamos entender direito o que significa ser um ser humano saudável. Sacrificar mulheres e meninas às fantasias eróticas de indivíduos com doenças mentais não deve ser uma opção.

Jane Robbins é escritora e advogada formada pela Faculdade de Direito de Harvard.

© 2019 Public Discourse. Publicado com permissão. Original em inglês

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