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Cooperação

Por que você deveria agradecer mil pessoas por sua xícara matinal de café

Ao redor do mundo, mais de dois bilhões de xícaras de café são bebidas diariamente e mais de 125 estão envolvidas com a indústria do café. (Foto: Pixabay)

O escritor A.J. Jacobs quer que você saiba que sua xícara matinal de café é um milagre da cooperação humana. Em seu livro Thanks A Thousand: A Gratitude Journey [Mil agradecimentos: uma jornada de gratidão], Jacobs escreve: “Essa maravilha que tenho diante de mim é resultado de milhares de seres humanos cooperando em dezenas de países”. Ele continua:

Ele usa o trabalho combinado de artistas, químicos, políticos, mecânicos, biólogos, mineiros, transportadores, contrabandistas e pastores.

Ele requer o uso de aviões, navios, caminhões, motos, vans, pallets e ombros.

Ele precisa de centenas de matérias-primas – aço, madeira, nitrogênio, borracha, sílica, luz ultravioleta, explosivos e guano de morcego.

Ao redor do mundo, mais de dois bilhões de xícaras de café são bebidas diariamente e mais de 125 milhões de pessoas são empregadas na indústria do café. Toda essa atividade econômica ocorre sem que haja uma orientação centralizada.

Gratidão pelo que não podemos criar sozinhos

Jacobs percebeu que a gratidão era algo escasso em sua vida. Sua “mentalidade deficitária”, disse ele, “geralmente o deixava de péssimo humor”.

Vou me esquecer das centenas de coisas que dão certo todos os dias e me ater às três ou quatro que dão errado. Eu pensava isso automaticamente passava mais de 50% do meu dia com raiva ou furioso.

Ao perceber que sua “negatividade” era “uma forma ridícula de viver”, Jacobs decidiu agradecer ao menos mil pessoas envolvidas na produção de sua xícara de café matinal — do barista que o serve ao produtor que cultiva os grãos na Colômbia.

Jacobs entrevistava aqueles a quem agradecia. Nessas interações, essas pessoas se tornavam mais do que seres invisíveis aqui na Terra para satisfazer os desejos do autor. Ele descobriu que o barista na sua cafeteria local tinha dificuldades para trabalhar de pé durante seu turno; seus pés tinham sido esmagados num acidente.

Ao visitar uma indústria, ele viu quão difícil e perigoso era o trabalho lá.

Há um cheiro permanente de enxofre na indústria, um cheiro que encharca os cabelos e as roupas dos funcionários e que eles exalam pelos poros quando suam.

Conhecimento especializado

Depois de conversar com Ed, o comprador de café da cafeteria local, Jacobs escreveu:

Talvez eu não seja capaz de admirar as sutilezas, mas, de alguma forma, sei que a sabedoria de Ed na escolha dos melhores grãos me beneficia. O próprio fato de Ed pensar detidamente no meu café é, em parte, o motivo para eu não ter de pensar nisso. Por isso é que é difícil manter uma postura de gratidão e é também por isso que ela requer tanto esforço e dedicação: quando algo é bem feito, o processo por trás se torna em grande parte invisível.

Você já parou para pensar em como o café é torrado? Os grãos são jogados numa máquina e uma pessoa os tira assim que o timer soa? Nada disso, explica Jacobs:

Não basta ligar a torradeira a 350 graus e sair para fazer as palavras-cruzadas, explica [o torrador]. Cada minuto do ciclo de torra de doze minutos deve ser feito a uma temperatura diferente para se produzir o café ideal. Você precisa de alguém ajustando a temperatura, um funcionário monitorando isso segundo a segundo.

Ao tornar o invisível visível, Jacobs explica por que nos falta gratidão. Como nossas expectativas são cumpridas o tempo todo, não admiramos o milagre da cooperação humana.

Os benefícios da gratidão

A gratidão, assim como o amor pelo aprendizado, são as características que mais indicam bem-estar emocional. Um estudo divulgado pela Scientific American descobriu que a gratidão é um indicativo melhor do que 24 outros atributos de bem-estar, entre eles humildade, esperança, amor, perdão, honestidade e gentileza.

Robert Emmons é um dos principais pesquisadores sobre a gratidão. Em seu livro The Little Book of Gratitude [O livrinho da gratidão], ele escreve:

A vida grata só é possível quando percebemos que outras pessoas e agentes fazem coisas por nós, coisas que não poderíamos fazer sozinhos. A gratidão emerge em duas etapas do processamento de informações — afirmação e reconhecimento. Afirmamos o bem e damos crédito aos outros por eles gerarem esse bem. Na gratidão, reconhecemos que a fonte de bondade está fora de nós mesmos.

Se você espera o alinhamento de estrelas para se sentir mas grato é porque você inverteu a causa e o efeito. Jacobs cita o monge beneditino David Steindl-Rast, que diz “a felicidade não leva à gratidão. A gratidão leva à felicidade”.

Jacobs conversou com o psicólogo Scott Barry Kaufman, da Universidade de Colúmbia, que lhe explicou que:

A gratidão é capaz de mudar nossa percepção do tempo, retardando-o. Ela é capaz de fazer com que nossas irritações cotidianas desapareçam, ao menos por algum tempo.

Algumas pessoas, como Barbara Ehrenreich escrevendo para o New York Times, acreditam que a gratidão impede que as pessoas sejam “solidárias” com os menos afortunados. Pessoas gratas são “falsas”, escreve Ehrenreich, se sentem gratidão por empreendedores ricos.

Pesquisas mostram que Ehrenreich está completamente errada. Kaufman disse a Jacobs:

Pesquisas mostram que as pessoas são mais generosas e solidárias quando se sentem gratas.

Difamadores do capitalismo, aprendam: quando as pessoas demonstram gratidão por empreendedores que enriqueceram suas vidas, elas se tornam mais, e não menos generosas.

A tampa e a luva

Como não bebo café, não podia ter imaginado quão essencial é a tampa de um copo de café para viagem. Escreve Jacobs:

Quando pesquiso o nome da tampa — “Viora” — descubro que estou bebendo meu café usando uma tampa de primeira. A Viora é uma novidade, mas já esteve presente em publicações técnicas como a Wired e Gizmodo. Ela é uma espécie de Tesla do mundo das tampas.

As tampas Viora são superiores porque simulam a experiência de se beber de uma xícara de cerâmica. As cafeterias buscam tampas melhroes porque elas melhoram a experiência para o consumidor. Jacobs descobriu que:

como em tudo o que a gente considera normal, os seres humanos investiram uma quantidade enorme de cuidado e inteligência para criar esse despretensioso pedaço de plástico.

O inventor da tampa Viora explicou a Jacobs sua dificuldade como empreendedor:

Ninguém queria fabricar aquele buraco com a forma estrada. Todos lhe disseram que era impossível.

Empreendedores como Viora persistem para satisfazer às necessidades dos seus consumidores.

Depois de aprender mais sobre as tampas, Jacobs começou a admirar “todos as obras obras-primas do design industrial ocultas na minha vida”.

E quanto à luva que impede que você queime sua mão? A luva é uma novidade na experiência de se beber café. A primeira luva, chamada Java Jacket, chegou ao mercado em 1992. Jacobs começou a refletir sobre a complexidade da “simples” luva:

Quando reflito sobre a quantidade de pessoas para as quais devo gratidão, fico até tonto. Há o pessoal da fábrica de papel onde o papelão é feito. Os lenhadores que cortam as árvores para usar a polpa. Os metalúrgicos que fabricam as serras usadas pelos lenhadores. Os mineradores que usam o ferro, que depois vira aço usado nas serras.

Referência ao famoso ensaio “Eu, lápis”

Se você acha que o livro de Jacobs parece uma versão estendida do ensaio “Eu, lápis”, você tem razão. Enquanto escrevia o livro, um amigo enviou a Jacobs uma cópia do ensaio. Jacobs escreveu:

Quando comecei a ler o ensaio, fiquei assustado com a semelhança dele em relação ao meu projeto falando do café – tirando a parte da gratidão e da cafeína.

Jacobs não leu com atenção o texto de Leonard Read. Ele não percebeu a gratidão que não permeia apenas “Eu, lápis”, mas todos os textos de Read. No começo de “Eu, lápis”, Read dá voz ao lápis para que ele diga:

Infelizmente, sou menosprezado por aqueles que me usam, como se eu fosse mero acaso e não tivesse uma origem.

Do ponto de vista do lápis, Read mostra ao leitor forças maiores do que nossas mentes são capazes de compreender: os milagres da cooperação humana espontânea que tornam nossa vida contemporânea possível.

Bem diferente de Read, Jacobs concluí:

Tive a reação oposta. Descobri, ao investigar as origens de um lápis ou xícara de café, que precisamos de políticos inteligentes e visionários para nos guiar.

Seguidas vezes, a jornada de gratidão que Jacobs descreve revela que, na busca por lucros, as empresas são motivadas a agir em nome dos consumidores. Sem perceber a lição de sua jornada, Jacobs escreve: “Defendo o planejamento de longo prazo para equilibrar a ganância dos acionistas por lucros imediatos”.

A fé em governos visionários parece quase obrigatória para Jacobs, e não um pensamento profundo. Queria explicar para Jacobs por que não existem visionários que, com brilhantismo, nos guiam até o futuro. Também explicaria por que as boas intenções dos políticos não importam e que eles só atrapalham.

Read usa essa afirmação duas vezes em “Eu, lápis”: “Se você perceber o milagre que simbolizo, será capaz de ajudar a salvar a liberdade que a Humanidade está, infelizmente, perdendo”. Jacobs talvez devesse reler seu próprio livro. Acho que o livro dele ainda é capaz de instilar no leitor uma fé profunda no que as pessoas livres são capazes de realizar. Escreve Read:

Porque, quando se sabe que todo esse conhecimento vai naturalmente, sim, automaticamente se organizar em padrões criativos e produtivos em reação às necessidades e demandas humanas — isto é, sem um governo ou qualquer orientação coerciva — a pessoa tem um ingrediente absolutamente fundamental da liberdade: uma fé nas pessoas livres. A liberdade é impossível sem essa fé.

Não importa o fato de Jacobs sentir que tem de acrescentar uma homenagem ao governo; Thanks a Thousand: A Gratitude Journey é um belo caso de estudo sobre como pessoas livres cooperam, sem orientação, a fim de melhorar a vida de todos nós.

Barry Brownstein é professor emérito de economia e liderança na Universidade de Baltimore.

© 2020 FEE. Publicado com permissão. Original em inglês

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