Deu (até) no New York Times. Em agosto de 2022, seis semanas antes das eleições presidenciais brasileiras, o jornal americano noticiou um entrevero envolvendo Jair Bolsonaro e o youtuber Wilker Leão, que o chamou de “tchutchuca do centrão”.
Na ocasião, Leão ainda o xingou de “covarde” e “vagabundo”. E disse que, se o presidente continuasse a “fazer tudo o que a esquerda a faz”, o PT voltaria ao poder.
Irritado, Bolsonaro puxou o rapaz pela gola da camisa e tentou pegar o celular com o qual ele gravava o episódio. Mais tarde, aconselhado por assessores, o mandatário retornou ao “cercadinho” do Palácio da Alvorada e os dois tiveram uma conversa mais tranquila.
A confusão foi assunto de vários outros veículos internacionais, que se esforçaram para entender e traduzir a palavra “tchutchuca”. Também serviu de trampolim para a carreira do youtuber, agora novamente em evidência na imprensa graças a sua verve provocadora.
Desta vez, no entanto, seu alvo é a esquerda. Formado em Direito, Wilker Leão atualmente cursa uma segunda graduação em História na Universidade de Brasília (UnB), onde tem incomodado alunos e professores militantes por gravar as discussões acaloradas que trava em sala de aula.
Há cerca de 20 dias, uma docente registrou um boletim de ocorrência informando que Leão registra suas falas sem autorização e posta trechos fora de contexto nas plataformas virtuais. E, no início desta semana, ele divulgou em suas redes o print de um grupo de WhatsApp em que colegas combinam de agredi-lo fisicamente.
“Tem que dar porrada num otário desses”, “Geral [tem de] se juntar e encher ele de porrada” e “Violência não é a resposta, ela é a pergunta, e a resposta é sempre sim”, são algumas das frases incluídas no diálogo que vazou.
“O ambiente democrático da universidade pública é assim: ou você se submete ao status quo ou a violência é o que te espera. Esses são meus amorosos colegas do Centro Acadêmico de História da UnB. E essa primeira imagem é apenas uma síntese da conversa que recebi”, disse o youtuber no X.
Ao contrário do que a polêmica com Bolsonaro pode indicar, Leão é assumidamente de direita, conservador e “entusiasta do militarismo”. Inclusive foi cabo do Exército por oito anos e prestou assessoria jurídica para praças antes de se dedicar exclusivamente à produção de vídeos (seu ganha-pão vem da monetização de conteúdos na internet).
Conhecido por fazer perguntas desconcertantes e irônicas para políticos, no estilo de “trolagem” popularizado pelo programa do ‘CQC’ e os ativistas do MBL, Wilker tem feito sucesso em sua fase universitária devido a uma certa inversão de papéis.
Explica-se: nos registros das aulas, quem proporciona o entretenimento não é ele – e, sim, os professores e colegas, cujas opiniões seguem tão à risca a cartilha politicamente correta que parecem saídos de um esquete de humor caricato.
Durante uma discussão antropológica, por exemplo, Leão pergunta se não é positivo ensinar hábitos de higiene para comunidades mais isoladas, justificando, pela via da ciência, que as pessoas poderiam evitar doenças se adotassem hábitos simples, como lavar as mãos.
“Higiene é relativo. Achar que, necessariamente, lavar as mãos é melhor é uma coisa situada no tempo e no espaço. É situada numa concepção de higiene que está muito relacionada ao processo civilizador. A ciência também é situada, nem todo mundo caminha pela ciência”, afirma a professora. E uma aluna arremata: “A ciência é uma produção ocidental”.
Universidade antecipou o encerramento de uma disciplina para evitar gravações
A rejeição aos questionamentos levantados – e gravados – pelo youtuber chegou ao ponto de uma docente de Psicologia solicitar o cancelamento dos encontros presenciais.
“Em virtude dos acontecimentos recentes em nossa disciplina e com o objetivo de evitar constrangimentos e perdas pedagógicas, decidimos, em concordância com a coordenação, finalizar o curso por meio de atividades que serão postadas no SIGAA [uma plataforma online]”, diz a professora em uma mensagem via WhatsApp divulgada por Wilker Leão.
Em entrevista à Gazeta do Povo, o advogado e militar da reserva afirma que não comete ilegalidades ao registrar as aulas. Além de gravar apenas seu rosto (mestres e estudantes nunca aparecem, apenas suas vozes), ele garante que disponibiliza versões integrais das discussões em seu canal (mas há dezenas de “cortes” editados postados nas redes sociais).
“Existe uma norma administrativa da universidade que proíbe gravações em sala de aula, mas ela é ilegal, fere a Constituição”, diz. E acrescenta: “Alguns dizem que estou violando as leis de direitos autorais, o que, no máximo, é passível de ressarcimento financeiro”.
A reportagem da Gazeta do Povo entrou em contato com a assessoria de comunicação da UnB na última terça-feira (27), em busca de um posicionamento da instituição – principalmente com relação às ameaças de agressão contra Wilker. Mas, até a conclusão deste texto, não obteve nenhum esclarecimento.
Enquanto isso, o youtuber segue em sua cruzada para mostrar como a doutrinação ideológica corre solta no ensino público superior. “Nunca se esqueçam que milhões de reais dos nossos impostos sustentam esse tipo de aula”, diz em seu canal, que já conta com mais de 660 mil inscritos.
Senador Randolfe Rodrigues já “roubou” o celular de Wilker no Congresso
Filho de um açougueiro e uma dona de casa, Wilker Leão nasceu em Redenção (PA), passou por Palmas (TO) e chegou a Planaltina (DF) ainda criança. Hoje, aos 28, vive com a mulher na Asa Norte de Brasília, onde concebe e edita seus materiais.
Sua trajetória no YouTube começou ainda nos tempos do Exército, quando postava conteúdos que pleiteavam melhores condições de trabalho para cabos e soldados. Em um desses vídeos, gravado no cercadinho do Alvorada, apresentou suas demandas para Jair Bolsonaro. Foi o primeiro encontro dos dois (o segundo, e último, está descrito no início deste texto).
Bolsonaro não gostou muito do que ouviu, apesar da abordagem muito respeitosa de Leão – que também levou suas demandas aos órgãos militares competentes, até ser punido com uma detenção.
“Mas continuo respeitando as Forças Armadas e tenho muito orgulho de feito parte delas”, afirma o youtuber, que cursou e se formou em Direito enquanto trabalhava em um setor administrativo do Exército.
Leão gravou mais de cem vídeos no cercadinho, entrevistando (e provocando) os apoiadores do presidente, antes do episódio que eternizou a expressão “tchutchuca do centrão”, originalmente criada pelo deputado federal Kim Kataguiri (União-SP) e agora usada contra o presidente Lula.
Aliás, Kataguiri e outros membros do MBL entraram em contato com Wilker e chegaram a oferecer uma bolsa em um dos cursos de formação de lideranças do movimento – mas as conversas não passaram muito disso.
Estimulado pela repercussão de sua briga com Jair Bolsonaro, ele começou a produzir uma série de vídeos no Congresso Nacional, em que questiona e cobra parlamentares de todas as vertentes ideológicas com seu estilo contundente.
O congressista que mais “caiu na pilha” foi o senador Randolfe Rodrigues (PT-AP). Em fevereiro do ano passado, o líder do governo se incomodou com a abordagem do youtuber e tomou seu celular. “O aparelho foi devolvido 15 minutos depois, cheio de bugs porque tentaram desbloquear”, diz.
Três dias depois, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) pediu ao Conselho de Ética a abertura de um inquérito contra o petista, por julgar sua conduta “incompatível com o decoro parlamentar e a compostura pessoal”.
“Político não pode ter zona de conforto”, afirma Leão, que chegou a se filiar ao União Brasil no início de 2022 para concorrer ao cargo de deputado distrital. “Entrei no União porque o Sergio Moro estava lá, parecia ser o partido da terceira via”.
Mas a candidatura morreu na praia. Manoel Arruda, presidente da legenda no Distrito Federal e hoje primeiro suplente da senadora Damares Alves (Republicanos-DF), não viu com bons olhos o desentendimento com Bolsonaro – e o ex-cabo acabou pedindo para se desfiliar.
Wilker Leão pretende voltar ao jogo político em 2026, dessa vez para disputar uma vaga de deputado federal. E, ao que tudo indica, vai bater forte na esquerda e no governo Lula.
“O Brasil vive no fundo do poço, mas agora está no subsolo do poço”, afirma, lamentando o aumento de impostos e o enfraquecimento do combate ao combate à corrupção, “que levou um ex-presidiário de volta à presidência”.