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Desde o início do ano até o dia 28 de agosto, foram realizados no Brasil 262 transplantes de coração, 20% a mais do que no mesmo período de 2022. Um deles teve como paciente o apresentador Fausto Silva, que esperou sete dias após entrar na lista. O tempo de espera variou bastante: 27,5% receberam um órgão em menos de 30 dias; 24,8% em 30 a 90 dias; 14,8% em três a seis meses; 18,3% esperaram de seis meses a um ano e os demais 14,5% precisaram aguardar por mais de um ano. Em outras palavras, em aproximadamente metade dos casos, os pacientes aguardaram no máximo três meses.
Mas por que esta diferença? E como Silva conseguiu ser atendido tão rápido? A explicação está nos critérios utilizados pelo Sistema Nacional de Transplantes (SNT) do Ministério da Saúde. A lista de espera segue a ordem de registro no cadastro, informa a instituição. E quem insere o paciente é sua equipe médica. Mas existem outros critérios que precisam ser levados em conta.
A compatibilidade genética, ou de peso e altura, influenciam. Assim como uma tipagem sanguínea mais rara tem menos pessoas na frente da fila — por outro lado, há potencialmente menos órgãos disponíveis. Além disso, pacientes em estado crítico são considerados prioritários.
Mas, se não estiverem em condições de resistir à cirurgia, a equipe médica pode recusar a doação, que é encaminhada então para outra pessoa. “Já aconteceu de uma pessoa entrar no sistema e conseguir um coração em duas horas”, relata Daniela Salomão, coordenadora geral do SNT.
A proximidade em relação ao órgão disponível é outro fator levado em consideração. Afinal, como explica Salomão, existe um tempo máximo entre a retirada do doador e o início da cirurgia no receptor. “Coração e pulmão têm o menor tempo: no máximo quatro horas da extração ao implante. Para o fígado, 8 horas. Transplante renal, 24 horas. Quanto menor o tempo, melhor o desfecho”.
Os órgãos são transportados em caixas térmicas, mantidas à temperatura de 4º C. No caso do coração, ele é submetido a uma solução que promove a parada controlada dos batimentos, até que ele seja reinstalado no paciente.
A triagem da relação entre oferta e demanda é feita de forma automatizada, informa a SNT. Os dados são cruzados na busca do melhor receptor, mais bem posicionado na fila, para cada situação, sem que haja interferência externa.
De janeiro a agosto, 11.908 pessoas realizaram transplantes de órgãos no Brasil. Aguardam um rim 37.082 pessoas, 25.491 estão na fila da córnea, 2.228 do fígado, 390 do rim, 380 do coração, 173 do pulmão e 49 do pâncreas, além de sete casos de necessidade de um transplante multivisceral.
O que significa que, ao todo, mais de 66 mil pessoas aguardam por um transplante no Brasil, segundo do Registro Brasileiro de Transplantes (RBT), da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO). São Paulo tem mais de 23 mil pessoas na lista, seguido por Minas Gerais, Rio de Janeiro e Paraná, que tem mais de 3.500 pessoas nesta situação.
Recomendação em vida
A filas formam uma lista única, válida tanto para pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) quanto para os da rede privada. As Centrais Estaduais de Transplantes gerem o sistema, a não ser que um órgão seja direcionado para outro estado — no caso, o SNT assume e transferência.
Existem no país, segundo a ABTO, aproximadamente 400 equipes médicas cadastradas para realizar transplantes. Em 90% dos casos, o procedimento é coberto pelo SUS, assim como o acompanhamento posterior.
Todo paciente que aguarda um órgão tem um número próprio de protocolo, que pode ser acessado a qualquer momento. “O sistema gera um prontuário eletrônico toda vez que chega uma oferta de órgão”, diz a diretora. Do ponto de vista dos doadores, as famílias precisam ser entrevistadas para autorizar a doação, enquanto a equipe médica avalia, em caso de morte encefálica, que órgãos poderiam, em tese, ser utilizados, e quais são contraindicados.
“A única forma de fazer crescer o número de transplantes é aumentar o total de doações”, diz Salomão. “Deixar claro, em vida, que se está disposto a doar órgãos, facilita o contato com os familiares”. Isso porque, segundo a legislação, qualquer pessoa pode ser doadora de órgãos no Brasil.
Mas a decisão final de doar cabe aos familiares. A taxa de recusa é alta: 47% das famílias se negaram, em 2022, a autorizar doações, acima do percentual histórico que fica em torno de 40%. A lei prevê que o corpo que passa por extração de órgãos seja reconstituído para manter a dignidade nos procedimentos funerários.
Exemplo na Espanha
O sistema público de transplantes brasileiro é o maior do mundo e surgiu, nos moldes atuais, em 1997, inspirado no modelo espanhol, considerado ainda hoje um dos mais avançados do planeta. Foi regulamentado pela Lei 9.434 de 1997 e, segundo o Ministério da Saúde, é à prova de adulterações — não há casos de denúncias de pessoas que furaram a fila.
A legislação prevê também a doação em vida. Nestes casos, o procedimento é realizado com autorização judicial e a pessoa que doa precisa ser juridicamente considerada capaz, e estar em boas condições de saúde. Ele pode disponibilizar doar um dos rins, parte do fígado, parte da medula ou parte dos pulmões. Em geral, portadores de doenças infecto-contagiosas ou tumores malignos não são aptos a doar.