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Scott Harrison, fundador da Charity: Water, que levanta fundos para levar água limpa a países em desenvolvimento, em seu escritório em Nova York. Sua organização começou há uma década se inspirando em empresas como Apple, Nike e outras do Vale do Silício. | DANNY GHITIS/NYT
Scott Harrison, fundador da Charity: Water, que levanta fundos para levar água limpa a países em desenvolvimento, em seu escritório em Nova York. Sua organização começou há uma década se inspirando em empresas como Apple, Nike e outras do Vale do Silício.| Foto: DANNY GHITIS/NYT

Este ano, enquanto você assiste TV ou checa sua caixa de correio, há boas chances de ver instituições de caridade pedindo dinheiro. Em algum momento, você vai acabar dando dinheiro para ajudar as vítimas do terremoto do Equador, da seca no Iêmen, ou de alguma outra causa importante.

Contudo, é estatisticamente pouco provável que você envie dinheiro para ajudar os refugiados sírios. Embora a crise na Síria seja uma história de partir o coração, ela não gerou muitas doações para a caridade. Uma das ONGs mais importantes do setor, a GlobalGiving, revelou que as pessoas tinham três vezes mais chances de doar para as vítimas do terremoto no Nepal em 2015, ou do tsunami no Japão em 2011, do que para aqueles que estão fugindo da guerra na Síria. Outras causas envolvendo refugiados têm resultados ainda piores. 

Isso é surpreendente, já que você provavelmente não conhece o Iêmen ou o Nepal, nem foi afetado diretamente por muitas das causas que apoia, mas é muito provável que tenha antepassados que eram refugiados ou imigrantes e há boas chances de que trabalhe ou viva perto de migrantes e suas famílias. 

Portanto, por que uma das questões mais importantes tem tanta dificuldade para atrair doações? 

A culpa é do marketing ruim. 

Há poucos anos, uma dupla de cientistas sociais do Reino Unido começou a se perguntar por que algumas instituições de caridade eram mais populares do que outras. Os pesquisadores, Jennifer van Heerde-Hudson e David Hudson – que são casados –, passaram anos estudando as formas pelas quais as instituições de caridade pediam doações. O bom senso sugeria que os apelos mais eficazes envolviam vítimas inocentes. 

“Crianças que perderam suas casas, famílias famintas, essas coisas que mexem com os sentimentos. Os anúncios que passam a ideia de que as pessoas vão morrer se você não ajudar. Todo mundo acha que é isso que funciona”, afirmou Hudson. 

Mas quando os pesquisadores observaram setores não filantrópicos, viram justamente o contrário. A Nike não diz que as pessoas devem fazer exercícios porque, do contrário, vão ficar gordas e morrer de um ataque cardíaco. Na verdade, a empresa utiliza histórias de pessoas amputadas que correm maratonas, para que você acredite que é capaz de mudar sua vida, e que só precisa comprar o par de tênis correto. 

Por isso van Heerde-Hudson e Hudson criaram duas campanhas de marketing para uma organização de caridade em Bangladesh. A primeira mostrava uma imagem de uma criança desnutrida e slogans como “Por favor, doe antes que seja tarde demais”. 

O outro não mencionava os problemas que a instituição tentava resolver. Na verdade, ele mostrava uma criança feliz, segurando uma placa que dizia “Futuro Médico”, afirmando que “se todos nós ajudarmos um pouco mais, podemos fazer uma grande diferença”. O anúncio pedia doações para “educar o próximo professor, agricultor, ou médico”. 

“O segundo anúncio fez muito sucesso. Os dados eram muito claros. Se você conseguir passar uma ideia de esperança, as doações aumentam”, afirmou Hudson. 

Em outras palavras, a falta de doações para os refugiados sírios não é só culpa sua. Você só não foi manipulado corretamente. 

Sala usada para experiências de realidade virtual na organização Charity: Water, em Nova YorkDANNY GHITIS/NYT

Para descobrir se existe algum método melhor, comecei a perguntar às organizações de caridade quem era o marqueteiro mais inovador do setor de filantropia. Todos me indicaram um grupo chamado “Charity: Water”. 

A Charity: Water, que arrecada fundos para distribuir água limpa para países em desenvolvimento, deu seus primeiros passos há uma década imitando os exemplos como a Apple, a Nike e empresas do Vale do Silício. “Quando começamos, o maior problema era que meus amigos diziam que dar dinheiro para instituições de caridade era deprimente”, afirmou Scott Harrison, que fundou a Charity: Water em 2006, depois de uma carreira promovendo casas noturnas.

“Então, criamos algumas regras: nenhuma foto de crianças tristes, nem de pessoas com moscas nos olhos. Não vamos usar a culpa, nem a vergonha. Só usamos slogans que as pessoas gostariam de usar em uma camiseta.” 

Uma das campanhas de marketing mais bem sucedidas da Charity: Water conta a história de uma menina de 15 anos chamada Natalia que é presidente do comitê de água de seu vilarejo em Moçambique. Nos anúncios, Natalia aparece em frente a um poço construído com fundos da Charity: Water, com os braços desafiadoramente cruzados e explicando como ela costumava caminhar quilômetros para buscar água, o que a obrigava a faltar na escola. Agora, com o poço no centro da comunidade, ela consegue ir à escola todos os dias. 

“Toda peça de marketing tem um herói. Talvez a heroína seja uma menina em um vilarejo. Talvez seja um operador de escavadeira. Ou talvez, se você fizer a doação, o herói seja você”, afirmou Lauren Letta, COO da Charity: Water. 

O marketing é a arte de contar histórias tão envolventes que as pessoas deixam de pensar em suas carteiras. E todo o marqueteiro sabe que essas histórias não podem ser muito complicadas. Por isso, outra regra na Charity: Water é que as soluções precisam ser apresentadas de maneira simples.

“Nossa abordagem é que a água é binária. Ou as pessoas estão bebendo água limpa, o que é bom, ou não estão, o que é ruim. Queremos que a escolha seja simples”, afirmou Harrison. 

Essa estratégia – que o grupo propaga por meio de anúncios on-line, campanhas em mídias sociais, solicitações por correio e até outdoors ocasionais – tem sido bastante eficaz. Ao longo da última década, a Charity: Water arrecadou US$252 milhões e apoiou 23 mil projetos em vilarejos e áreas rurais na África, Ásia e outras partes do mundo. 

Porém, a Charity: Water também atraiu críticas de pessoas que acreditam que o grupo simplificou demais um problema que é complicado. A água não é binária. Será que é bom que se construa poços em áreas onde grupos terroristas estão presentes? Faz sentido construir os poços em regiões remotas, onde a Charity: Water trabalha, ao invés de cidades maiores, onde vivem muito mais pessoas pobres? 

Entrada dos escritórios da organização Charity: Water, nova YorkDANNY GHITIS/NYT

“Há muita gente que pensa que a Charity: Water está se dedicando ao problema errado, ou que estão contando as histórias erradas. Mas o que eles fizeram foi convencer os americanos, especialmente os jovens, a se interessar pelas vidas de pessoas do outro lado do mundo. Deveríamos aprender com eles”, afirmou Patrice Martin, uma das pessoas responsáveis pelo IDEO.org, uma ONG que já trabalhou com a Charity: Water. 

Entretanto, talvez seja difícil aplicar algumas das lições do grupo a questões realmente complicadas, como o caso dos refugiados sírios. 

“Com um terremoto a coisa é fácil; todos são vítimas inocentes e têm um problema que alguma hora vai acabar”, afirmou Amanda Seller do Comitê de Resgate Internacional, destacando que até mesmo a frase “vítima inocente” segmenta de forma injusta a filantropia.

“Guerras e desastres causados pela humanidade são muito complicados, já que às vezes é difícil identificar vítimas e criminosos, assim como é difícil saber quando o problema vai acabar”, afirmou. 

Recentemente, visitei a sede da Charity: Water e pedi para que alguns de seus líderes analisassem algumas das campanhas de arrecadação para refugiados sírios. Reconhecendo que não são especializados no assunto, eles viram algumas coisas que poderiam mudar, concentrando-se não na mensagem, mas em como ela é passada. 

“Só estamos vendo fotos de crianças tristes, mulheres chorando, estatísticas assustadoras. Que histórias de sucesso eu posso contar? O que é sucesso neste caso? Como sabemos quando as coisas estão melhorando?”, afirmou Harrison. 

Se a Charity: Water fosse fazer uma campanha pelos refugiados sírios, provavelmente mostraria a foto de uma criança que conseguiu ter uma vida boa mesmo em meio ao caos. Seria esperançoso e otimista. Se você doar para a Charity: Refugee, saberia exatamente o que está comprando – dois cobertores e, digamos, 12 refeições, além de três livros infantis – então, você receberia fotos desses objetos nas mãos de refugiados, algo que as ONGs não costumam fazer, já que não gostam de ser limitadas nas formas de gastar o dinheiro recebido. 

A campanha da Charity: Refugee não tentaria explicar a política global, nem o complexo tribalismo da Síria. Em vez disso, a ONG faria você acreditar que tornou o mundo um lugar melhor com apenas alguns dólares. Isso ajudaria o doador a dormir à noite, ao invés de ter mais uma preocupação. 

Em outras palavras, seria uma ótima campanha de marketing. Poderia até ter frases chamativas que ficariam perfeitas em camisetas. E convenceriam mais pessoas a doar. O que, neste momento, é justamente o mais importante.

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