Era para ser tão-somente uma jogada de vôlei. Uma atleta recebe, outra levanta e um terceiro ataca a bola em direção à quadra adversária. Ao lado da quadra, o técnico da equipe reclama do ponto perdido e solta um palavrão depois de fazer uma constatação óbvia: trata-se de um homem jogando contra mulheres. Era para ser tão-somente um lance num jogo de quartas-de-final da Superliga Feminina de vôlei. Mas se transformou num maremoto identitário.
Tudo porque o jogador que finalizou o ataque se chama Tiffany. Ele é um homem biológico de ombros largos, quadril estreito, braços e pernas fortes e toda uma estrutura física moldada à base da testosterona que correu em suas veias depois da puberdade e antes de ela se submeter a uma cirurgia de mudança de sexo (ou ressignificação sexual, para os que falam a novilíngua) e ao tratamento hormonal exigido pelo Comitê Olímpico Internacional. Desde 2017, Tiffany defende o Sesi Bauru. Contra equipes formadas por mulheres biológicas, ele é consistentemente o maior pontuador e também o melhor jogador em quadra.
Ativistas trans ficaram furiosos porque Bernardinho simplesmente constatou algo que salta aos olhos de quem ainda consegue enxergar o mundo sem a lente contaminada da política identitária: a despeito do nome e dos órgãos sexuais novos, uma parcela de Tiffany, a física, a atlética, será para sempre Rodrigo.
Os ativistas recorreram às redes sociais, sempre elas, para atacar o treinador, usando para isso os lugares-comuns argumentativos de sempre. Ao usar a palavra “homem” para se referir a Tifanny, Bernardinho seria transfóbico, homofóbico, o pior ser humano do Universo, alguém a ser punido pela chibata invisível da opinião pública por não rezar pela cartilha do gênero neutro.
Se o egrégio Supremo Tribunal Federal retomar o julgamento que criminaliza o que um burocrata qualquer definirá como homofobia e decidir mesmo igualar comentários como o de Bernardinho (“é um homem!”) ao racismo, qualquer pessoa que ousar empregar o artigo masculino para se referir a Tiffany (ou o feminino para se referir a Tammy Gretchen) será não só alvo da rebelião dos trolls cheios de boas intenções, mas também correrá o risco de pagar multa, indenização por dano moral e até ser preso.
Sim, preso.
Pois que prendam Bernardinho, esse homem abjeto indignado com a injustiça de ver suas esforçadas atletas tendo de competir esportivamente contra um adversário em clara vantagem biológica!
E, para aproveitar a viagem do camburão, prendam também a tenista Martina Navratilova, lésbica, que recentemente também foi excomungada pela comunidade LGBT por ter afirmado num artigo que homens que se identificam como trans e competem em esportes femininos são nada menos do que trapaceiros. Prendam-na por ter cometido o terrível crime de expressar sua opinião! Por ter causado um dano irreversível ao coração fragilíssimo desses homens fortes e suas raquetadas violentas.
No embalo punitivista daqueles que pretendem reparar o que não requer reparo, prendam também Jordan Peterson, o professor que se recusou a usar o pronome neutro para se referir a seus "alunxs". Prendam o atendente de uma loja de conveniências que aparece num vídeo viral cometendo o delito grave, gravíssimo, imperdoável mesmo de se referir a um homem de saias como “senhor”.
Temeroso diante da reação da milícia virtual, Bernardinho acabou se desculpando. Disse que não queria ofender Tiffany, o que é evidente. Ninguém – ninguém! –, nem mesmo o explosivo Bernardinho, quer que trans, atletas ou não, sofram violência, sejam humilhados, ostracizados, demonizados, excluídos do bom convívio, presos, torturados, etc. Adiante, ele esclareceu que seu comentário (“é um homem!”) fazia referência “ao gesto técnico e ao controle físico que ela tem, comum aos jogadores do [vôlei] masculino e que a maior parte das jogadoras não tem”.
O que deixa claro que Bernardinho não entendeu algo que os ministros do Supremo parecem ter compreendido melhor: desculpas de nada servem se na frase seguinte o “criminoso” insiste em reiterar a realidade e em questionar a narrativa fantasiosa.
Trata-se, pois, de um crime com um sem-número de agravantes, sem qualquer possibilidade de perdão. Às favas todos os escrúpulos de consciência! Na tirania identitária, a única sentença aceitável é também aquela que exclui qualquer possibilidade de arrependimento. Cortem as cabeças, pois.