O cidadão normal do Brasil, que não se empenha particularmente em descobrir as novas modas intelectuais, não deve ter entendido nada ao se deparar com a montanha de manchetes sobre a atriz Ellen Page, que declarou ser trans e querer ser chamada de Elliot. Até aí, tudo bem. Já vimos isso com Thammy Miranda, filho ex-filha de Gretchen que vira e mexe aparece na imprensa, na TV e até na política. Tudo isso com sucesso.
Desde Roberta Close, sabemos que existem indivíduos que são mais atípicos do que lésbicas e gays: eles querem ser do outro sexo, e submetem o corpo a vários procedimentos arriscados e invasivos. Assim, o brasileiro terá visto as manchetes e pensado que essa moça norte-americana vai daqui a pouco aparecer barbada e virar um homem muito parecido com um homem normal, feito Thammy Miranda. Certo? Errado. Há um detalhe que muda tudo: Elliot Page se disse trans não-binário, ou seja, aquele que não é nem homem, nem mulher. E é o quê? Só Deus sabe.
Meninas usam rosa, meninos usam azul, e o resto é não-binário
Nos Estados Unidos, a jornalista Abigail Shrier, que está longe de ser uma conservadora ou uma direitista, aceitou, a pedido de pais, a tarefa de investigar o fenômeno das meninas que, de uma hora pra outra, se declaram trans com as amigas. Isso a levou a investigar, primeiro, os influenciadores digitais, e depois o sistema educacional público dos Estados Unidos. Daí saiu seu livro, lançado este ano, chamado “Irreversible Damage”.
Dizendo de uma maneira bem resumida: em vez de virarem anoréxicas e bulímicas, as meninas problemáticas hoje viram trans. Antes, as anoréxicas e bulímicas já tinham comunidades virtuais em que celebravam seus distúrbios alimentares e trocavam dicas de como enganar pais. Mas nenhuma área acadêmica as chancelava, e os jornais ensinavam os pais a linguagem cifrada das adolescentes (Ana era anorexia, e Mia era bulimia) para preveni-los.
Hoje, as meninas com problemas de socialização na adolescência se declaram trans, fazem isso em grupinhos de amigas, e têm uma comunidade na internet para alimentar a coisa toda. E mais: áreas universitárias especializadas em teoria de gênero, pedagogos-ideólogos, e jornalistas adeptos. Tudo conspira a favor desse novo distúrbio coletivo.
Agora, a teoria de gênero está sendo ensinado lá desde a pré-escola. Cito Abigail Shrier: “Em escolas pelos Estados Unidos, alunos de jardim de infância aprendem que sexo biológico e gênero aparecem separados com muita frequência: um não tem nenhuma conexão essencial com o outro. Há algumas pessoas para quem a identidade de gênero se alinha perfeitamente com o sexo que lhes foi atribuído ao nascer: são chamadas de ‘cisgênero’, termo que significa ‘deste lado do gênero’ e foi cunhado para ser a definição oposta de ‘transgênero’, que significa ‘por meio do gênero’. Tal como apresentado nas escolas, ‘cisgênero’ amiúde parece uma nulidade. Havendo um farto bufê de identidades de gênero para escolher, é difícil imaginar que todo mundo não seja um pouco de cada. Meninas que gostam de matemática ou esportes ou são lógicas, meninos que cantam ou atuam ou gostam de desenhar, são todos ‘de gênero não-conformante’. Podem ter chegado à escola como ‘menina excelente em matemática’ ou ‘menino com talento para o canto’, mas saem carimbados como ‘uma pessoa cujo comportamento ou expressão de gênero escapa ao que é geralmente considerado típico para o seu sexo atribuído ao nascer’.”
Trocando em miúdos, uma menina que não seja um clichê de princesa cor de rosa não pode ser uma mulher; um menino que não seja um pequeno Rambo não pode ser um homem. Os ideólogos de gênero são profundamente binários: para eles, menina só veste rosa e menino só veste azul. E se você gosta de verde ou amarelo, você é um “não-binário”.
De onde vem esse negócio?
O inventor da teoria de gênero se chama John Money (1921-2006), e, ao meu ver, deveria ser alcunhado O Mengele do Progressismo.
Money pensou que, se tudo era construção social, o fato de alguém ser homem ou mulher não tinha base biológica essencial. Homens eram homens apenas por serem criados como homens, e mulheres eram mulheres apenas por serem criadas como mulheres.
Assim, uma coisa é a biologia — que divide o bicho-homem entre machos e fêmeas — e outra, totalmente diferente, é o papel social — o gênero, que faz uns serem homens e outros mulheres, mas poderia fazer deles qualquer outra coisa inventada. Os humanos, além de sexo, teriam gênero, que é do domínio da linguagem e, portanto, da construção social. “João” seria masculino do mesmo jeito que “o livro”: são coisas designadas pelo gênero gramatical masculino. E isso poderia mudar.
Chegaram às mãos do Dr. Money os gêmeos Reimer. Eram dois bebês canadenses univitelinos, idênticos. Os pais estavam aflitos porque um deles tivera o pênis seriamente danificado numa circuncisão. O Dr. Money disse que não tinha problema: bastava capar mais o menino injuriado, dar bloqueadores de hormônio masculino na puberdade, e depois dar hormônios femininos. Como gênero é um papel a ser ensinado, o Dr. Money reunia os dois irmãos crianças para serem “socialmente construídos” como homens e mulheres: eram orientados para simular cópula, deixando claro que um era homem (montava) e outro era mulher (abria as pernas). Eram Brian e Brenda Reimer. O capado, que não sabia da própria história, sentia-se preso no corpo errado, sofria muito, e os pais decidiram contar a verdade na adolescência. Ainda adolescente, ele então “transicionou” para o sexo de nascença e adotou o nome de David. Adulto, tornou-se psicólogo. Só em 1997, expôs sua intimidade com o fito de desmentir o Dr. Money, que apresentava o caso dele (com o anonimato usual em pesquisas científicas) como um caso de sucesso, omitindo sua redesignação feita ainda na adolescência. Os gêmeos nasceram em 65, e a revelação de Reimer se deu em 1997: foram 32 anos de teoria de gênero sem desmentido.
Ao cabo, Bruce Reimer morreu de overdose de antidepressivo, e David (ex-Brenda) se matou.
A despeito do desfecho dessa história sinistra de experimentação humana, a teoria de gênero continuou ensinada. Floresceu nos estudos críticos — uns bacharelados dos Estados Unidos que, em tese, eram da área de teoria literária, mas usurparam os assuntos da ciência social e da filosofia. Hoje, a papisa da teoria de gênero é Judith Butler, formada em teoria literária, que no entanto é apresentada como filósofa versada em sociologia.
Que faz da vida um não-binário?
Um não-binário se diz trans, mas tendo essa concepção absolutamente anormal de transexualidade. Não é uma mulher aflita que quer se tornar um homem normal, como Thammy Miranda, ou um homem aflito que quer se tornar uma mulher normal, como Roberta Close. É alguém que acredita que não existem propriamente homens e mulheres, mas somente uma combinação de traços de personalidade com orientação política.
Ser homem é algo político. Ser mulher é algo político. Dizer “Joana é bonita” é algo político, porque o “a” de “bonita” designa uma orientação “política” e psicológica de mulher. Daí aparece a linguagem de gênero neutro, que pretende substituir bonita por bonite.
A língua inglesa tem bem menos marcação de gênero do que as latinas; então em vez de adjetivo, o cavalo de batalha deles é o pronome “Ele/Ela”. O pior é que eles até têm um gênero neutro, o It. Mas, em vez de considerar o Primo (Prime?) It da Família Adams um precursor dos não-binários, reivindicam ser tratados no singular como They, que é o “Eles”, plural.
Ellen/Elliot Page anunciou que é trans e seu pronome é they, ou seja, é, na verdade, um não-binário. E isso dá a ela o poder de ser uma mulher normal (mulheres também usam boné e roupas largas) e exigir ser tratada por esse pronome extravagante. (Ela pode também usar testosterona apenas para ficar feia, num processo de transição inconcluso, como fazem adolescentes malucas dos EUA.) Quem ousar chamá-la de she ou até de he poderá ser preso por crime de ódio como se fosse um nazista, e ter ainda o seu empregador responsabilizado por suas ações. Ellen Page é canadense (do Canadá vêm as piores monstruosidades dessa seara), e a lei totalitária denunciada por Jordan Peterson é de lá.
De resto, sua biografia futura já está escrita. Ela vai chorar e espernear contra a opressão: “apesar de me sentir profundamente feliz agora e de saber quantos privilégios eu carrego, estou também com medo. Estou com medo da invasividade, do ódio, das ‘piadas’ e da violência.” É o que anunciou no Instagram, ao se declarar “trans”.
O STF deixou de pautar um pedido do PSOL pra botar gênero nas escolas. Se um dia botar, a coisa mais sensata será mandar os filhos carpirem um lote ou venderem bala no sinal, em vez de mandar pra escola.
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