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Nas 500 maiores empresas do Brasil, apenas 4,7% dos postos de direção e 6,3% dos cargos de gerência são ocupados por negros | Pixabay
Nas 500 maiores empresas do Brasil, apenas 4,7% dos postos de direção e 6,3% dos cargos de gerência são ocupados por negros| Foto: Pixabay

Nas 500 maiores empresas que operam no Brasil, apenas 4,7% dos postos de direção e 6,3% dos cargos de gerência são ocupados por negros (pretos e pardos, segundo classificação do IBGE). Contudo, quando o cenário é convertido para a totalidade da população do país, o número cresce para 54%, de acordo com a última estimativa da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). Os dados levantados pelo Instituto Ethos ganham vida no livro “Executivos Negros: Racismo e Diversidade no Mundo Empresarial”, recentemente lançado pela Editora da Universidade de São Paulo. 

A inclusão do negro em corporações transnacionais e grandes empresas nacionais privadas em São Paulo foi tema da tese de doutorado de Pedro Jaime, professor da faculdade ESPM-SP, em 2011. O trabalho acadêmico, que deu origem ao livro, dá espaço para as vozes e narrativas de uma categoria social que o autor denomina como “executivos negros”. “Sendo a minha pesquisa socioantropológica, procurei mostrar as vidas que estão por detrás das estatísticas e os quadros sociopolíticos que as emolduram”, conta o autor, em entrevista à Gazeta do Povo. Pedro Jaime é doutor em antropologia social pela USP e sociologia e antropologia pela Université Lyon 2, na França. 

Nossas convicçõesAções afirmativas

A evolução e as mudanças da questão racial entre o empresariado brasileiro são abordadas por Jaime a partir de dois momentos: a primeira geração estudada pelo autor ocupou cargos de gerência e direção e ingressou no mercado de trabalho no fim da década de 1970, em plena ditadura civil-militar; já o segundo grupo de executivos negros localiza-se no início do século XXI, quando a agenda política da questão racial passa a ser refletida na chave da gestão da diversidade. 

“Os jovens negros e negras que ingressaram no mundo empresarial no início do século XXI e que aspiram carreiras executivas encontraram um cenário mais favorável à construção das suas trajetórias profissionais”, diz. 

O livro detalha como as transformações ocorridas no contexto societal, que levaram a mudanças na mentalidade empresarial, se ligam a um processo de profissionalização do movimento negro brasileiro, com a absorção de novas pautas e a crescente demanda pela adoção de condutas mais efetivas de combate à discriminação. 

“A primeira demanda se concretizou com a promulgação em 1989 da Lei 7.716, conhecida como Lei Caó, em homenagem ao deputado negro Carlos Alberto de Oliveira. Esta lei transformava o racismo de simples contravenção em crime inafiançável e imprescritível. Tratou-se de um avanço importante da luta antirracista”, destaca Jaime. 

A primeira geração de executivos negros, portanto, se constitui em um contexto desfavorável, valendo-se de mecanismos de blindagem, como o distanciamento do movimento negro e o silenciamento dentro das empresas, para tolerar situações de racismo. Era o custo da ascensão. 

A ilusão da democracia racial, alimentada por décadas em uma narrativa de um país igualitário, como bem definiu o professor universitário e ativista negro Abdias do Nascimento (1914-2011), também é apontada pelo autor como um de nossos desconcertos, camufladores da existência da discriminação. 

“O que explica a disparidade na presença de brancos e negros no mundo corporativo é a existência do racismo na sociedade brasileira. Devo destacar que essa afirmativa de que o Brasil não possuiu uma política racista de Estado é controversa, uma vez que a nossa história é marcada pela escravidão e a nossa política de imigração implementada no final do século XIX teve um recorte racial, embasada que foi pelo racismo científico vigente na época e pelo desejo de embranquecer a população”, afirma. 

Sociedade avança

No entanto, desde a redemocratização, o país vem dando passos largos para reparar séculos de desigualdades em várias esferas — o que impactou diretamente no acesso de negros a postos no mercado de trabalho. Em 1985, o processo de redemocratização é marcado pelo fortalecimento da sociedade civil e o poder público brasileiro cria Conselhos Especiais voltados para a população negra em diversos estados. 

Mais adiante, os anos 1990 viram o movimento negro alterar sua estratégia política: a supressão da sociedade de classes como via para acabar com o racismo deu lugar à demanda do Estado para a adoção de condutas mais efetivas de combate à discriminação e a implementação de ações afirmativas para a superação das desigualdades raciais. No âmbito federal, o governo de Fernando Henrique Cardoso, iniciado em 1995, representa um marco fundamental na dinâmica: pela primeira vez, o Estado brasileiro reconhece oficial e publicamente a existência de racismo no país e cria um Grupo de Trabalho Interministerial voltado para a reflexão sobre as possibilidades de adoção de ações afirmativas. 

Já no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2007), nasce a Secretaria Especial de Promoção de Políticas de Igualdade Racial. No mesmo período, diversas universidades do sistema público implementam, sob clima de tensões, ações afirmativas para a inclusão de negros no ensino superior. Na gestão da ex-presidente Dilma Rousseff, uma política de reserva de 50% das vagas nas universidades federais foi sancionada para candidatos oriundos de escolas públicas e de famílias de baixa renda. 

Ainda que a nova mentalidade empresarial se inscreva e responda a esse cenário político específico, a avaliação de Jaime é de que ainda há um longo caminho a ser percorrido. 

“Penso que uma nova geração de executivos negros só poderá ser formada por um contingente expressivo de profissionais se sua construção contar com políticas efetivas para a promoção da inclusão racial. E infelizmente o cenário que se descortina não é muito animador”, diz. 

A recente pesquisa do Ethos também traz outro dado significativo: 85,5% das companhias analisadas reconhecem não ter medidas para incentivar e ampliar a inclusão racial. Das que afirmam contar com ações planejadas e estratégicas (3,4%), a presença de negros em quadros executivos é ainda mais exígua: cai para 0,4%. 

O professor estabelece um comparativo entre os dados atuais do Brasil com os dos Estados Unidos, país que tem implementado ações afirmativas para a inclusão dos negros no mercado de trabalho desde o fim da década de 1960. 

Lá, negros representam 12,6% da população e correspondem a 9,4% dos executivos em cargos de direção nas 100 maiores companhias do país, segundo o The Executive Leadership Council. 

“Logo, para termos uma representação de negros no mundo corporativo brasileiro mais próxima daquela encontrada nos EUA, deveríamos contar com 39,5% de afrodescendentes nos postos de direção das empresas, um percentual oito vezes superior aos atuais 4,7%”, afirma. 

No entanto, devemos lembrar que é preferível que as ações afirmativas sejam dirigidas ao início do ciclo que perpetua as injustiças, atacando-as pela raiz – na grande maioria dos casos, isso significa aplicá-las na educação básica em vez da educação superior; ou na educação superior em vez do mercado de trabalho.

Gazeta do Povo — No livro, o senhor traça um comparativo de duas gerações de executivos negros, circunscritas no período de 1970 ao começo do século XXI. Quais foram as principais conclusões de sua pesquisa? 

Pedro Jaime — Diria que as principais conclusões da minha pesquisa foram as seguintes: a) a construção das trajetórias profissionais de executivos negros passou por mudanças importantes no Brasil entre o final dos anos 1970 e o início do século XXI; b) apesar de essas mudanças apontarem para um cenário mais favorável nesse novo século, a desigualdade que marca a presença de brancos e negros no mundo corporativo brasileiro é ainda chocante. 

O senhor afirma em seu livro que a segunda geração de executivos negros em construção, formada por jovens profissionais que ingressaram no mercado de trabalho no início do século XXI, encontrou um cenário mais favorável para inserção no mundo corporativo do que aquele do final dos anos 1970. Como se deu esse processo? 

A pergunta exige uma resposta nuançada. Sim, os jovens negros e negras que ingressaram no mundo empresarial no início do século XXI e que aspiram carreiras executivas encontraram um cenário mais favorável à construção das suas trajetórias profissionais. Isso se deve em parte a alterações na mentalidade empresarial. Desde o início deste século, as grandes empresas nacionais privadas e as corporações transnacionais que atuam no Brasil têm desenvolvido iniciativas relativas à gestão da diversidade. 

Contudo, essa nova mentalidade empresarial não é fruto de geração espontânea. Ela é o reflexo de transformações no contexto social. Ou seja, trata-se de uma resposta das empresas à maior politização dos debates sobre a questão racial travados na sociedade brasileira. De toda forma, essa nova mentalidade empresarial ainda está longe de se expressar de forma concreta. De acordo com a mesma pesquisa já citada, apenas 3,4% das 500 maiores empresas que operam no nosso país possuem políticas com metas e ações planejadas para incentivar e ampliar a participação de negros em cargos de direção ou gerência [85,5% das empresas dizem não possuir medidas para ampliar a presença de negros; 11,1% afirmam contar com ações pontuais.] 

Na sua visão, caminhamos a passos lentos? 

Veja bem, eu concluo o meu livro com um elogio às políticas públicas de combate às desigualdades raciais. Se os Estados Unidos possuem indicadores bem melhores do que os brasileiros no que se refere à presença de negros no mundo corporativo, isso se deve ao fato de o Estado nesse país ter implementado ações afirmativas para a inclusão dos negros no mercado de trabalho desde o final dos anos 1960. Tal fato produziu respostas empresariais, com consequências concretas na construção das trajetórias de carreira por profissionais negros. Nos Estados Unidos, negros representam 12,6% da população e correspondem a 9,4% dos executivos em cargos de direção nas 100 maiores companhias do país, de acordo com o The Executive Leadership Council. Logo, para termos uma representação de negros no mundo corporativo brasileiro mais próxima daquela encontrada nos EUA, que já é desigual, deveríamos contar com 39,5% de afrodescendentes nos postos de direção das empresas, um percentual oito vezes superior aos atuais 4,7%. 

Reivindicações compuseram a agenda dos diferentes movimentos negros no Brasil pós-abolição. Porém, só foram amplamente debatidas na esfera pública e implementadas como políticas em nosso país no final do século XX e início do século XXI, ou seja, mais de 100 anos após o fim do sistema colonial escravista. A meu ver, essa defasagem brasileira em termos de políticas públicas de combate aos efeitos persistentes do racismo explica o fato de ainda não termos feito progressos significativos no enfrentamento das desigualdades raciais no mundo empresarial. 

Penso que uma nova geração de executivos negros só poderá ser formada por um contingente expressivo de profissionais se sua construção contar com políticas efetivas para a promoção da inclusão racial. E infelizmente o cenário que se descortina não é muito animador. As conquistas recentes, embora não suficientes, parecem comprometidas nesse momento em que vivemos sérios abalos à nossa frágil democracia. 

O senhor considera que a temática racial no mundo empresarial ainda é pouco abordada na literatura acadêmica? 

Sim. Pode-se afirmar com segurança que a questão racial possui mais de um século de tradição de pesquisas nas ciências sociais no Brasil, se tomarmos como marco de referência a obra de Nina Rodrigues, que remonta ao final do século XIX. Todavia, o mundo empresarial não tem sido o locus empírico privilegiado das pesquisas de cientistas sociais brasileiros sobre a questão racial. 

A mecânica de produção do racismo no mundo empresarial no Brasil e as possibilidades relativas ao seu enfrentamento ficaram desconhecidas. Só bem recentemente, trabalhos situados na fronteira entre as ciências sociais e a ciência da administração no Brasil, motivados pelo debate acerca da gestão da diversidade, têm discutido a ascensão social de negros no mundo empresarial, público ou privado. Mas ainda temos uma longa avenida pela frente. Uma avenida importante de ser percorrida, haja visto a centralidade que as organizações empresariais possuem para a integração do negro na sociedade de classes brasileira.

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