Em 1629, frustrado com a indisposição do Parlamento em lhe dar poderes de taxação, o rei Carlos I da Inglaterra dissolveu o Parlamento e prendeu nove de seus membros. O Parlamento só foi reconvocado depois de uma década. Durante esse período, conhecido como Reinado Pessoal, Carlos I governou como ditador, dispondo apenas de um conselho para orientá-lo.
Em 1640, pressionado pela necessidade militar dos escoceses, Carlos I reconvocou o Parlamento a fim de arrecadar fundos destinados ao exército. Pouco depois, incomodado com o Parlamento, ele o dissolveu mais uma vez. Mas a necessidade surgiu de novo e Carlos I reconvocou o Parlamento.
Esse seria o início do fim do reinado dele. O Parlamento Duradouro, como ficaria conhecido, se opôs diretamente a muitas das iniciativas de Carlos I, e essa oposição daria origem a uma guerra civil que acabou com a execução do monarca.
Tudo isso deveria servir para lembrar as pessoas de que, quando o chefe do Executivo ignora o sistema de pesos e contrapesos, ele pode até aumentar temporariamente sua autoridade. Depois de um tempo, contudo, o poder real tende a se desgastar.
Estamos chegando a um ponto de inflexão nos Estados Unidos. Queremos ou não viver numa monarquia eleita? Muitos norte-americanos parecem à vontade com esse sistema, desde que o presidente seja do partido deles.
Hoje, o presidente dos Estados Unidos é eleito a cada quatro anos. Ele fala platitudes sobre respeitar as regras e as instituições, e depois se põe a fazer o que bem entende, usando a autoridade do estado administrativo como cetro.
O legislativo se transformou num órgão em desuso cuja única função é financiar projetos mastodônticos. O poder de verdade pertence ao chefe do Executivo. Assim, o então presidente Barack Obama declarou mais de 20 vezes que não tinha autoridade para suspender unilateralmente certos elementos da lei de imigração. Isso não o impediu de fazer justamente isso com seu programa voltado a crianças que entravam ilegalmente no país.
O presidente Joe Biden recentemente declarou que não tinha poder para ampliar a proibição de despejo por meio dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças. Isso não o impediu de fazer justamente isso.
Biden e sua administração disseram repetidamente que não tinham o poder de, unilateralmente, determinar a obrigatoriedade da vacinação contra a Covid-19. Esse poder deveria ser exercido pelos estados. Isso não impediu Biden de mobilizar todo o seu poder e, com a Lei de Segurança e Saúde Ocupacional, obrigar todas as empresas com mais de cem funcionários a examinarem uma vez por semana os empregados que não se vacinaram e a vaciná-los ou demiti-los ou pagarem uma multa de US$ 14 mil em caso de violação da lei.
Só há duas instituições capazes de impedir a monarquia presidencial plenipotenciária: os tribunais e os estados. Biden jurou se sobrepor à vontade dos estados. “Se os governadores não nos ajudarem a vencer a pandemia, usarei meu poder de presidente para tirá-los do caminho”, disse.
Apesar de não ter prometido se intrometer nos tribunais, suas promessas institucionais anteriores duraram só até que alguém desafiasse seu poder. Ele sugeriu repetidas vezes, por exemplo, que não buscaria destruir as estratégias de obstrução no Legislativo, mas agora parece ter mudado de ideia.
O problema da monarquia eleita é que ela destrói os mecanismos de reação que ajudam a equilibrar uma sociedade descentralizada e plural. Carlos I só conseguiu governar sob os princípios do Reinado Pessoal enquanto suas imposições eram moderadas e sua política externa, pacífica. Assim que as consequências surgiram, contudo, o Reinado Pessoal entrou em colapso.
O mesmo serve para os Estados Unidos. Carlos I tinha a autoridade de um rei, mas não consolidou o controle compulsório. Isso tornou sua ditadura instável. A lição para os norte-americanos é simples: podemos querer mudar e até abrir caminho pelo sistema de pesos e contrapesos, dando um poder quase total a uma monarquia eleita. Mas isso não nos unirá. Isso gerará o caos.
Ben Shapiro é apresentador do “Ben Shapiro Show" e editor emérito do Daily Wire.