Ex-assessor de Bolsonaro, Filipe Martins foi preso pela PF no dia 8 de fevereiro de 2024 por ordem de Moraes.| Foto: Arthur Max/MRE.
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O Brasil é uma democracia vibrante e com instituições sólidas. E se você discordar, vai preso. Sei que fora das bolhas políticas do país dificilmente o cidadão comum está preocupado com as instituições, com a democracia ou com tudo aquilo que integra o nosso pacto nacional de convivência, a Constituição Federal de 1988.

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Mas o fato é que, desde a nossa redemocratização, todos os líderes políticos e atores institucionais, com maior ou menor grau, seguiram a Constituição. Passamos por diversos tumultos, se assim podemos dizer, como os Anões do Orçamento, a Satiagraha, o Banestado, a Castelo de Areia, a Compra de Votos pela Reeleição, o Mensalão e o Petrolão, por exemplo, com a democracia intacta, mesmo que seus atores operassem solapando fundamentos democráticos. Mas, em todos esses casos, repito, todos, os acusados recuaram e seguiram o rito dentro da Lei, seja manobrando o Judiciário em seu favor, seja acatando as decisões desfavoráveis. Cada vez que a impunidade venceu, a
degradação da vida pública deu um passo além, mas toda essa impunidade foi estabelecida dentro dos ritos pactuados. E, quando os ritos foram alterados, o foram dentro da institucionalidade, gostemos ou não.

De 1988 até hoje, vimos ex-governadores, ex-ministros e dois ex-presidentes da República serem presos, além de dois presidentes sofrerem impeachments. No caso dos ex-presidentes presos, vale mencionar que, apesar da tensão que o país viveu, eles capitularam e recorreram dentro das possibilidades legais. Ambos venceram.

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Hoje, infelizmente, temos um cidadão, o ministro Alexandre de Moraes, que rompeu o pacto nacional. Para usar uma expressão sempre lembrada, ele está “esticando a corda”. E todos sabemos que ele o faz fora dos limites constitucionais. Excentricidades como “guardiões do portão” ou “democracia militante” não se aplicam. Todos sabemos. Mas a vida nacional tem exigido um pacto de silêncio e mentira entre as elites brasileiras.

E quem sofre não são só “as suas vítimas”, mas toda a sociedade. Afinal, qual é o nome do sistema em que: um inquérito segue sem objeto definido; um inquérito segue sem data para término; uma pessoa é presa por crimes não previstos em Lei; uma pessoa é presa por tempo indefinido sem acusação; um juiz é vítima, acusador e julgador; um juiz escolhe os investigadores; um juiz toma decisões sem ouvir o MP, titular da ação penal; um juiz impede o advogado de ter acesso aos autos; pessoas sem foro por prerrogativa de função são investigadas e julgadas no STF, e; o inquérito é aberto de ofício, sem respeitar o sistema acusatório?

Alguém tem dúvida de que os chineses vivem as suas vidas privadas normalmente?Desde que não falem mal das autoridades ou representem ameaça para o regime…

Mas o ministro Alexandre de Moraes não está “esticando a corda” sozinho. Ele o faz respaldado pelos seus pares do Supremo Tribunal Federal. E, hoje, o tacão de ferro que esmaga a garganta de figuras difusas do bolsonarismo, já alargou a imaginação institucional do país e pode ser usado contra qualquer cidadão, de qualquer partido, de qualquer pensamento político.

No caso da prisão de Filipe Martins, com quem convivi na Presidência da República, vale um filme. Meu amigo, Filipe Martins, sempre engoliu calado as agruras da vivência política.

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Logo no começo do governo, houve uma disputa e tentativa de tutela, de um reduzido setor militar, sobre a condução da Presidência da República. Esse setor emplacou na imprensa que Filipe Martins liderava a ala dos “olavistas” ou os “ideológicos”. O que dentro do governo não fazia sentido, já que não existia um grupo coeso nesses termos e, em todos os setores do governo, sejam os militares, os liberais ou os “ideológicos”, todos eram admiradores do professor Olavo de Carvalho. Sim, até mesmo os militares. Mas, para fins de propaganda, pegou. E a propaganda é a alma do negócio.

Os “ideológicos” eram os culpados de tudo. A população está cobrando figuras públicas nas redes sociais? Foram os ideológicos, ou o Gabinete do Ódio, instituição espectral e poderosíssima capaz de energizar toda a internet brasileira! Os militares do MEC fizeram besteira? Foram os ideológicos. O ministro França e o almirante Flávio Rocha mal conduziram o país na invasão russa? Foram os ideológicos. A Secretaria de Assuntos Estratégicos organizou uma reunião com os embaixadores para tratar da urna eletrônica? A culpa é dos ideológicos, os radicais do governo.

Para não aumentar as fissuras internas do governo Bolsonaro, Filipe Martins, que virou culpado de tudo, deu pouquíssimas entrevistas. Tanto para não roubar os holofotes dos ministros quanto pela lealdade ao presidente, a quem cabia a liderança.

Filipe Martins, primo-irmão de judeus ortodoxos cidadãos israelenses, com quem dividiu teto por alguns anos, foi chamado até de nazista! Nem assim ele se defendeu publicamente. Em sua defesa na primeira instância, que rejeitou a denúncia de pronto, Filipe apresentou palestras gravadas e anteriores ao governo Bolsonaro em que criticava o nazismo, o comunismo e todas as ideologias autoritárias e totalitárias. Até o famoso gesto nem gesto nazista era. Se nazista fosse, seria em sentido inverso.

Mas, de grão em grão, para justificar abusos diversos, criou-se esse bode expiatório que é a figura pública de Filipe Martins.

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E assim, os “guardiões do portão” vão solapando a democracia brasileira. E com alerta público dos autores da tese dos “guardiões do portão” de que estão exagerando. O ano de 2023 começou com uma lista de “marcados para morrer”. Uma lista curiosa. Os deputados mais votados de São Paulo, de Goiás, de Minas, entre outros, e do Paraná, que foi efetivamente cassado em uma violência institucional gravíssima. Tudo em defesa da democracia.

Não tenho dúvidas de que a eleição do presidente Jair Bolsonaro se deveu em parte ao fosso de representação popular no Congresso Nacional. A dificuldade das lideranças políticas de oposição em aderirem ao impeachment da presidente Dilma Rousseff rompeu o casamento desses políticos com seus eleitores. Agora, conforme a Justiça Eleitoral tira o mandato daqueles que foram eleitos justamente para ocupar o espaço da antiga oposição, um abismo de sentimento de representação se abre no país. As consequências para o futuro, com toda a certeza, serão gravíssimas.

Afinal, por que Filipe Martins está preso? Segundo a PF, a PGR e o STF, Filipe Martins se evadiu do país para não sofrer a execução da Lei Penal. A Polícia Federal, durante uma busca e apreensão contra Mauro Cid, ex-ajudante de Ordens da Presidência da República, encontrou um arquivo .doc com uma possível lista de passageiros para o voo para a Flórida do presidente Bolsonaro. O arquivo .doc tinha mais de dez versões e em duas delas Filipe constava como possível passageiro.

Isso foi o suficiente para a Polícia Federal informar à Procuradoria-Geral da República que o ex-assessor de Assuntos Internacionais teria ido para os EUA. Filipe não constava nos registros de controle migratório dos países, o que levou a PF a chegar a uma conclusão surreal: Filipe teria saído do país e burlado os controles migratórios do Brasil e dos EUA! A defesa solicitou, via LAI, a lista oficial dos passageiros do voo feito pela FAB. O GSI, sob a gestão de Lula, forneceu a lista oficial de passageiros duas vezes. Em nenhuma delas, Filipe constava como passageiro.

Não bastasse isso, o Departamento de Segurança Nacional dos EUA e o Controle Migratório também informaram que Filipe não esteve no voo nem entrou no país naquela data.

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E mesmo que Filipe Martins tivesse viajado, não seria crime!

Mas não para por aí. Filipe comprovou que no dia seguinte à viagem do presidente Bolsonaro, ele viajou para Curitiba. A LATAM confirmou o embarque. Filipe também anexou comprovantes de gastos no cartão de crédito, no Uber e no iFood, mostrando que estava no Brasil. Ele também solicitou que fosse triangulada sua localização e a do deputado Hélio Lopes, que estava com ele no Brasil no momento do embarque do presidente Bolsonaro.

Nada disso importou, pois o pacto nacional foi rasgado.

A defesa também anexou fotos no Brasil, publicadas em redes sociais, e provou que ele morou com sua esposa em local certo e sabido, tanto que a Polícia Federal o encontrou sem dificuldades em Ponta Grossa, cidade onde seus sogros também vivem.

Contra todas essas provas, o ministro Alexandre de Moraes insiste em dizer que existem dúvidas de que Filipe realmente esteve no Brasil e não se evadiu para os EUA. Um abuso de poder claríssimo. Como a convivência nacional exige certas farsas, a PF, primeira culpada da farsa, e a PGR, são cúmplices no abuso de autoridade.

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As consequências da prisão de Filipe Martins, que na verdade é um sequestro, vão além da sua simples privação de liberdade. Seus pais, seus familiares, seus amigos, todos sofrem.

Mas a sua prisão também é um acinte à democracia brasileira.

Não é mais segredo que a integridade física de Filipe Martins está em risco. Isso foi denunciado pelo seu advogado, Dr. Sebastião Coelho, em entrevista ao jornalista Claudio Dantas. Filipe, em dado momento, chegou a ser jogado, por 72h, em uma solitária toda coberta de sangue. A sua audiência de custódia demorou quase 48h para acontecer, o que por si só já justificaria sua soltura.

Aqui, nem vale a pena entrar em discussões sobre “Minuta de Golpe”, porque certas coisas são tão ridículas que, por si só, deixam de ser levadas a sério.

O certo é que não há justificativa moral, política ou legal para a prisão de Filipe Martins.

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Muito se fala da necessidade de conversas institucionais no sentido de acelerar uma autocontenção do Supremo e da urgência da pacificação nacional, mas até lá, os presos políticos do Brasil e suas famílias sofrem. E quem sofre tem pressa.

E é preciso ter coragem. Se a OAB e os parlamentares não têm, as pessoas comuns precisam ter e falar: FILIPE MARTINS É UM PRESO POLÍTICO! SOLTEM FILIPE MARTINS!

Leonardo Lopes foi Coordenador-Geral e Diretor-Substituto do Departamento de Comunicação Internacional da Presidência da República.