Em um vídeo antigo repostado há um mês em um canal menor de técnicas motivacionais para empresários, Pablo Marçal, empreendedor e candidato à prefeitura de São Paulo, se dispôs a explicar uma das suas técnicas mais comentadas, a “programação neurolinguística” (PNL). O candidato prometeu que usaria a PNL para intimidar os adversários: “tem gente já cancelando as idas nos próximos debates”, disse em coletiva de 22 de agosto.
“O que é PNL? Vários alunos têm me cobrado”, disse Marçal. Mas ele não vai direto à resposta. Ele critica supostas percepções erradas de quem pergunta e define o que é coach, profissão de conselheiros não habilitados em terapia psicológica que se popularizou nos EUA antes de chegar ao Brasil. Apesar do tom elogioso aos coaches, ele tem negado que é um deles nos debates eleitorais.
No vídeo, Marçal cita autores da área. “Essa galera, eles só condensaram o comportamento e colocaram um nome, mas isso sempre existiu”. O que é PNL? “É ensinar o seu cérebro a se comportar”. O empresário segue em sua explicação mencionando meditação, oração em silêncio e “padrão mínimo”. “Não adianta ser positivo sem ter atitude. Então, meu filho, aprende a usar a PNL. A PNL nada mais é que ensinar o seu cérebro a se comportar”.
Se comportar de que jeito? Ele dá um exemplo: “tem cura a pobreza. Pobreza emocional, pobreza adâmica, tem cura. Mas ela só vai crescendo quando você se relaciona com gente rica, que é próspera, e essas pessoas não são nojentas, porque às vezes um rico nojento bloqueou você. Você tem que usar a PNL e ressignificar”. Outro exemplo de Marçal é que ele parou de ver pornografia “depois de 20 anos afundado nisso”.
Programação neurolinguística é tratada com desdém no mundo acadêmico
O empresário diz que um só livro é suficiente para aprender PNL, “Manual de programação neurolinguística” do americano Joseph O’Connor (Ed. Qualitymark, 2017). O livro tem a avaliação de 4,8 estrelas na Amazon, com base na opinião de mais de mil leitores. A obra dá conselhos ao leitor como colocar-se em um estado relaxado e pensar em algo que lhe dá raiva, para aprender a controlar a raiva; e alega que “PNL é qualquer coisa que funcione”.
Mas no mundo acadêmico, em que os termos “programação”, “neuro” e “linguística” surgiram, a PNL não goza de grande respeito. Em um livro recente que busca explicar as principais descobertas da psicologia para leigos (Psych, 2023), Paul Bloom, psicólogo de Yale, sequer a cita. Alguns acadêmicos, como o psicólogo alemão Siegfried Greif, são taxativos: a PNL “é classificada como uma pseudociência”, afirmou Greif em um manual internacional de aconselhamento baseado em evidências publicado em 2022 pela editora acadêmica Springer.
A PNL foi lançada em um livro de 1975 pelo palestrante de autoajuda Richard Bandler e o linguista John Grinder, que diziam se basear em observações de terapeutas psicológicos eficazes como Milton Erickson, que devem ser imitados — prática que eles chamaram de “modelagem”. Erickson, que também era psiquiatra, utilizava em sua terapia outras técnicas controversas como a hipnose.
“Talvez a filosofia central da PNL é resumida na frase ‘o mapa não é o território’. Isto é, cada um de nós opera com base na nossa representação interna do mundo (nosso ‘mapa’) e não no próprio mundo (o ‘território’)”, afirmou em artigo crítico de 1988 o psicólogo britânico Michael Heap. Esta ênfase na representação interna “não é nova, nem singular”, escreveu o especialista.
Heap, dando enfoque às alegações da PNL sobre representações internas, concluiu que ela tem “relativamente pouco apoio empírico” (em evidências). Uma das alegações seria que uma pessoa que faz uma representação interna mais baseada na percepção visual tenderia a olhar para cima com uma inclinação para a esquerda, quando está se lembrando de algo, ou para a direita, quando está elaborando ideias ou mentindo.
Outro acadêmico, Christopher Sharpley, publicou em 1987 uma revisão de 44 estudos e concluiu que “os dados das pesquisas não apoiam os princípios básicos da PNL nem sua aplicação em situações de aconselhamento”. Somente 13,6% dos estudos apoiavam algumas das alegações da teoria.
Nas quase quatro décadas que se passaram desde essas críticas, pouca coisa mudou. “Não hesitamos em concluir que psicólogos de aconselhamento e aqueles interessados na prática de coach baseada em evidências devem ignorar a marca da PNL a favor de modelos, abordagens e técnicas para as quais há uma clara base evidencial”, disseram em uma revisão de 2019 para a Sociedade Psicológica Britânica os acadêmicos Jonathan Passmore e Tatiana Rowson.
PNL é difícil de definir e se baseia em muitos resultados que caíram
Passmore e Rowson afirmaram que a PNL “é difícil de definir”, não porque é complexa, mas porque “a maioria dos textos não oferece uma definição, ou, ao invés disso, compartilham uma história na esperança de comunicar o que acreditam que a PNL faz”, como fez Marçal no vídeo citado.
Para piorar, enquanto Passmore e Rowson escreviam, explodia na psicologia uma profunda crise causada por muitos de seus resultados populares falharem em reaparecer quando os experimentos eram refeitos — foi a chamada “crise da replicação”. Muitos resultados favorecidos por coaches, como a alegação de que uma “postura de poder” em comunicações públicas afetaria até a fisiologia do organismo, simplesmente caíram. Como resumiu a Gazeta do Povo, o resultado da crise foi que metade dos estudos em psicologia têm resultados questionáveis e os resultados falsos são os mais citados por outros estudos.
PNL toma vocabulário emprestado de áreas que não a endossam
Uma das áreas da qual a PNL toma emprestado parte de seu vocabulário é o behaviorismo radical, área da psicologia que se dedica ao estudo do comportamento de uma forma maximamente objetiva.
Em um experimento clássico de 1948, um dos fundadores da área, o psicólogo B. F. Skinner, observou que pombos desenvolviam comportamentos que ele chamou de “supersticiosos” em resposta a entregas regulares de comida por uma máquina. Um girava três vezes até cada entrega, como se tivesse associado os giros à recompensa. Outro lançava a cabeça contra um canto da gaiola. Dois desenvolveram um movimento pendular da cabeça e do corpo. Tudo isso apesar de a entrega de comida ser garantida, “sem nenhuma referência em absoluto ao comportamento da ave”. O cientista propôs que cada comportamento era o que a ave estava fazendo por acaso no início das entregas, e foi “reforçado” quando repetido e seguido por mais alimentação.
Guardadas as proporções entre pombos e humanos, e considerando que o mercado dá recompensas de forma mais imprevisível que as entregas regulares de comida do experimento, não é de se surpreender que empresários acreditem que seu sucesso é devido a técnicas nebulosas sem provável efeito real como a programação neurolinguística. Uma técnica da PNL pode ser aplicada hoje, um bom resultado nos negócios ou na vida pessoal pode ser alcançado amanhã, e a conexão causal entre uma coisa e outra está mais na representação subjetiva do mundo do empresário que ouviu o conselho do que no mundo real.
A PNL parece tão boa quanto qualquer tipo de conselho do senso comum. Alguns conselhos que ouvimos são valiosos, por mais que pareçam à primeira vista banais. Alguns podem soar banais, mas são amparados em pesquisa, como os conselhos de produtividade intelectual da engenheira Barbara Oakley em seu curso “Aprendendo a aprender”: por exemplo, fazer exercícios físicos se houver dificuldade de concentração, escrever lições à mão para se fixarem melhor na memória, e usar a técnica de cronometrar períodos de 25 minutos de concentração (conhecidos como “pomodoros”).
O que a PNL tem de adicional é uma apropriação do vocabulário científico até em seu próprio nome. Este uso de “adornos científicos” é, segundo a filósofa britânica Susan Haack, um sinal de cientificismo — uma deferência exagerada à ciência, por causa de seus inegáveis sucessos, que ignora que nem tudo o que é conhecimento precisa ser científico. Porém, para ser conhecimento, é preciso haver mínimo rigor, até em áreas fora da ciência. A PNL enfrenta grandes dificuldades em convencer a maior parte do mundo acadêmico que suas alegações e técnicas têm esse rigor.
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