“A questão não é que os Estados Unidos não podem levar a sua população para cima da linha da pobreza”, escreve Annie Lowrey, “mas é que o país não quer”. A rede de segurança dos Estados Unidos falha com as pessoas porque ela é projetada para isso, ela argumenta, “entrelaçada como é com furos deliberados e grandes”. A solução, segundo o título de seu novo livro, é Dar Dinheiro às Pessoas.
A ideia, especificamente, é uma “renda básica universal” (RBU) – um programa governamental que enviaria US$ 1.000 para todos os americanos, todos os meses, sem contrapartidas, dando a todos o suficiente para viverem. Uma família de quatro pessoas receberia US$ 48.000, quase igual à renda familiar média da nação. Lowrey é uma escritora maravilhosa e, para defender a RBU, ela leva os leitores a uma fascinante viagem global – da fronteira entre as Coreias e o Quênia rural, do Salão Internacional do Automóvel de Detroit a abrigos para sem-teto no Maine. No entanto, o livro falha quando passa da narrativa para a análise – traduzindo esses exemplos, e as falhas da sociedade e os desafios que eles revelam, para o caso de uma política radical. Ele confunde um objeto brilhante com uma bala de prata.
Na narrativa indignada de Lowrey, muitos problemas desconcertantes da condição humana são apenas uma falha de vontade política ou de compaixão. “O que muitas vezes pensamos como circunstância econômica”, Lowrey explica, “é em grande parte um produto da política. A maneira como as coisas são realmente é a maneira como escolhemos que elas sejam”. Ela acredita que “a pobreza nos Estados Unidos é uma escolha” – não pelos que estão na pobreza, mas para a sociedade que lhes permite sofrer. Garantir que todas as famílias recebam dinheiro acima do limiar de pobreza definido pelo governo “seria, para declarar o óbvio, acabar com a pobreza”.
Para afirmar o óbvio, não seria. Talvez dar dinheiro às pessoas pudesse reduzir o cálculo oficial da taxa de pobreza do governo federal a zero. Mas a taxa de pobreza é apenas um ponto de dados abstrato, destinado a aproximar a parcela da população que vive em condições de pobreza. Dar a todos uma renda básica não eliminaria essas condições.
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Por um lado, muitas pessoas são incapazes de usar bem os recursos. O dinheiro adicional fluindo a cada mês para viciados em drogas pode acabar nos bolsos de seus traficantes. Tampouco o dinheiro atende às necessidades da população de rua que sofre de doença mental grave. Essas situações podem ser extremas, mas também são as que Lowrey usa para acusar a rede de segurança atual. Ela apresenta os leitores a Carolyn Silvius, desabrigada porque morar com os filhos era “muito penoso para eles e eles achavam que ela poderia obter melhor apoio social se estivesse em um abrigo”; e a Sandy Bishop, que sofria de artrite, fibromialgia, asma, diabetes e transtorno de déficit de atenção, mas nunca recebeu benefícios por deficiência, perdeu repetidamente seu vale-refeição governamental e também acabou sem moradia, apesar de mandar uma filha para a faculdade e de receber duas heranças modestas ao longo do caminho.
Talvez a pobreza não seja apenas uma questão de consumo. Aumentar artificialmente a renda de todos não faz nada para tornar os receptores mais produtivos ou para permitir sua participação na economia e na sociedade. Pelo contrário, uma RBU não apenas dispensaria os ricos da preocupação com os que estão ficando para trás; também isentaria aqueles que ficam para trás da obrigação de prover para si mesmos. Uma RBU pavimentaria a estrada que de outra forma seria rochosa da vida de pessoas que não conseguem formar famílias estáveis ou se preparam para investir em seus próprios futuros. Ter três filhos garantiria uma renda de classe média sem cônjuge ou emprego. Essas crianças não enfrentariam a pressão de obter educação e um primeiro emprego, talvez com salários baixos, que muitas vezes serve como pré-requisito para um segundo emprego melhor e um terceiro, e assim por diante. Que cada um deles teria US$ 12.000 para viver não é defesa. Sabemos como isso seria porque o benefício é aproximadamente equivalente em valor aos benefícios de segurança social do governo americano. As pessoas que tentam sobreviver apenas com essa quantia em uma comunidade subdesenvolvida – ou, também, em uma metrópole florescente, mas de alto custo – raramente são consideradas vitoriosas na Guerra contra a Pobreza.
Percalços
Lowrey parece em conflito sobre tais obstáculos. Por um lado, ela está comprometida com as alegações do subtítulo do livro – de que uma RBU não apenas “acabaria com a pobreza” mas também “revolucionaria o trabalho e reconstruiria o mundo”. Assim, ela escreve, uma RBU “permitiria que pessoas não trabalhassem” e até mesmo “mudaria a compreensão da sociedade sobre valor e trabalho”. Ela menospreza o “culto da autoconfiança” americano e pergunta: “Por que aceitar um emprego miserável por US$ 7,25 por hora quando você tem US$ 1.000 por mês para se garantir?"
Por outro lado, ela não acredita em um futuro de trabalho opcional. Ela descarta o medo de um êxodo da força de trabalho como “refutado de forma conclusiva”. E ela insiste que, “Certamente, os membros da [família Ortiz de seis pessoas] com idade suficiente para trabalhar não parariam de trabalhar”, mesmo com a família recebendo US$ 72.000 por ano em dinheiro do governo. Mas em sua próxima frase, ela observa que os pais de Ortiz agora poderiam recusar o que ela considera “péssimas condições de trabalho”.
Há uma troca fundamental aqui com a qual o livro não consegue lidar. Nós queremos ajudar aqueles que não podem se ajudar, mas também queremos que as pessoas que podem se ajudar mantenham a obrigação de fazê-lo. Prestar pouca ajuda aos necessitados tem custos reais; o mesmo acontece com a eliminação de expectativas e obrigações para todos os outros, com uma inundação de benefícios não merecidos. Já deveríamos ter aprendido esta lição, depois de 50 anos gastos inundando comunidades empobrecidas com trilhões de dólares em assistência, apenas para encontrar a taxa de pobreza mais alta hoje do que era na década de 1970.
Nosso sistema às vezes falha não porque queremos, mas porque qualquer sistema é imperfeito, e porque trocas dolorosas são inevitáveis, e porque o governo nunca conseguirá acertar completamente. Podemos fazer melhor e devemos nos esforçar para isso, e os relatos de Lowrey podem ajudar – algumas pessoas em abrigos para sem-teto precisam, sem dúvida, de um estímulo temporário para se recuperarem. Mas “resolver” o problema pulverizando indiscriminadamente dinheiro a todos só garante que, para a maioria das pessoas, estaremos entendendo tudo errado.
Oren Cass é membro sênior do Manhattan Institute e autor do livro “The Once and Future Worker”, que ainda será lançado
©2018 The City Journal. Publicado com permissão. Original em inglês