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Como a América corporativa, há muito considerada uma das instituições mais conservadoras do país, se tornou protagonista numa guerra cultural praticando todas as formas de militância progressista?
Hoje temos toda sorte de seminários sobre responsabilidade social e conferências sobre governança ambiental e social, nas quais administradores de todos os tipos se comprometem a promover o ativismo climático, a ideologia de gênero, o sindicalismo e outras causas. De alguma forma, vender um produto honesto a um preço justo se tornou uma preocupação secundária para o mundo corporativo, cada vez mais preocupado com acionistas que defendem causas difusas como “a comunidade local”, “o meio-ambiente global” e “a sociedade como um todo”.
Como chegamos a este ponto?
O analista político e de finanças pessoais Steve Soukup nos dá uma resposta fascinante e profunda em sua investigação do politizado mundo dos investimentos contemporâneo, “The Dictatorship of Woke Capital” [A ditadura do capital progressista].
A primeira metade do livro de Soukup é um resumão de um século e meio de história intelectual que cita nomes que vão de Adam Smith a Karl Marx, passando por Woodrow Wilson, Theodor Adorno, Saul Alinsky e Milton Friedman. Na história de Soukup, a mudança começou quando a Johns Hopkins University foi fundada, tendo por inspiração a Heidelberg University, da Alemanha, no final do século XIX. Ali, uma teoria política progressista começou a ganhar popularidade nos Estados Unidos. As mesmas tendências mais tarde ganharam força, depois que uma nova geração de marxistas chegou aos Estados Unidos, em meados do século XX.
Isso gerou uma revolução na forma de os teóricos de esquerda verem as atribuições do governo — e de outras instituições, como a iniciativa privada.
De acordo com os progressistas, nem a velha aristocracia nem a democracia liberal eram capazes de atingir os objetivos necessários da sociedade. Por isso era necessária uma nova elite esclarecida de administradores e burocratas. Esse era o progressismo de teóricos como Woodrow Wilson, Herbert Croly e John Dewey. Eles conferiram toda sorte de autoridade governamental aos administradores, mas ainda assim se consideravam alheios à política em si.
Por fim, cientistas políticos e especialistas em administração, liderados por acadêmicos como Dwight Waldo, da Universidade de Syracuse, concluíram que implementar as medidas democraticamente escolhidas não bastava. Esperava-se que a geração seguinte de especialistas substituísse seus padrões éticos e filosóficos por padrões apoiados pelos eleitores.
“Os funcionários públicos devem se tornar agentes ativos, esclarecidos e politizados da transformação”, como mais tarde diria um dos colegas de Waldo.
Essa é a receita para o que os críticos do governo chamam de “classe governante permanente” — funcionários públicos com emprego garantido, colaborando com ativistas de fora do governo e pondo suas decisões acima do eleitorado e dos representantes eleitos.
Mas a tendência de ver universitários esclarecidos desviando as instituições para fins progressistas não se restringe aos órgãos do governo. A mesma lógica por fim seria aplicada à administração das empresas privadas.
Soukup também conta como, ao mesmo tempo em que os estudiosos da administração expandiam suas disciplinas, autoproclamados radicais como Antonio Gramsci, na Itália, György Lukács, na Hungria, e Max Horkheimer, na Alemanha, tentavam recuperar a reputação e influência de Marx explicando várias das previsões fracassadas da teoria marxista. Quando os acadêmicos alemães da infame Escola de Frankfurt se exilaram nos Estados Unidos, durante a ascensão de Hitler ao poder, eles começaram a influenciar acadêmicos e escritores norte-americanos, o que levou ao surgimento de uma celebridade improvável da cultura pop, Herbert Marcuse.
Na imaginação popular, Marcuse estava associado aos movimentos políticos dos anos 1960, do radicalismo estudantil nos campi ao amor das comunas e praias dos Estados Unidos. Ainda que Soukup argumente que ele não exerceu uma influência tão direta assim sobre a política de esquerda, as ideias de Marcuse sobre os males do capitalismo e da sociedade burguesa fizeram parte da política de libertação que varreu o mundo no fim dos anos 1960 e começo dos anos 1970. Quando o então futuro ministro da Suprema Corte Lewis Powell lamentou a influência anticapitalista cada vez maior dos esquerdistas radicais, num memorando para a Câmara de Comércio dos EUA, em 1971, uma das poucas pessoas que ele criticou nominalmente, além de Ralph Nader e Eldridge Cleaver, foi Marcuse.
Essa revolução defendia não só que a economia capitalista é inerentemente exploradora, como o marxismo clássico ensina, mas também que toda a sociedade contemporânea é repressiva e desumanizante em relação a tudo, desde a família até a religião organizada, e que a educação conspirando para restringir nossa natureza e limitar nosso potencial infinito.
Como boa parte do “sistema” perdendo credibilidade, não à toda o comportamento do público em relação às empresas, ambivalente mesmo nas melhores situações, tenha se tornado mais hostil. Para os rebeldes, infelizmente nunca há matrículas nas universidades ou editoriais socialistas o bastante.
Se subtrairmos todos os que trabalham para agências governamentais e organizações sem fins lucrativos, mais de 70% dos norte-americanos trabalham na iniciativa privada, que busca o lucro. Isso significa que as ideias anticapitalistas vêm de dentro do sistema.
Esse conflito, o de que muitas pessoas — tanto funcionários do baixo escalão como em cargos de chefia — trabalham para empresas privadas pelas quais nutrem sentimentos ambivalentes não é produto do progressismo, mas a teoria acadêmica por trás dele não ajuda em nada. Meu colega Fred L. Smith Jr, do Competitive Enterprise Institute, tem escrito bastante sobre o assunto — líderes empresariais que sofrem de um complexo de inferioridade na profissão e sentem que precisam “recuperar” seu prestígio moral no mundo da sinalização da virtude esquerdista.
A segunda metade de The Dictatorship of Woke Capital enumera vária campanhas progressistas controversas encampadas por alguns dos maiores nomes de Wall Street: Apple, Disney e Amazon. Os temas variam, mas a tendência geral é preocupante. Em vez de se concentrarem no que fazem de melhor e permanecerem neutras na guerra cultura, as grandes empresas deslocam suas marcas para um ou outro lado da divisão política. Se isso será bom para os negócios é algo que ainda não se sabe.
Deixando de lado temas específicos, a influência de todos aqueles estudiosos progressistas e marxistas que o livro mostra pode ser vista na ideia contemporânea de que nenhuma instituição deve se manter alienada da política. Soukup escreve que “essa é uma batalha entre os que acreditam que a política é e deve mesmo ser a força por trás de todas as interações humanas e os que acreditam que a política é só uma parte da experiência humana, uma parte que deve ser a mais restrita e limitada possível”.
A tentativa de transformar toda empresa num soldado político não fará do mundo um lugar melhor. Não é preciso ser conservador, como Soukup, nem um defensor do livre-mercado, para perceber isso.
Richard Morrison é editor sênior no Competitive Enterprise Institute.