Seis projetos de lei tramitam juntos para expandir o Código Penal em assuntos que tangem as vacinas. O mais ambicioso é o do senador Angelo Coronel.| Foto: Bigstock/AndreyR
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Foi rejeitado por 92% dos respondentes de uma enquete no site do Senado o projeto de lei do senador Angelo Coronel (PSD/BA) que prevê incluir no Código Penal prisão de um a três anos para quem for omisso ou se opuser à vacinação obrigatória de criança ou adolescente em situação de “emergência de saúde pública”. A pena prevista no projeto para recusa das vacinas obrigatórias para si mesmo, também em emergência, é mais severa, de dois a oito anos de prisão, com multa. A mesma punição é reservada para quem espalhar “notícias falsas” sobre as vacinas “ou sobre sua eficácia” ou a quem desestimular a vacinação “de qualquer modo” — se for funcionário público, a pena é dobrada. Mais de 127 mil pessoas votaram na consulta pública até esta sexta (27).

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O PL, com número 5555 e proposto em dezembro de 2020, continua a tramitar, com atualização do mês passado, quando passou pela Secretaria Legislativa do Senado Federal e teve a continuidade confirmada. Ele voltou a ser discutido nas redes sociais este mês, atraindo mais participantes na enquete. O próprio senador solicitou, em abril de 2021, uma tramitação conjunta com o PL 25/2021, proposto dois meses antes pelo deputado Fernando Rodolfo (PL/PE), que cria delitos no Código Penal para quem furar a fila da vacinação (dois a cinco anos de reclusão e multa), desviar doses e insumos médicos (cinco a quinze anos de prisão) e agravante para quem for funcionário público. O projeto de Rodolfo, com uma enquete menos expressiva de 87 votos, foi reprovado por 78% deles.

A justificativa apresentada por Angelo Coronel para a tramitação conjunta é que os dois projetos “tratam da mesma matéria”. O pedido foi atendido. Até maio, mais quatro projetos foram apensados à tramitação: 13, 15, 505 e 1140, todos de 2021. Os dois primeiros buscam criar o crime de furar fila da vacinação, como parte do projeto de Rodolfo, e os dois últimos criminalizar aplicação de dose falsa ou a simulação de aplicação. O último tem o mais notório dos proponentes, o senador Ciro Nogueira (PP/PI), que três meses depois foi nomeado ministro-chefe da Casa Civil de Bolsonaro, cargo em que ficou até o fim do mandato do ex-presidente.

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Após a tramitação de maio de 2021, os projetos só voltaram a se mexer em dezembro de 2022 — quando os resultados das eleições já eram conhecidos e um dispositivo do regimento interno do Senado, que depende em parte da continuidade dos mandatos dos proponentes, determinou que não fossem arquivados automaticamente.

O problema da coerção

O mais ambicioso dos seis projetos de lei é o do Angelo Coronel, que recebeu a maior atenção nas enquetes. Os outros, especialmente, parecem reações a notícias. Rodolfo cita, por exemplo, uma denúncia de desvio de 60 mil doses no Amazonas.

A justificação do projeto 5555 começa citando as vacinas clássicas. São 18 delas no Programa Nacional de Vacinação. Descendentes da variolação, elas se baseiam no princípio de apresentar ao sistema imunológico uma versão desativada ou atenuada do patógeno (vírus ou bactéria). As vacinas de mRNA contra Covid, no entanto, só lembram esse princípio indiretamente: uma única proteína da superfície do vírus é produzida pelo próprio corpo do paciente ao receber a instrução de sua montagem (o mRNA).

O princípio das vacinas clássicas data de mais de mil anos atrás, quando chineses davam para crianças aspirarem o pó de feridas de pessoas que tiveram casos leves de varíola. Dúvidas e alegações falsas levantadas por grupos de pressão contra as vacinas clássicas, especialmente as que alegam a falsa conexão entre a inoculação e o autismo, são de fato perigosas para crianças, ao persuadir mais adultos a evitar as doses de tecnologia clássica contra caxumba, rubéola, sarampo, catapora, difteria, poliomielite e outras doenças. O efeito da má informação não é sentido imediatamente, mas quando começa a ser perdida a imunidade de rebanho contra essas doenças.

Porém, nem mesmo o Reino Unido, local em que começou muito da retórica do movimento antivacinas, criminalizou os argumentos contra vacinas. Seria difícil, já que uma das maiores fontes, um estudo de baixa qualidade publicado na década de 90 na revista médica The Lancet sugerindo a associação com o autismo, cujo autor se tornou um dos maiores ativistas contra as vacinas clássicas (deixando a ciência), é da própria comunidade científica, cujos mecanismos de defesa, como a revisão por pares, com frequência falham.

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Além disso, muita frustração tem origem em expectativas que foram elevadas irresponsavelmente pelas próprias autoridades sanitárias, como as do governo João Doria, em São Paulo, que chegaram a prometer uma eficácia de 100% para a Coronavac nos casos severos. Difícil imaginar um mundo em que essas autoridades, ou revistas científicas, sejam punidas pelo mecanismo do projeto do senador Angelo Coronel por darem informações que se revelam mais tarde erradas.

O maior estudo das máscaras feito na pandemia caiu em descrédito, porém, não uma parte dele que descobriu que, em Bangladesh, a persuasão com campanhas educativas era mais eficaz para fazer as pessoas aderirem às máscaras que ordens do governo do país.

O problema de ignorar como a proteção contra Covid é obtida

Em geral, a nova tecnologia do mRNA parece segura, mas as evidências indicam que uma pergunta crucial a ser feita é “para quem?” — agora está claro, por exemplo, que rapazes jovens, em torno dos 16 aos 24 anos, desenvolvem, especialmente após mais de uma dose, uma inflamação no coração a uma taxa de cerca de 30 em 100 mil, como contam o hematologista Vinay Prasad e o cardiologista John Mandrola no jornal The Free Press. Prasad é coautor, também, de uma análise bioética e de evidências de custo-benefício que concluiu que é antiético exigir que universitários tomem dose de reforço, arriscando seus corações — como fizeram universidades brasileiras.

A Organização Mundial da Saúde reconheceu este mês que a melhor proteção que existe contra a Covid no momento é a imunidade híbrida, derivada de vacina e de infecção prévia (imunidade natural). É também a que mais evita transmissões, mas a uma taxa pouco impressionante de 40%. Estudos indicam que, em poucos meses, a imunidade híbrida pode ficar indistinguível da natural. A assessoria do senador comentou que “se a imunização é híbrida, como diz o próprio comunicado da OMS, significa que apenas a infecção prévia não previne, ela precisa estar associada a um esquema vacinal mínimo com duas doses”.

Países inteiros como Dinamarca, México, Suécia e Noruega não viram sabedoria em recomendar vacinas contra Covid para as crianças saudáveis, em vez de apenas para as que têm problemas de saúde que agravam os riscos da infecção. Reino Unido, Irlanda, Japão e Espanha foram cautelosos quanto a recomendar a dose de reforço para elas.

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Em resposta à Gazeta do Povo, o gabinete do senador disse que “a apresentação do PL 5555/2020 não considerou as políticas dinamarquesas de saúde pelo simples de fato de que elas são políticas dinamarquesas”. Mas o ponto é que a Dinamarca e outros países não consideraram recorrer à coerção, como tantos políticos no Brasil não só consideraram, como a promoveram ativamente. No momento, o Brasil está dentro da metade mais autoritária dos países do mundo, segundo um novo índice de liberdade de expressão.

O gabinete de Angelo Coronel aponta, também, que o projeto se baseia nas décadas de história de sucesso do Programa Nacional de Imunização, que faz 50 anos. Um programa que é posterior à histórica Revolta da Vacina, que teve tudo a ver com autoridades sanitárias recorrendo à coerção. O sucesso é inegável, mas tem pouco a ver com criminalizar expressões de céticos quanto à eficácia das vacinas. Além disso, como dito, as vacinas de mRNA são uma tecnologia nova, o que ao menos explica a hesitação de muitos.

Defesa do senador

Por todos esses motivos, ao menos em se tratando da Covid, o projeto de lei de Angelo Coronel é na realidade pouco embasado em fatos. Em retrospecto, embora alguns desses fatos já fossem ao menos plausíveis de se considerar quando o PL foi proposto, o que foi sendo revelado é que uma só política de vacinação para todos no caso dessa doença, como disse a análise para os universitários, incorre em impor custos maiores que benefícios, algo amplamente considerado antiético. E situações de emergência, com frequência prolongadas demais por governos, não servem para atropelar a cautela.

Além disso, o projeto busca solucionar pela coerção um problema que pode ser mais bem tratado com mais expressão, não menos. Todos dizem que são a favor da educação. Mas poucos estão dispostos a aplicar o esforço que ela demanda.

O gabinete do senador Angelo Coronel se defende, dizendo à reportagem que “é importante destacar a expressão ‘sem justa causa’ presente no texto do projeto. Esse é o mecanismo que assegura ao juiz poder analisar cada caso concreto”. Além disso, acrescenta a assessoria, o projeto “foi apresentado para debate e poderá ser aperfeiçoado pelo Parlamento”.

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]