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Opinião

Promotora impõe veganismo a crianças da Bahia e se torna a Maria Antonieta do agreste

Cena do filme 'Maria Antonieta'
Cena do filme "Maria Antonieta", de Sofia Coppola: "Se não têm pão, que comam brioches" (Foto: Divulgação)

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A cidade de Serrinha, distante 179 km de Salvador, na Bahia, é uma das mais pobres e subdesenvolvidas do Brasil. Nem metade de sua população tem acesso à rede de esgoto, o salário médio é de 1,6 salário mínimo por mês, e o Índice de Desenvolvimento Humano é de 0,634 (dados de 2010), o que coloca o município na 3.407ª posição entre os 5.565 municípios do Brasil. Para efeito de comparação, Pato Branco, no Paraná, que tem uma população semelhante, ostenta um IDH de 0,782, o 113º melhor do Brasil.

No meio deste cenário desolador, a promotora Leticia Baird, do Ministério Público da Bahia, achou uma boa ideia implantar um programa para que as escolas públicas da cidade (e de outros três municípios, Teofilândia, Biritinga e Barrocas, igualmente miseráveis) se tornem veganas. Como informa reportagem da Gazeta do Povo, “em prol da sustentabilidade, na prática, as escolas estão retirando carnes, ovos e leite do cardápio escolar. Em troca, oferecem aos estudantes, carentes, em sua grande maioria, pasta de amendoim, pão vegano, carne de soja, entre outras receitas.”

A intenção é que o cardápio das escolas destas cidades se torne 100% vegano nos próximos anos. Questionada pela repórter Isabelle Barone sobre como fariam os alunos que ainda quisessem carne, a promotora saiu-se com esta declaração: “Que comam em casa com o seu dinheiro”. A frase guarda uma sinistra semelhança com a que supostamente foi proferida pela rainha Maria Antonieta diante da fome do povo francês no século 18: “Se não têm pão, que comam brioches”.

A diferença entre a rainha francesa e a promotora da Bahia é que a primeira disse o que disse por maldade. A segunda o fez baseada na crença de que estava criando um mundo melhor. O que pode ser mais cheio de boas intenções e virtuoso que promover o veganismo em crianças carentes?

Obviamente a iniciativa caiu no ridículo entre os pais dos alunos. “É um absurdo”, disse Jucineide Santos ao Washington Post, que deslocou um repórter até lá para relatar o despautério. Jucineide também disse que sua filha de 12 anos frequentemente volta pra casa com fome.

A fome é algo presente no cotidiano de milhares de crianças no Brasil, por isso mesmo a merenda escolar não significa apenas um lanchinho. Fique com o depoimento que a professora Lilia Melo, de Belém (PA), deu à BBC Brasil, em um reportagem sobre a importância da merenda em todo o País: "Esses dias, servi bolo com suco e vi um dos alunos levantando em direção a sua mochila. Depois percebi que ele deixou de comer para guardar para mais tarde. Perguntei por que, e ele não disse nada. Dei mais um pedaço e ele comeu. Na saída ele revelou: 'professora, tô levando pro meu irmão'. Ele tem um irmão de quatro anos.”

Frequentemente a merenda escolar é a única refeição do dia. “Coloquei os meninos na escola pra isso mesmo, por causa da merenda", conta uma mãe desempregada ouvida pela reportagem da BBC, que mora em um barraco com os cinco filhos na favela de Paraisópolis, em São Paulo.

Ao retirar gradualmente a carne do cardápio das escolas de Serrinha, Teofilândia, Biritinga e Barrocas, a promotora de justiça ignora que a dieta vegana não é a mais adequada às crianças.

Sim, é possível obter os mesmos nutrientes presentes nos alimentos de origem animal em uma dieta vegana. O espinafre é uma ótima fonte de ferro, tem a mesma quantidade que a carne vermelha, mas o ferro contido nele não é tão bem absorvido pelo corpo humano quanto o de origem animal. Ou seja, é preciso consumir muito mais espinafre para obter a mesma quantidade presente em um bife, por exemplo. Zinco, magnésio podem ser encontrados em produtos à base de soja, mas são muito mais facilmente absorvidos pelo organismo quando o alimento é de origem animal.

E ainda há o caso da vitamina B12, fundamental para o desenvolvimento neurológico das crianças, e encontrado praticamente apenas nos alimentos de procedência animal. O Ômega-3, outro nutriente essencial para o cérebro e para o sistema imunológico, é abundante em peixes, porém sem correspondente vegetal comestível.

Todos esses nutrientes são de extrema importância na primeira infância, quando o cérebro está formando suas conexões e se desenvolvendo intelectualmente. Eles podem ser repostos de maneira artificial, por meio de suplementos. Mas as crianças que estão submetidas a esse tipo de dieta precisam ser monitoradas constantemente para detectar qualquer tipo de carência nutricional. Exatamente tudo que o sistema educacional do sertão baiano não pode oferecer a seus alunos.

Analisando a questão por um ângulo mais generoso, é até positivo notar que existe gente no Ministério Público genuinamente preocupada com a alimentação escolar. O Brasil é um país de tantos contrastes que luta ao mesmo tempo contra a desnutrição e a obesidade infantil.

Por isso mesmo o que está em discussão aqui não é o veganismo. Mas sim sua imposição fora da realidade. Usar a força do Estado para infligir a dieta vegana a crianças pobres tem o mesmo peso de mandar a plebe faminta de Paris, na ausência de pães, comer brioches — sem glúten, por favor.

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