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Opinião

Propaganda com “E.T.” mostra que nossa cultura e herança moral viraram piada

Nostalgia sarcástica: propaganda transforma o clássico "E.T." em mercadoria e reduz o Natal a um feriado sem a presença de Cristo. (Foto: Divulgação)

O comercial “A Holiday Reunion” [Um reencontro de Natal] é a sequência de E.T., o Extraterrestre (1982), de Steven Spielberg, que ninguém pediu. Ela jamais teria sido feita se não tivéssemos chegado a um ponto sem volta de degeneração cultural – e audácia empresarial.

E.T. foi o filme mais popular dos anos 1980 (está em 4º lugar na lista dos filmes de maior bilheteria segundo o Box Office Mojo). Ele retrata com humor e emoção o menino Elliott (Henry Thomas), que está se sentindo sozinho depois da separação dos pais e que faz amizade com um alienígena.

O extraterrestre (chamado E.T., sigla que remete também ao nome de Elliott) é uma criatura baixa, de pele marrom e olhos arregalados com a qual o menino de um subúrbio norte-americano, Elliott, vive uma experiência de empatia telepática: e a projeção psicológica tornada realidade.

E.T. foi instantaneamente amado. Lançado logo depois da tolice sentimental de Star Wars, ele aumentou a aposta do que o cinema popular podia expressar, inspirando-se na necessidade universal de ser compreendido. Isso fez com que o processo de identificação que acompanha o crescimento pessoal e o amadurecimento das crianças parecesse quase mágico.

A simplicidade infantil do filme se transformava em algo incrivelmente profundo, o ponto alto da necessidade de redenção expressa nos revolucionários clássicos cínicos durante o Renascimento do cinema norte-americano. O encanto de E.T. estava na reação ao desencanto pós-1960, pós-Vietnã e pós-Watergate.

"A Holiday Reunion" usa E.T. num momento de instabilidade cultural, quando o cinema, enquanto evento público unificador, está sendo substituído pela exibição privada de conteúdo – a fragmentação máxima da sociedade. O motivo por trás disso é promover o Xfinity, sistema de transmissão a cabo de propriedade da Comcast e NBC Universal, empresa-mãe dona do filme de Spielberg. Sua logomarca aparece em várias cenas do comercial.

A reconexão com E.T. — o último grande exemplo de um filme de arte para a aldeia global – prova ser uma traição arrasadora da unidade cultural feita com objetivos mercenários. Ela ocorre na mesma época em que a juventude millennials foi doutrinada e transformada em peão político – a inocência deles foi expropriada e monetizada, se transformando ironicamente numa “diversidade” que não faz nenhum sentido.

A história de E.T. não é conhecida por ativistas como Greta Thunberg. Nascida depois do fenômeno social de E.T., a geração que se tornou pessimista e distópica graças a filmes como Wall-E e O Cavaleiro das Trevas jamais aprendeu a lição de Spielberg sobre empatia ecumênica. O imaginário de anunciação e ressurreição de E.T. estava tão cheia de referências judaico-cristãs que, assim como no melhor filme de Spielberg, Contatos Imediatos de Terceiro Grau, era mais do que um filme para a família da Disney poderia sonhar.

Ao contrário disso, "A Holiday Reunion" mostra uma nostalgia falsa. Seu apelo aos boomers [referência à geração que nasceu depois da Segunda Guerra Mundial] os leva a esquecerem que, acima de tudo, E.T. é uma obra de referência espiritual.

No anúncio do comercial, a trama é descrita como “37 anos depois”. Então é surpreendente quando Henry Thomas, agora com 47 anos, aparece casado e pai de duas crianças que aceitam o velho amigo extraterrestre, que está voltando à Terra sem outro motivo aparente além de vencer a Comcast. (A família sedentária do Elliott adulto vê TV a cabo com E.T. e o filho de Elliott apresenta ao visitante antes tecnologicamente avançado as maravilhas do WiFi, tablets e aparelhos de realidade virtual).

Em “A Holiday Reunion”, a promessa de 4 minutos de uma revolução midiática da Xfinity, partes preciosas do nosso passado cultural são violadas. A moral de E.T., aquele momento grandioso em que alienígena e criança voam de bicicleta diante da lua iluminada como se ela fosse o arco-íris que funcionou como sinal de Deus para Noé, é trucidada.

“Essas coisas são frágeis!”, insistia Holly Hunter no filme romântico metafísico Além da Eternidade (1989). Ela se referia não apenas à tradição ou nostalgia, mas também aos símbolos de toda a base étnica e ética de Spielberg (e do Ocidente), agora trivializada — e, aparentemente, com o consentimento do maestro da empresa. Ele finalmente conseguiu transformar E.T. numa mercadoria. O Natal do comercial é uma festa sem a presença de Cristo.

Mesmo com a música de John Williams ressoando em nossa memória, o sarcasmo da expressão “Ok, Boomer” no comercial é uma ofensa. O diretor da peça, Lance Accord (ex-cinegrafista que fez uma análise materialista e séria de várias obras de Spike Jonze), não consegue alcançar aquele close final transcendente de Elliott olhando para a estrela, seu rosto infantil expressando o preço da sabedoria. Nada mais na nossa cultura é sagrado? Alguma coisa será capaz de fazer Spielberg grande de novo?

Armond White é crítico de cinema e escreve sobre filmes para a National Review.

© 2019 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês

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