A gente de universidade estava sorumbática, triste, quando enfim surgiu uma luz surgiu no horizonte. Lá está ela, a mais nova raxetague do momento. Seguindo a esteira do #NãoVaiTerGolpe, do #ForaTemer, do #EleNão, eis que aparece, resplandecente, a #DEFENDAOLIVRO. De quê? Dos impostos!!
Depois de anos glorificando a alta taxação dos países nórdicos, querendo tomar aquela gente branquinha e civilizada como exemplo para este Brasil de vira-latas e selvagens, eis que de repente imposto é ruim. Eu aprendi com eles que lugar de gente que presta é assim: todo mundo dá, feliz da vida, uma montanha de dinheiro pro governo, que cuida bem dos seus interesses.
Como nos países nórdicos não têm miséria, o brasileiro que acredita nisso tem dupla razão para ficar alegre com a possibilidade de pagar 12% de impostos ao comprar livros. Primeiro, aqui tem pobre de verdade que precisa de dinheiro arrecadado para sobreviver. Segundo, é falsa a suposição de que pobre precisa comprar livros para ler livros. Biblioteca pública existe para isso. A região mais pobre do país, o Nordeste, tem muitos governadores progressistas e de esquerda, na certa empenhados em cuidar com as bibliotecas públicas. (Ou não.)
Que a esquerda defenda, pois, o investimento no bem comum que é a biblioteca pública, em detrimento do particularismo do livro privado. A cada vez que uma mana empoderada compra o Pequeno Manual Antirracista, de Djamila Ribeiro, ou Nosso Lugar (não confundir com o filme espírita), de Tabata Amaral, o erário se abastece com dinheiro para atender mulheres negras periféricas gordas transexuais lésbicas. Os 12% do livro irão, via auxílio emergencial, alimentar o pobre do município mais pobre do Piauí, bem como o artista psolista desempregado em decorrência do racismo estrutural que acabou com os editais para performance na cidade dele.
Não obstante, Manu Dávila gravou vídeo no Tik Tok (aquela rede social chinesa metida com espionagem) mandando Guedes taxar iates e heranças, em vez de livros. Um abaixo-assinado com mais de duzentas mil assinaturas diz que os pobres vão ficar sem ler por causa dos impostos, e que a ausência destes foi uma ideia de Jorge Amado. Talvez o redator do abaixo-assinado tenha dito isto para mostrar a origem comunista da ideia, mas me fez pensar que essa isenção não era exatamente desinteressada, dado o fato de ter sido bolada por um escritor que não queria pagar imposto.
A argumentação não me convenceu. De minha parte, acho que a isenção tributária dos livros está longe de ser o meio adequado de ajudar os mais pobres. Se eu fosse escolher um item para isentar com essa finalidade, seria o feijão. Taís Araújo andar com livro de Djamila no sovaco não tem nada a ver com a melhoria de vida de um cearense castigado pela seca. (Tampouco teria Taís Araújo comprando feijão sem imposto, daí a importância dos ditos programas focalizados, como o Bolsa Família.) Quem realmente estiver preocupado com a leitura dos mais pobres, que defenda um bom ensino básico e boas bibliotecas públicas.
Disso, naturalmente, não se segue que eu goste de pagar imposto ao comprar e vender livros. Assim, tenho uma proposta para resolver o impasse de maneira que todos saiamos felizes.
Aprendi há muito que livro é coisa de gente inteligente, de modo que a falta de livros na estante de Paulo Guedes prova que ele é um neoliberal xucro. Logo, nada mais justo que deixar esses seres iluminados, os escritores, determinarem que o se livro contribuirá com a coisa pública. Todo livro será taxado, a menos que o escritor use um chapeuzinho cônico em praça pública e proclame as seguintes palavras: “Eu, Fulano de Tal, sou um neoliberal que não gosta de pagar imposto!” A declaração será pré-agendada e constará no Diário Oficial, de modo que cidadãos preocupados possam filmar e botar nas redes sociais.
Eu mesma escrevi um livro, e topo. Afinal, gosto de ser liberal e não gosto de pagar imposto.
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