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Na última sexta-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou sua simpatia pela candidata democrata à Casa Branca, Kamala Harris. Mas que ela não conte com o apoio do Foro de São Paulo na eleição desta terça (5).
Em debate virtual para discutir a disputa pela Casa Branca, representantes da organização (que também são lideranças petistas e da Fundação Perseu Abramo, um braço do PT), deram espaço para que um grupo radical de esquerda dos Estados Unidos criticasse a candidata democrata à Casa Branca.
Os convidados eram alguns dos nomes mais importantes dos Socialistas Democráticos da América (DSA, na sigla em inglês). O grupo, com aproximadamente 60 mil integrantes, possui cinco de seus membros no Congresso dos Estados Unidos e defende exatamente o que o nome sugere — um socialismo com democracia, seja qual for a definição de democracia.
Segundo os aliados dos petistas, Kamala Harris e o Partido Democrata são de direita — e Trump, de extrema-direita.
Tanto o Foro de São Paulo quanto a Fundação Perseu Abramo têm convênios institucionais com o DSA, cujo nome mais conhecido é o do senador Bernie Sanders.
Portunhol e “estadunidense”
O debate aconteceu a poucas semanas da eleição nos Estados Unidos. Quem se encarregou de mediar o evento foi Mônica Valente, secretária-executiva do Foro de São Paulo e integrante da executiva nacional do PT. Embora os convidados fossem americanos, ela falou em espanhol porque essa é a língua comum do Foro de São Paulo — o evento foi transmitido ao vivo para os membros e simpatizantes da entidade, que reúne organizações de esquerda da América Latina.
Valente se esforçou no espanhol. “Esta es una promoción del Foro de Sao Paulo en conjunto com la Fundación Perseu Abramo, la fundación partidária del PT Brasil”, disse.
Os convidados americanos contaram com tradução simultânea.
Mônica, que diz “estadunidense” em vez de “americano”, condenou o “bloqueio criminoso a Cuba” e as “sanções contra a Venezuela” e lamentou que esses não sejam temas da campanha eleitoral dos Estados Unidos.
Ao lado dela, estava Valter Pomar – outra figura influente do PT e um dos cérebros do Foro de São Paulo.
Kamala Harris, direitista e neoliberal
A primeira representante do DSA a falar é Luisa Martinez, integrante do Comitê Político Nacional do DSA. Ela usa uma camiseta de Salvador Allende, o líder marxista chileno morto durante o golpe de estado em 1973. Atrás dela, na geladeira, é possível ver que alguém escreveu "Stop spending money" (“Pare de gastar dinheiro”). Não é possível saber se o aviso é uma dica de economia doméstica ou um ataque ao sistema capitalista.
“O Partido Democrata está também mais à direita, e vemos que não houve uma discussão sobre política. Foi apenas um teatro”, ela diz. Segundo Luisa, os Estados Unidos têm mazelas que por vezes são ignoradas por quem vive em outros países.
A ativista afirma que 140 milhões dos 332 milhões de americanos vivem na pobreza. Na verdade, os dados do Censo americano apontam que, em 2023, 36,8 milhões de americanos eram pobres — e ainda assim, uma pobreza que na maior parte das vezes equivale a um padrão de vida de classe média no Brasil.
Depois dela, quem fala é Megan Romer, uma das pessoas que se apresentam como “co-presidentes” do DSA.
Ela concorda que Kamala Harris não está do lado dos socialistas. “O que temos mais à esquerda é Kamala Harris que, bem, não se pode dizer que realmente é de esquerda", argumenta.
Megan explica que o debate da (verdadeira) esquerda americana transita entre dois polos: o de não participar das eleições e o de juntar forças com o Partido Democrata, que seria uma alternativa menos ruim que Donald Trump. “Se Trump ganhar, vai perseguir os líderes da esquerda”, ela alerta. “Nossa tarefa é organizar a classe operária e oferecer uma alternativa real seja ao neoliberalismo, seja ao conservadorismo”, acrescenta. O “neoliberalismo” é uma referência ao Partido Democrata.
“Os dois são maus”, ela opina, “então, nossa tarefa é ver como podemos nos organizar apesar de tudo isso e, em última instância, nosso trabalho seguirá sendo o mesmo: politizar e avançar dentro da classe trabalhadora”.
Genocídio em Gaza
É a vez de outro co-presidente do DSA, Ashik Siddique, falar.
Ele está preocupado com o “genocídio em Gaza”. “Não temos um candidato de esquerda que possa nos representar desde Bernie Sanders”, lamenta.
Mas poderia ser pior: Siddique afirma que, na escolha do candidato a vice na chapa de Kamala Harris, o mal maior foi evitado quando a campanha de Kamala Harris escolheu Tim Walz e não o governador da Pensilvânia, Josh Shapiro. “Ele é conhecido como sionista e é ambíguo sobre temas relacionados aos trabalhadores”, diz Siddique.
Volta Mônica Valente.
Ela repete a tese de que há um genocídio em Gaza e avalia o cenário eleitoral americano: “É uma situação bastante difícil de posicionamento em relação aos dois principais candidatos presidenciais, e que o mundo todo acompanha com muita atenção.”
Os convidados americanos se dividem em blocos de cinco minutos. Um deles, Steven Rizzo lamenta que haja “cubanos de extrema-direita no estado da Flórida”. Jorge Rocha, cuja especialidade é a “solidariedade internacional anti-imperialista”, denuncia a relação entre Elon Musk e o Estado de Israel. Ele diz que os países ocidentais investem na guerra não por dinheiro, mas por poder. "Não se trata de dinheiro para explicar o poder colonial, mas tem a ver com seu status de império", afirma ele, ao encerrar sua participação.
Passam-se longos dezessete segundos de absoluto silêncio. O rosto de Jorge continua na tela.
Mônica finalmente diz algo: “Jorge, terminaste?”
“Sim”, ele confirma.
“São super importantes os dados que você nos passou sobre os interesses comerciais, industriais e financeiros do império, como Black Rock e Space X, na indústria da guerra — especialmente agora com o genocídio em Gaza mas também no conflito da Ucrânia”, Mônica emenda, como que a compensar o lapso.
Na caixa de comentários da transmissão, saudações de militantes de Cuba, da Colômbia e da República Dominicana. Enquanto isso, alguém pergunta se é possível remover a tradução simultânea.
Imigração em pauta
Agora, Mônica pergunta sobre imigração. Ela diz que não consegue compreender qual é a política de Kamala Harris sobre o tema. Luisa Martínez também não. “Uma das críticas a Harris é que é muito difícil saber quais são as políticas nesse sentido. Levou muito tempo para ela apresentar uma plataforma e ainda não está muito clara", diz a ativista.
Siddique diz que, quando trabalhadores americanos se preocupam com a possibilidade de que imigrantes roubem seus empregos, é preciso apontar para o real culpado — obviamente, o capitalismo.
“O problema não é que os imigrantes tomam o seu trabalho, mas sim o sistema capitalista e o fato de que poucas pessoas extraem todos os benefícios e exploram os trabalhadores”, diz ele.
Fim do evento. Senado ao lado de Mônica no que parece ser uma sala de reuniões, Valter Pomar agradece: “Para nós, da Fundação Perseu Abramo, é muito importante a oportunidade de fazer intercâmbios com a DSA e com as esquerdas dos Estados Unidos". Ao fundo, fotografias de Luiz Inácio Lula da Silva e cartazes antigos do PT.