O presidente russo Vladimir Putin subiu ao palco na praça em frente ao Kremlin para reivindicar a vitória nas eleições nacionais deste domingo (18) durante um show ao ar livre que comemorava o quarto aniversário de anexação da Crimeia à Rússia.
Ele agradeceu à multidão por seu apoio nas "circunstâncias muito difíceis" dos últimos anos e depois começou a entoar as palavras de ordem: "Rússia! Rússia! Rússia!".
Com sua vitória neste domingo, Putin teve o show de eleições que queria. Mas enquanto ele pensa no que fará em seguida, crescem as tensões com o ocidente.
Nas semanas anteriores à reeleição de Putin para mais seis anos no poder, o presidente quase não fez campanha e apresentou poucos planos concretos para grandes reformas domésticas. Ele, no entanto, deixava os russos admirados com exibições de novas armas fantásticas, enquanto a televisão controlada pelo estado intensificava o ritmo de denúncias sobre supostas ameaças vindas dos Estados Unidos e seus aliados.
Em resumo, o enredo era: a Rússia está sob ataque e precisa de um líder forte para sobreviver.
O presente de May
"Esta é uma resposta definitiva à pressão que atualmente é exercida sobre a Rússia", disse a vice-presidente do comitê eleitoral de Putin, Yelena Shmelyova, à agência de notícias Interfax depois que os resultados foram divulgados. "Existe uma visão de que essa injustiça está crescendo ainda mais. E esta é a nossa resposta a isso".
Quando Putin reunir seu novo governo nos próximos meses, precisará lidar com os interesses opostos de uma elite que buscará por influência em uma era pós-Putin, que algum dia chegará. O resultado, dizem muitos analistas, é que, à medida que as lutas internas sobre o futuro interno do país continuem sendo prioridades, Putin terá interesse em intensificar o conflito com o Ocidente.
"Essa destruição dos sistemas de governo leva a políticas externas irresponsáveis no exterior", disse Gleb Pavlovsky, um ex-conselheiro do Kremlin, que se tornou proeminente crítico de Putin. "É por isso que esta atividade no exterior só se intensificará".
Pavlovsky disse que a primeira-ministra britânica, Theresa May, por exemplo, entregou a Putin um "presente pré-eleitoral" ao acusar a Rússia, muito rapidamente, do ataque ao ex-espião Sergei Skripal e ao dar uma resposta assertiva a respeito do assunto. Isso irritou os russos, motivando alguns eleitores, que ficariam em casa neste domingo, a votar.
"Acredito que qualquer pessoa sensata entenda que é loucura, idiotice e sem sentido pensar que qualquer um na Rússia se permitiria fazer algo assim nas vésperas das eleições presidenciais e da Copa do Mundo”, disse Putin sobre o caso Skripal durante a coletiva de imprensa da vitória. "É simplesmente incompreensível".
Mais discretamente, a Rússia está ameaçando aumentar a interferência militar na Síria, onde sua luta em apoio ao presidente Bashar al-Assad está aumentando o risco de um embate militar com os Estados Unidos.
Na semana passada, o chefe do Estado Maior da Rússia, o general Valery Gerasimov, acusou Washington de planejar um ataque de mísseis de longo alcance a Damasco. Ele não apresentou nenhuma evidência, mas prometeu que a Rússia retaliaria contra "os mísseis e os lançadores utilizados".
Há seis anos, quando concorreu pela última vez, Putin intensificou sua retórica anti-americana em meio a grandes e contínuos protestos contra ele nas ruas. Autoridades norte-americanas, pensando se tratar de uma manobra eleitoral, esperavam que ele diminuisse o tom uma vez que estivesse em segurança no cargo - mas isso nunca aconteceu. E é improvável que aconteça agora.
Aumentando sua visibilidade em assuntos internacionais, Putin consolida o poder em casa. Enquanto uma luta de poder sobre sua sucessão domina o cenário interno, ele pode precisar disso.
E daqui a seis anos?
Com a vitória de mais um mandato de seis anos, o caminho está livre para Putin, que tem 65 anos, governar até 2024 - o que fará com que ele fique quase um quarto de século no poder.
Mas o que acontece depois? Os analistas dizem cada vez mais que não ficariam surpresos ao vê-lo tentar ampliar seu governo para além desse período, talvez seguindo os passos do presidente chinês Xi Jinping, que eliminou limites de mandato, ou assumindo algum tipo de cargo político que o transformasse em um líder nacional semelhante ao aiatolá do Irã.
"Alguém que governar por tanto tempo pode ficar tentado a continuar no poder", disse Andrei Kolesnikov, especialista em políticas domésticas do think tank Centro Carnegie em Moscou. "Para uma pessoa que anexou parte de outro país ao seu território, praticamente não há limites".
Os primeiros sinais de como será a sucessão de Putin virão quando ele montar o próximo governo, assim que o novo mandato iniciar em maio. Manter o primeiro-ministro Dmitry Medvedev em seu atual posto será um sinal de que Putin quer minimizar a especulação sobre seu sucessor. Chamar o ex-ministro das Finanças Alexei Kudrin, mais liberal, para o governo seria um obstáculo para as alas militares e de inteligência do Kremlin e um sinal de que Putin pode tentar levar a cabo algumas reformas econômicas.
Oposição desorganizada
Apesar da incerteza no Kremlin, para Putin a oposição pró-democracia parece mais desorganizada do que jamais foi em anos. O símbolo mais marcante de sua permanência no poder como presidente russo, de fato, não foi sua vitória eleitoral inevitável. Foi um debate transmitido no YouTube entre dois personagens principais da oposição - o ativista anticorrupção Alexei Navalny e ex-apresentadora de televisão Ksenia Sobchak, liberal, que também disputou as eleições deste domingo.
Em uma transmissão ao vivo que estava sendo visualizada por mais de 100.000 pessoas, Navalny atacou Sobchak por ela ter se candidatado. A decisão dela em concorrer, segundo ele, simplesmente acrescentou uma camada de legitimidade às “falsas eleições” de Putin. O governo permitiu que Sobchak concorresse e deu a ela tempo de propaganda na televisão, enquanto Navalny foi impedido de concorrer e mantido fora da TV.
"Vou julgá-la por suas ações", Navalny disse a Sobchak. "Suas ações até agora foram nojentas".
O futuro de Sobchak também é imprevisível. Como a filha do mentor de Putin, o falecido prefeito de São Petersburgo, Anatoly Sobchak, ela é a única que poderia ter uma relação pessoal com Putin, embora o critique publicamente. Sobchak anunciou planos para formar um novo partido político - algo que poderia afastar ainda mais Navalny, líder da oposição russa com maior apoio nacional que quer derrubar o governo de Putin.
"Não se pode esperar uma mudança séria", concluiu Kolesnikov.