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A invasão russa da Ucrânia provavelmente será um dos eventos mais importantes deste século XXI ainda jovem, encerrando décadas de relativa estabilidade entre os Estados europeus. Enquanto seus efeitos sobre a geopolítica, os mercados e as eleições ainda estão por vir, a invasão provavelmente continuará a abrir uma divisão na direita dos Estados Unidos. Uma pequena facção dos conservadores dos Estados Unidos (pequena, porém cada vez mais visível e com potencial de influência) vê um amigo e um modelo em Vladimir Putin. Mas estão errados em fazer isso. Putin não é nosso amigo. Tampouco a sua Rússia é exemplo para o conservadorismo dos Estados Unidos.
Os conservadores deveriam conhecer a realidade da situação social da Rússia, deveriam saber o quanto os interesses nacionais americanos são incompatíveis e como a governança de Putin não serve para os Estados Unidos. Se você cometer o erro de analisar o Twitter ou ler a seção de comentários dos jornais, não será difícil encontrar vozes perguntando por que diabos teríamos tensões com a Rússia, já que Putin é um líder conservador que fez tantas coisas boas. Embora seja fácil demais encontrar opiniões animalescas na internet, não é muito difícil encontrar figuras conservadoras influentes rugindo esses tópicos. Essas opiniões vão desde o mero ceticismo quanto ao consenso conservador comum até elogiar abertamente os tópicos de Putin sobre a invasão. Possivelmente, o mais estridente em sua admiração é Pat Buchanan, ex-funcionário da administração de Reagan e paleoconservador por excelência. Buchanan tem firmemente Putin como um “bastião defensor de valores tradicionais” e elogiou a Rússia como um lugar aos quais os “conservadores, tradicionalistas e nacionalistas de todos os continentes” podem se aliar.
Eles não poderiam estar mais errados. Por exemplo: é inacreditável imaginar que um ex-agente da KGB seja uma espécie de amante da verdade. De fato, as realidades da Rússia de Putin apontam para uma visão menos rosada e mais cínica. Por exemplo, quanto a toda a conversa de valores tradicionais, a religiosidade da Rússia permanece baixíssima. Com 6% de comparecimento à igreja, a Rússia mal permanece à frente de países muito seculares, tais como a Noruega e a Suécia. Ainda mais preocupante é o índice de aborto. Embora continue a declinar após o fim da era soviética (como acontece nos Estados Unidos, em grande parte por causa do sucesso do movimento pró-vida), ainda é drasticamente mais alto do que nos Estados Unidos. Longe de liderar um reavivamento social tradicional, a Rússia de Pútin continua a deslizar para o declínio demográfico.
A realidade é que a imagem de Pútin como restaurador conservador é uma narrativa política, do mesmo jeito que o ex-presidente sérvio Slobodan Milosevic se reinventou, passando de apparatchik comunista a líder nacionalista sérvio. A discussão do escritor viajante Colin Thubron com um cidadão russo salienta a natureza superficial dessa forma de conservadorismo em seu livro The Amur River: Between Russia and China [O Rio Amur: Entre a Rússia e a China]:
“Murmuro algo sobre a resiliência dos que têm fé. Ela de repente se aviva: ‘Oh! Não tínhamos fé! Meu pai era comunista e minha mãe era ateia! Éramos todos ateus!’ Ela ri da minha perplexidade. ‘Comprávamos tinta para decorar ovos da Páscoa também, em segredo. Mas ninguém acreditava na Ressurreição!’ Acrescentou, como que me informando: ‘Deus não existe.’ Ela andara até a Igreja por hábito, não por piedade. ‘Penso que as pessoas vivem por tradição, não por fé… Aquela estátua na Praça Lênin… Ele é uma parte de quem nós somos.’”
Mais importante: os Estados Unidos e a Rússia têm interesses nacionais em conflito. Qualquer abordagem “America First” da política externa que procure ancorar a política dos Estados Unidos a interesses concretos tem que priorizar esses interesses em vez dos da Rússia. Que interesses são esses? Há um grande consenso segundo o qual um núcleo vital do interesse americano é assegurar a segurança física dos Estados Unidos e impedir ataques à pátria. Um dos principais jeitos que os EUA buscou alcançar foi assegurar que um grande poder não possa os atacar. Como escreveu o estrategista George Friedman em seu livro The Next 100 Years [Os próximos cem anos], isto foi a estrela guia dos Estados Unidos desde a Doutrina Monroe. A macroestratégia dos Estados Unidos dita que não apenas assegurar que nenhum grande poder domine o hemisfério norte, como também exista a garantia de que nenhum poder único domine o continente eurasiático.
De maneira realista, há poucos Estados que possam fazer essa ameaça: a saber, a República Popular da China, a Rússia, a Índia e a Alemanha. As duas últimas foram trazidas com sucesso à órbita americana. De potência nos séculos XIX e XX, a Alemanha passou a poder não-nuclear alinhado com os interesses dos Estados Unidos por tratado. Na Ásia, os Estados Unidos tiraram o foco sua atenção do Oriente Médio e colocaram na região do Oceano Pacífico a fim de se contrapor à China, uma estratégia sabiamente ampliada pela administração Trump.
Sobra a Rússia. Os Estados Unidos têm, de fato, objetivos compatíveis com os interesses russos. A estabilidade na Ásia Central e no Oriente Médio, bem como a segurança nuclear, são as duas maiores questões, entre outras, nas quais os legisladores norte-americanos podem encontrar pontos em comum com a Rússia. No entanto, como demonstra essa invasão (e a abominável fala de Putin justificando-a), os objetivos de Putin na Europa são bem mais amplos do que muitos ingênuos imaginaram.
Em vez de simplesmente buscar um encolhimento da OTAN, Putin mostrou acreditar que é o direito da Rússia exercer um veto armado sobre as relações americanas com o continente inteiro, com o fim de tornar a OTAN inteiramente obsoleta. Geopoliticamente, isso levaria a Europa de volta aos tempos em que as guerras no continente eram banais. É irreal imaginar que os Estados Unidos, depois de ser arrastado para guerras europeias sangrentas no século XX, fique isolado dos efeitos negativos de uma Europa caótica no século XXI.
O equilíbrio do poder norte-americano na Europa não só levou ao fim do comunismo soviético e guerras de potências, como também inaugurou uma era sem precedentes de paz e prosperidade. Não seria cautela, mas imprudência, jogar fora uma estratégia de oitenta anos porque aqueles que desafiam a sua postura são nossos aliados ideológicos.
Ademais, o conservadorismo norte-americano não tem nada de funcional a aprender com a ideologia e a governança de Putin. Enquanto alguns admiradores poderiam apontar para a crença de Putin na herança histórica da Europa, na verdade, as similaridades são tão vagas que podem ser muito nebulosas. Seria quase tão útil quanto apontar a crença do Estado Islâmico em Deus em oposição ao anarquismo como base para uma parceria ideológica.
O conservadorismo norte-americano não está enraizado em uma nostalgia meio soviética, nem numa esperança de restaurar a ortodoxia, a autocracia e a nacionalidade do Czar Nicolau. Em vez disso, o conservadorismo americano procura preservar a mistura de influências específica, como tão bem explicou Russell Kirk em seu Roots of American Order. Kirk lista Jerusalém, Atenas, Roma e Londres como fontes da identidade e políticas norte-americanas.
Graças à herança ortodoxa da Rússia, sempre haverá alguma afinidade entre as civilizações russa e norte-americana. No entanto, as influências precoces dos britânicos e dos protestantes, combinadas com os efeitos do assentamento das colônias, da Revolução e da expansão das fronteiras, indicam que o conservadorismo norte-americano é inevitavelmente diferente. Assim como seria um erro pretender que o conservadorismo norte-americano histórico é só libertariasmo, a ênfase americana nos direitos constitucionais, localismo e virtude republicana seriam alheios à experiência russa. Não seria conservadorismo, mas radicalismo, desejar arrancar toda influência histórica em um país e trocá-la por outra totalmente alheia à experiência e cultura do seu país.
Por ora, não é provável que o putinismo se torne uma posição comum entre conservadores. Enquetes dos Republicanos mostram uma preocupação com a Rússia de Putin que geralmente se alinham com a visão americana justificadamente negativa, quando não mais acentuadas ainda. No entanto, como vozes têm se levantado para louvar o putinismo, devemos lembrar sempre como isso é despropositado. Longe de ser uma inspiração de estadismo responsável e cooperação, a Rússia de Putin é um competidor hostil que busca minar os interesses nacionais americanos enquanto esconde seu próprio declínio atrás de uma fantasia de tradicionalismo. A última coisa que os conservadores deveriam fazer é incensar desnecessariamente um autocrata estrangeiro.
JOSEPH S. LAUGHON é formado pela Concordia University, Irvine, e mora na Califórnia, onde escreve sobre religião, política e segurança nacional.