A Divisão de Saúde Adolescente e Escolar dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos divulgou esta semana um relatório de dez anos de acompanhamento dos jovens americanos. O documento, que incluiu pesquisas bienais realizadas entre 2011 e 2021, com foco neste último ano, aponta que os adolescentes tiveram redução em comportamentos sexuais de risco e uso de drogas, tiveram experiências com a violência em nível constante, mas em alguns casos crescentes, e, importantemente, pioraram sua saúde mental em todas as faixas etárias.
Apesar de o sexo arriscado e abuso de drogas terem diminuído, com metade em 2011 para menos de um terço dos jovens relatando já ter feito sexo em 2021, também diminuiu o uso de contraceptivos e a testagem para doenças venéreas; além disso, o nível de abuso de substâncias continua “alto demais”, resume a agência sanitária americana.
Mais de 40% dos estudantes do ensino médio relataram se sentir tristes ou desesperançados nas duas semanas anteriores à sua inclusão na pesquisa, um sinal diagnóstico de depressão. As principais afetadas são as garotas. Em 2021, quase 60% delas apresentaram esse sintoma durante o período anterior de um ano — é o dobro da taxa dos garotos. Um quarto delas relatam ter feitos planos de suicídio, e o número que relata ter sido vítima de estupro subiu de 12% em 2011 para 14%.
Para especialistas como Cori Green, pediatra do centro médico Weill Cornell em Nova York, as diferenças de sexo são importantes de se observar, pois, nos meninos, sintomas de depressão podem se manifestar de forma diferente, como irritabilidade e agressividade. Victor Fornari, vice-presidente de psiquiatria pediátrica no sistema de saúde Northwell, também em NY, pensa que não é coincidência que o padrão de piora de saúde mental dos jovens tenha acompanhado a ascensão dos smartphones, lançados em 2007, que tiraram o porto seguro do lar e os expuseram a escrutínio constante nas redes sociais. Em sua clínica, ele observou 250 visitas por tentativa de suicídio de adolescentes em 1982, três mil em 2010 e oito mil em 2022. Ambos os profissionais falaram ao New York Times.
Outro grupo especialmente atingido por má saúde mental, segundo o relatório dos CDC, é o dos jovens de minorias sexuais (LGBT). Um quarto deles tentou suicídio nos 12 meses anteriores, metade teve problemas de saúde mental e 70% tiveram sentimento de desesperança e tristeza persistentes. O relatório não faz o comparativo histórico na proporção de jovens que se dizem LGBT, mas em 2021 foram 22%. O número é consistente com outros estudos que sugerem um contágio social de identidades LGBT: a proporção natural do grupo, segundo uma revisão de 2016, seria de 5%.
As taxas de sentimento negativo persistente são as maiores encontradas em uma década e antecedem as medidas da pandemia, como fechamento de escolas, que pioraram a situação. “Não há dúvidas a respeito do que esses dados estão nos dizendo”, comentou Kathleen Ethier, diretora da divisão dos CDC. “Os jovens estão nos dizendo que estão em crise”. Foram inclusos 17 mil estudantes do ensino médio no estudo de 2021.
É importante, contudo, olhar de forma crítica para os números. O próprio relatório do CDC aponta que o número de adolescentes que relataram precisar de cuidado médico por uma tentativa séria de suicídio manteve-se estável na década considerada, não ultrapassando 3% nem caindo muito abaixo de 2%.
Perscrutando as causas
O relatório traz uma novidade em relação a suas versões anteriores: perguntas que medem determinantes sociais da saúde e que sejam protetores para os jovens. Um fator é a instabilidade do lar, ou seja, o jovem não ter constância de um lugar para dormir, tendo de recorrer à casa de amigos, parentes ou outros porque teve de sair de casa ou não tem onde morar. Somente 3% dos adolescentes passaram por esse tipo de instabilidade, mas os LGBT estão desproporcionalmente presentes no grupo.
Outro fator considerado é a conexão com a escola: sentir-se parte da comunidade escolar. Tem “um impacto protetivo de longo prazo para os adolescentes, até a vida adulta”, diz o relatório, “em quase todos os comportamentos e experiências incluídos”. Neste quesito, as mulheres, os LGBT e os estudantes de minorias étnicas tiveram as menores notas.
Um terceiro fator protetivo chave é o monitoramento dos pais. Felizmente, a maioria “disse que seus pais na maior parte ou sempre sabem onde eles estão e com quem estão”. Mais de 95% das crianças e adolescentes passam boa parte de seu dia na escola. Os autores do relatório concluem que o papel das escolas não é só acadêmico, “elas têm um papel crítico em moldar o crescimento mental, físico e social”.
Saúde mental dos jovens no Brasil
Segundo um relatório de 2021 da Unicef, a incidência de transtornos mentais entre jovens dos 10 aos 19 anos no Brasil é de 17,1% — mais alto nas garotas (17,6%) que nos garotos (16,7% ou um a cada seis). Na América Latina e o Caribe, diz o documento, o suicídio é a terceira maior causa de morte entre adolescentes entre 15 e 19 anos, abaixo apenas da violência interpessoal e acidente de trânsito. O número de jovens que tiram a própria vida nessa região, de dez por dia, é o dobro dos que morrem por afogamento e o triplo dos que são vítimas da leucemia.
Se está correta a tese de Fornari sobre a participação dos smartphones e redes sociais na deterioração da saúde mental dos jovens americanos, fenômeno similar pode estar ocorrendo no Brasil. Em 2021, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) lançou uma “nota de alerta” a respeito da saúde mental dos jovens. Foi a primeira vez que a SBP incluiu saúde mental de jovens e adolescentes no Tratado de Pediatria, publicação direcionada à comunidade médica de todo o país.
A sociedade relata que, durante a pandemia, “pediatras têm atendido solicitações de famílias que descrevem o surgimento de insônia, anorexia, crises de ansiedade ou depressão em seus filhos”. Um dos sinais de problemas dessa natureza, nas idades menores, é o reaparecimento de comportamentos já superados antes, como o xixi na cama e pedidos para dormir com os pais, diz a organização, que também faz um alerta a respeito da estabilidade do lar.
“Há um sofrimento público”, disse Roberto Santorno, coordenador de grupo de trabalho em saúde mental da SBP, para a Fiocruz. “Já sabemos que os quadros de ansiedade e depressão dobraram por conta da pandemia. Isso é percebido na clínica e ratificado em estudos científicos”.
Uma pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz observou que, entre 2011 e 2014, houve 15,7 mil ocorrências de cuidado médico a adolescentes por tentativa de suicídio. Um perfil comum era de garotas de 15 a 19 anos, residentes do Sudeste, e os eventos geralmente ocorreram em casa.
Já o Ministério da Saúde, em boletim epidemiológico (nº 33), relatou um aumento geral de 43% no número de suicídios entre 2010 e 2019 e destacou maior vulnerabilidade dos nascidos após 1995. Segundo o documento, esses jovens têm “menos mecanismos para lidar com frustrações e adversidades (menor resiliência) e dificuldades em adiar o prazer (imediatismo) [que] também podem ser fatores sociais que influenciam no desencadeamento de quadros mentais que têm contribuído com o aumento do suicídio”.