Muitos dos dados que circulam hoje na internet sobre aborto no Brasil são exagerados, incompletos ou antigos. Por se tratar de um crime não existem números oficiais que possam referenciar o debate, o que resulta em diversos conteúdos pouco detalhados ou mal interpretados sendo compartilhados pela internet, especialmente nas redes sociais.
Um exemplo é as informações relativas ao número de internações hospitalares em decorrência do aborto. Diversas publicações indicam 250 mil atendimentos por ano, entretanto o Datasus, departamento de informática do Sistema Único de Saúde que agrega as informações de morbidades relativas ao aborto, indica que em 2016 foram realizadas 197.026 internações. O número engloba também abortos espontâneos e os casos legais. Entretanto o que nem sempre é mencionado é o fato de que as internações em consequência de aborto vêm diminuindo desde 2009, quando o registro era de 223.165 atendimentos.
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Também corre nas redes sociais a informação, sem citar fonte, de que estas internações têm custo de cerca de R$ 142 milhões, em média, o que também parece exagerado. Segundo o Datasus, em 2016, os atendimentos hospitalares em decorrência do aborto custaram R$ 46.779.250,35.
Mortes
Os casos de mortes em consequência de abortos ilegais é um assunto ainda mais delicado e os dados apresentados variam bastante. Em 2012, circulou na internet a notícia de que a ONU (Organização das Nações Unidas) cobrava uma atitude do governo brasileiro em relação às 200 mil mulheres que morreriam anualmente em abortos inseguros, possivelmente um erro de apuração jornalística, pois a entidade estima que esses casos resultem em 47 mil mortes de mulheres no mundo, anualmente.
No fim do ano passado, outro dado sobre o assunto surgiu no debate: quatro mulheres morreriam por dia em decorrência de abortos inseguros. A informação foi atribuída ao Ministério da Saúde, mas os dados de morbidades do Datasus mostram que em 2016, das mulheres que foram internadas por causa de abortos 53 morreram. Em 2015 foram registradas 70 mortes. Já os dados do Sistema de Informação de Mortalidade, também organizado pelo Ministério da Saúde, mostram que em 2015 ocorreram 56 óbitos decorrentes de procedimentos de aborto. Ou seja, não é possível afirmar com segurança a mortalidade nesses casos, pois até mesmo o Datasus alerta para a inconsistência dos dados no preenchimento do campo momento da morte (se na gravidez, parto, puerpério ou aborto) na Declaração de Óbito.
Para a professora de Ética, Direito e Legislação da Escola de Design, Comunicação e Artes PUC-RS, Ana Cláudia Nascimento, a falta de dados oficiais e precisos atrapalha o trabalho jornalístico e acarreta em prejuízos para a própria sociedade. “Dados bem trabalhados podem gerar informação de qualidade, mas talvez seja isso que esteja faltando quando falamos sobre aborto ou qualquer outro assunto. Deveria haver uma padronização dos dados em diferentes frentes da saúde para facilitar o trabalho de informar a sociedade e de, inclusive, criar políticas públicas”.
A professora do Instituto de Ciências Biológicas da UnB (Universidade de Brasília) e presidente do Movimento Brasil sem Aborto, Lenise Garcia, acredita que a divulgação de dados inverídicos é “uma estratégia que vem sendo utilizada em vários países para pressionar os governos para a legalização do aborto” e cita como referência os dados do Uruguai. “Antes da legalização estimava-se que eram feitos 33 mil abortos naquele país. Depois da mudança da lei foram [registrados] cerca de 4 mil procedimentos, que estão aumentando a cada ano. Isso nao quer dizer número de abortos caiu após a legalização, mas mostra que de fato havia um número inflado, exagerado”, concluiu Garcia.
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