Estados Unidos e Coreia do Norte estão perto de uma guerra, de novo. Washington e Pyongyang ameaçam uns aos outros com frequência. Nos últimos dez anos, os americanos realizaram dezenas de movimentos navais e aéreos massivos nos arredores do país comunista, além de manter forças militares permanentes no lado sul da fronteira.
Os norte-coreanos executaram no mesmo período 88 disparos de mísseis, 66 só nos últimos quatro anos, muitos em direção ao Japão ou apontados para a Coreia do Sul — o Sul e o Norte, aliás, estão oficialmente em guerra desde 1950, já que nunca assinaram nenhum tipo de tratado de paz mesmo ao fim dos conflitos diretos, em 1953.
Tensão parecida com a de 2017 aconteceu entre o fim de 2012 e o início de 2013, quando a Coreia do Norte testou com sucesso um míssil de longo alcance capaz de carregar ogivas nucleares. Mas os dois países não chegaram às vias de fato. E se dessa vez for para valer? E se, depois dos movimentos militares americanos de abril, Donald Trump avançar de fato contra a nação regida por Kim Jong-un?
Os analistas concordam: a Coreia do Norte seria derrotada, mas provocaria um estrago gigantesco. A batalha começaria na fronteira entre as Coreias, onde há décadas os dois países têm armamentos apontados um para o outro. Rapidamente, a fronteira estaria tomada por mais de 2 milhões de soldados e gastos estimados, apenas para os Estados Unidos, em US$ 3 trilhões. Como resultado do conflito, a nova Coreia unificada nasceria arrasada e com a população dividida em termos políticos, educacionais e culturais.
O tamanho dos danos humanos depende de dois cenários distintos. Vamos a eles.
Sem armas nucleares
Os militares do país passaram décadas aprendendo: não existem guerras rápidas e populares. A própria Coreia, nos anos 1950, ofereceu um aperitivo para o que viria nas décadas seguintes: Vietnã, Iraque, Afeganistão. O embate com a Coreia do Norte seria demorado, custaria muitas vidas e exigiria um controle de território, em parceria com a Coreia do Sul e do Japão, para tentar impedir que a Rússia e a China se impusessem. Para alcançar a vitória, seria preciso encontrar e dominar, por exemplo, os 6 a 8 mil bunkers subterrâneos que o próprio governo americano estima que existam espalhados pela Coreia do Norte.
Deixaria de existir como país depois da guerra, sendo anexada à Coreia do Sul. Atacaria os sul-coreanos, os japoneses, talvez até os americanos e partes da Austrália. Resistiria bem melhor do que o Iraque ou o Afeganistão, e provocaria muito mais perdas de homens e armamentos. “A Coreia do Norte conta com mísseis terra-ar, incluindo indicações de que desenvolveu alguns equivalentes ao russo S-300”, detalha o analista americano George Friedman, em artigo para o site Maldin Economics. “Para destruir essa artilharia, seria necessário usar os bombardeiros B-52, mas as perdas seriam muito altas. Aparentemente, a Coreia do Norte tem a capacidade de alcançar uma vitória decisiva ao destruir Seul e infringir perdas severas para a Aeronáutica americana.”
Seria a maior vítima. A capital Seul seria atacada logo nas primeiras horas de conflito – um disparo inimigo precisa apenas de 45 segundos para chegar à cidade. Trabalhando com a meta de, na melhor oportunidade, invadir o vizinho do Sul e dominar suas principais cidades em apenas uma semana, os norte-coreanos passaram anos construindo um arsenal inteiramente voltado para a capital de seus maiores adversários. “A primeira onda de ataque seria a mais destrutiva” afirmou ao Senado americano o especialista em inteligência militar Michael Pregent. A vantagem para os sul-coreanos é que uma possível vitória ao fim da guerra reunificaria a Coreia sob o controle capitalista.
Tem mais a ganhar do que a perder: o arsenal norte-coreano não provocaria impacto suficiente, diante das vantagens de retomar a influência sobre uma Coreia unificada – o Japão surgiria como o parceiro mais óbvio, além dos Estados Unidos, de um novo país totalmente capitalista. De quebra, ficaria bem perto de um mercado cobiçado pelos chineses, inimigos milenares.
O país responde por 85% do comércio exterior da Coreia do Norte. Mas já perdeu a paciência faz muito tempo. São os chineses que impedem, nos bastidores, que os norte-coreanos cumpram suas promessas de iniciar uma hecatombe. Se o conflito de fato começasse, Pequim possivelmente correria atrás de um pretexto para deixar os antigos aliados por conta própria. Mas também trabalhariam para evitar que o Japão se envolvesse diretamente na guerra ou tentasse controlar politicamente a nova Coreia unificada.
Provavelmente evitaria participar de uma guerra. Torceria pelos norte-coreanos nos bastidores, sabendo da derrota certa, mas já se posicionando para um futuro cenário em que Rússia e China, de um lado, disputam a influência sobre a península com Japão e Estados Unidos, de outro. Os russos seriam fortalecidos pelo fato de que não seriam atacados pelos norte-coreanos (muito menos pelos americanos) e ainda veriam cidades japonesas serem atingidas.
Com armas nucleares
O cenário mais provável para o início de um conflito é o de uma agressão inicial dos americanos. Qualquer ataque nuclear que viesse depois seria considerado consequência da ação de Washington. O conflito iria muito além do que os americanos estariam dispostos a aceitar.
Já realizou cinco testes nucleares e desde 2005 afirma que tem este tipo de armamento. Os americanos acreditam: acham que o país tem de 10 a 16 ogivas nucleares e está desenvolvendo outras, cada vez menores, capazes de caber na ponta de um míssil interbalístico que poderia alcançar a Califórnia. O almirante Bill Gortney, ex-comandante do comando aeroespacial dos Estados Unidos, afirmou ao Congresso do país que Pyongyang já tem, neste momento, a capacidade de realizar ataques nucleares contra a Coreia do Sul e o Japão. A dinastia dos Kim seria, sim, exterminada, mas não sem antes provocar um grande estrago. Por outro lado, é possível que o uso de armas nucleares da parte dos norte-coreanos provocasse uma reação no mesmo nível, o que arrasaria as maiores cidades do Norte.
Discute-se se a Coreia do Norte tem de fato poder para atacar com armas nucleares o Japão e até mesmo os Estados Unidos, mas não há dúvidas de que o arsenal permite atingir Seul, a apenas 60 km de distância e com 24 milhões de habitantes em sua região metropolitana. Nesse contexto, a Coreia do Sul não seria apenas abalada por um conflito: seria arrasada por ogivas nucleares. Nenhuma vitória militar posterior compensaria estas perdas. Mas a vitória viria: as forças sul-coreanas são claramente superiores em termos de tecnologia e poder destrutivo, apesar de o país contar com 660 mil soldados, contra 950 mil dos inimigos.
Assim como os sul-coreanos, teriam bastante a ganhar com um conflito militar tradicional, mas a vitória teria um preço alto demais caso suas cidades vivessem novamente o trauma de um cataclismo nuclear. Para os japoneses, novas Hiroshimas e Nagasakis seriam insuportáveis.
Para os chineses, o uso de armas nucleares apenas aceleraria uma decisão, a de abandonar os aliados à própria sorte, até para evitar que os sul-coreanos resolvessem atacar a China. O maior desafio ficaria para depois da guerra. “Vitoriosa, a Coreia do Sul enfrentaria uma onda de refugiados e sofreria com uma China defensiva, ansiosa com suas fronteiras”, escreveu Jim Walsh, pesquisador do Programa de Estudos de Segurança do MIT.
Um cenário em que Japão e Coreia do Sul fossem atingidos por bombas atômicas favorece a influência russa na região. A nova Coreia certamente teria preferência por manter Estados Unidos e Japão como aliados, mas a proximidade com China e Rússia criaria uma situação de tensão. A Coreia sofreria com a adaptação da parte Norte e experimentaria distúrbios políticos e até mesmo atividades terroristas. A tensão poderia beneficiar os russos.
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