Estátua de Giordano Bruno em Roma.| Foto: /BigStock

Duas semanas atrás, o estudante de psicologia Bruno Borges, de 24 anos, desapareceu em Rio Branco, capital do Acre. Atrás da porta de seu quarto, mantida trancada por mais de 20 dias enquanto os pais viajavam, foi encontrada uma estátua do filósofo Giordano Bruno, cujo valor chega a aproximadamente R$ 7 mil, além de 14 livros escritos à mão, alguns deles copiados nas paredes. Tudo, teoricamente, criptografado.

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A internet, claro, é um campo fértil para teorias da conspiração e aparentemente não há dificuldade alguma em estabelecer relação entre um jovem acreano e um frade condenado à fogueira durante a Inquisição Romana: nas redes sociais apontaram, além dos nomes, semelhanças físicas entre ambos e, para alguns, Borges estaria tentando dar continuidade às obras do filósofo.

Aliás, o artista plástico Jorge Rivasplata, de 83 anos, autor da escultura encontrada no quarto do jovem, afirmou acreditar que Bruno Borges é a reencarnação do filósofo. Mas outra hipótese levantada parece um pouco mais crível: talvez logo descobriremos que tudo não passou de mais um viral publicitário.

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Teorias conspiratórias

Para Eduardo Emmerick, coordenador e professor de Filosofia e Sociologia do Curso e Colégio Positivo, o que Bruno Borges elaborou não vai além de uma sofisticada construção visual que combina inteligência e imaginação fértil. “As pessoas que estão procurando descobrir ali sutilezas esotéricas ou características subliminares, podem aproveitar a oportunidade para estudar filosofia”, brinca.

De todo modo, a filosofia sempre foi um campo do conhecimento humano que, de maneira leiga, procuramos relacionar com teorias conspiratórias. “Ela pode, sim, ajudar a compreender formações mentais, vinculações ideológicas ou mesmo alienações pessoais que, em alguns, podem conduzir à busca por respostas rápidas”, justifica o professor.

Para ele não é possível estabelecer nenhuma conexão palpável entre a obra do filósofo e as atitudes do jovem acreano, já que as ideologias de Giordano se aproximam mais das origens gregas: não propõem mistérios, mas sim buscam exatamente contrário.

Curiosamente, uma das correntes defendidas por Giordano é que Deus não pode ser conhecido pelas suas consequências nem por suas obras, da mesma forma que não podemos conhecer um escultor pela estátua. Aqui mora uma pequena contradição: com a estátua de Giordano encontrada no quarto da pessoa desaparecida, estaríamos flertando com o surreal?

“Não compactuo com a ideia de que o filósofo Giordano Bruno pudesse levar a gestos de isolamento. Acredito que se ele [Bruno Borges] aparecer e se dedicar com afinco ao estudo da filosofia fará progressos notáveis”, pondera Eduardo.

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Quem foi Giordano Bruno

Giordano Bruno acreditava que Deus era o próprio Universo, teoria que contrariava os textos sagrados. Por conta disso, apesar de manter-se cristão, refutou ativamente a Bíblia, alegando que ela era útil para aprender religião, mas não para aprender astronomia ou geografia. Para ele, novas descobertas — como o descobrimento da América, por exemplo — mostravam que os textos bíblicos não podiam ser levados à risca.

Ele percorreu a Europa divulgando suas teorias e, nessas viagens, converteu-se ao calvinismo, abandonando a fé católica. Deu aulas na Universidade de Oxford, que rejeitou suas teorias — a sociedade da época não estava preparada para linhas de pensamento que contrariassem, sobretudo, a escolástica (método de pensamento crítico dominante no ensino nas universidades medievais europeias entre os séculos XI e XVI) e a religião. Da mesma Oxford, acabou expulso por plagiar o trabalho de uma colega.

Preso pela Santa Inquisição por conta de suas crenças, alegou que filósofos não-cristãos, como Platão e Aristóteles, ainda assim eram importantes para a Igreja, já que eram referência para estudos teológicos e para a Filosofia. Em seu julgamento, exigiu o mesmo respeito dos filósofos gregos, ainda que sua visão religiosa não fosse a mesma da Igreja. Condenado a ser queimado vivo, negou-se a refutar suas crenças, exatamente como Sócrates havia feito quando foi condenado à morte por envenenamento por não acreditar nos deuses gregos.

Da mesma maneira que o filósofo tido como “pai da Filosofia”, Giordano Bruno afirmou que a sentença era mais assustadora para aqueles que ficavam do que para ele. Morreu abrindo caminho para Galileu nas ciências e para Descartes e Espinosa na Filosofia.